Separatismo catalão contorna a lei e extrema posições
Parlamento regional aprovou referendo de 1 de outubro. Madrid diz que não se realizará
Parlamento regional aprovou referendo de 1 de outubro. Madrid diz que não se realizará
Correspondente em Madrid
A rebelião está em marcha. O Governo regional catalão passou por cima das instituições e normas jurídicas espanholas, fabricando um traje à sua medida com a colaboração de parte do parlamento regional. Tudo para realizar um referendo à independência no próximo dia 1 de outubro, que já foi declarado ilegal, e, após vitória em que confiam, proclamar, passados três dias, a República Catalã.
Todo o aparelho de Estado espanhol está mobilizado para os travar. O primeiro-ministro, Mariano Rajoy, repetiu esta semana, em tom solene, que o referendo “não se vai realizar”. O também líder do Partido Popular (PP, centro-direita) recebeu o apoio explícito dos principais líderes da oposição: Pedro Sánchez, do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE, social-democrata) e Albert Rivera, dos Cidadãos (C’s, centro-direita liberal). Mais ambígua é a posição de Pablo Iglesias, do Podemos (P’s, esquerda populista).
O governo regional, chefiado por Carles Puigdemont (55 anos), garante que não vai acatar ordens do executivo de Madrid nem obedecer a qualquer resolução dos tribunais espanhóis, ignorando as recomendações que lhe cheguem da esfera internacional. Para muitos analistas, não é exagero aplicar a categoria de “golpe de Estado” ao que tem sucedido na Catalunha nas últimas semanas.
Os separatistas defendem que as leis aprovadas quarta e quinta-feira gozam de legitimidade, por terem o apoio do parlamento regional. Não explicam que, embora maioritários nesse hemiciclo (72 de 135 assentos), não tiveram maioria de votos nas últimas eleições regionais, em 2015. E vergaram o regulamento parlamentar para permitir a tramitação urgente das leis independentistas, sem deixar a oposição apresentar propostas de emenda e limitando o debate de ideias.
As votações decorreram na presença dos deputados da coligação Juntos pelo Sim — Partido Democrata Catalão (antiga Convergência Democrática da Catalunha, formação democrata-cristã dos ex-presidentes regionais Jordi Pujol e Artur Mas) e Esquerda Republicana da Catalunha (ERC, nacionalista) — e das Candidaturas de Unidade Popular (extrema-esquerda independentista). O restante arco parlamentar — PP, PSOE, C’s, Catalunha Sim é Possível (que inclui a fação catalã do P’s) — abandonou o hemiciclo em protesto pelo atropelo democrático.
A presidente do Parlamento desprezou as recomendações dos letrados da própria instituição, que a alertaram para a ilegalidade em curso. O Conselho de Garantias Estatutárias, espécie de tribunal constitucional catalão, afirmou que teria de dar parecer prévio sobre os projetos de lei, algo que o governo e o parlamento catalães ignoraram olimpicamente. Associações espanholas de juízes e procuradores de todas as cores políticas denunciaram a violação da lei.
O Conselho da Europa, o Parlamento Europeu, a Comissão Europeia e o Comité de Veneza (que estabeleceu critérios para a credibilidade de referendos) fizeram saber que violar as leis constitucionais de um Estado-membro representa um ataque à legislação comunitária e que nenhuma parte segregada de um território de um Estado-membro pode pertencer à União Europeia. Em vão. Os independentistas insistem, chocarreiros, em que nada pode sobrepor-se à vontade do povo, a qual se exprime através dos deputados regionais.
A resposta do Estado tem-se cingido à lei. O Tribunal Constitucional suspendeu as leis aprovadas pelos deputados regionais (lei reguladora do referendo, lei de convocatória para 1 de outubro, lei transitória, comissão eleitoral). A Procuradoria-Geral abriu processos-crime contra o governo regional, os dirigentes do parlamento e uma centena de altos cargos envolvidos no referendo, por prevaricação e desvio de fundos públicos. Já a Polícia Nacional e a Guardia Civil receberam ordens para intervir em qualquer atividade relacionada com a consulta (impressão de boletins de voto, instalação de urnas...). O Governo de Rajoy comunicou aos funcionários da administração regional (incluindo a polícia, os Mossos d’Esquadra) a sua obrigação de obedecer à lei espanhola.
A tensão ainda não chegou à rua. Todos aguardam com expectativa a próxima segunda-feira, 11 de setembro. É a Diada (dia nacional catalão), ocasião habitual para concentrações de cidadãos. Qualquer incidente ou atuação desmesurada dos corpos de segurança pode gerar uma faísca de consequências imprevisíveis.
Muitos recordam que a anterior proclamação unilateral do Estado catalão dentro da República Federal Espanhola, em outubro de 1934, descambou num banho de sangue, após intervenção do Exército para repor a legalidade. O promotor do Estat catalá, Lluis Companys, e os membros do seu Governo, foram detidos, julgados e condenados a 30 anos de prisão pelos tribunais republicanos. Exilado no início da Guerra Civil de 1936, Companys foi detido em França pela Gestapo e entregue a Franco, que o mandou fuzilar no Castelo de Montjuïc, em Barcelona. Eram outros tempos.
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