Vamos Falar de Leite?

O futuro precisa do leite mais verde

O futuro precisa do leite mais verde
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Sustentabilidade. Os laticínios têm menor pegada ecológica do que a carne e o peixe. O desafio é produzi-los e consumi-los de forma cada vez mais eficiente e amiga do ambiente. A revolução pode começar pelas embalagens

A dieta alimentar terá que mudar para o futuro ser mais sustentável. Mas os laticínios como o leite, o queijo ou o iogurte terão todo o direito a ficar na lista, desde que produzidos e consumidos de uma forma cada vez mais “verde”, local e natural.

Esta é a opinião dos peritos nacionais e internacionais inquiridos pelo Expresso que vieram a Lisboa, por ocasião do recente congresso da Ordem dos Nutricionistas, alertar para a necessidade de o mundo adotar padrões alimentares mais sustentáveis, de modo a salvar o planeta. Em causa está a necessidade de uma urgente revolução na forma como se produzem e se consomem os produtos alimentares, já que, de que interessa fazerem bem à saúde se fizerem mal ao planeta?

“Os laticínios farão definitivamente parte da dieta do futuro. A pergunta é em que quantidade é que devemos consumi-los. Esta é a questão que se deve colocar a todo o tipo de alimentos a integrar a futura dieta mais sustentável. Mas o leite estará lá, de certeza”, diz Lene Frost Andersen, a investigadora do departamento de nutrição da Universidade de Oslo que veio a Portugal falar do futuro das dietas nórdicas. “O que devemos é mudar a forma de produção, de modo a reduzir as emissões de gases com efeito de estufa. Na Noruega, por exemplo, a produção de laticínios é mais sustentável porque assenta em pequenos produtores locais. Tudo depende da forma como estamos a produzir o leite e a usar as vacas. Estão a comer nas pastagens locais ou a ser alimentadas com soja importada dos EUA?”, pergunta a investigadora.

Quanto leite por dia?
“Consumir diariamente duas porções de produtos lácteos é uma forma menos insustentável de obter proteínas quando comparada com outras fontes animais”, diz a perita da Universitat Oberta de Catalunya, Anna Bach-Faig. “Os laticínios existem há milhares de anos e devem continuar a existir no nosso prato. Têm é de ser mais amigos do ambiente, produzidos mais localmente e mais naturais”, diz esta investigadora, que alerta antes para os perigos do açúcar nos laticínios e para a soja que se importa do estrangeiro.

“Quando se pensa à escala global, zero a 500 gramas é o referencial neste modelo de sustentabilidade para o planeta. Isto dá-nos uma indicação pedagógica. É possível viver sem ele ou viver em modelos em que ele terá uma participação significativamente mais forte. Se queremos ter planeta para os nossos netos, a esperteza estará em meter ciência nos objetivos”, diz Pedro Moreira, professor da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto.

“O desafio não está só em mudar a maneira de comer, mas também a maneira de processar os alimentos”, diz o perito que alerta para o potencial de poupança na forma como se produzem ou transportam produtos alimentares como os laticínios. A produção deve ser mais sustentável, desde cuidar da ração que se dá aos animais e do bem-estar animal, até reduzir o desperdício aproveitando os “restos” da sua produção para outros usos, como é o caso dos fragmentos de proteína que servem para fabricar dentífricos.

E as embalagens?
Sara Moreno Pires é uma das investigadoras da Universidade de Aveiro focada na pegada ecológica da alimentação em Portugal. “No estudo que realizámos em seis municípios portugueses, conseguimos perceber que a alimentação é o fator mais importante para a pegada desses municípios. Até mais do que os transportes, ao contrário de outras cidades europeias.” E o zoom que fizeram à alimentação permitiu apanhar os principais culpados: “O leite não é das categorias de consumo com maior impacto ambiental. O consumo de laticínios e de ovos representa apenas 4% da pegada de alimentação destes municípios. A carne e o peixe é que representam mais de 50%”, alerta a investigadora.

Uma questão muito importante na produção de todos os alimentos, incluindo os laticínios, será a redução do desperdício. “O leite deve ser produzido de forma mais eficiente, incentivando a economia circular, não só no leite em si mas em todas as embalagens que estão em volta dos laticínios”, diz a investigadora da Universidade de Aveiro, alertando para a insustentabilidade das pequenas embalagens dos iogurtes líquidos, por exemplo.

“Uma das primeiras dificuldades de quem tenta viver sem plástico é os iogurtes... Quantos menos individualizadas forem as embalagens, melhor. E mais vidro e menos plástico”, diz a investigadora, que alerta para a necessidade de políticas públicas que incentivem as indústrias a reduzir voluntariamente os materiais no âmbito da economia circular.
Marion Nestle, a professora de nutrição da Universidade de Nova Iorque, remata que os produtos lácteos serão perfeitamente aceitáveis num futuro mais sustentável, desde que não contenham açúcar e a sua produção seja de pasto e orgânica. O problema são as embalagens. “Nos EUA, também estamos muito preocupados com o tema dos plásticos. É horrível! Quando as baleias vêm morrer nas praias com quilos de plástico no estômago, isto tem mesmo de mudar.”

“Se a minha avó não sabe o que é… então é de evitar”

É muito simples a regra da alimentação saudável seguida por Nuno Delgado, o judoca que deu uma medalha olímpica a Portugal. O barómetro que este desportista usa para decidir que produtos alimentares deve ou não privilegiar não é nenhuma app tecnologicamente mais avançada, mas a sua própria avó: “Se a minha avó sabe o que é, então deve ser saudável. Se a minha avó não sabe o que é… então é de evitar.” Nuno Delgado é um dos protagonistas deste debate sobre a desinformação em torno dos laticínios, que tem contado, nos últimos meses, com o apoio e esclarecimento de vários médicos e nutricionistas. “Eu vejo este debate com muito crédito porque, hoje em dia, estamos bombardeados de informação e, muitas vezes, ficamos perdidos sobre o que nos faz ou não saudáveis”, diz Nuno Delgado no vídeo que passa na SIC Notícias.

Nuno Delgado inclui os laticínios na lista de compras para si e para a sua família. Convém é serem o mais próximo do original: “O leite do dia devia ser o produto mais procurado. Leites com sabores já não é natural… A lei número um é alimentos do mais natural possível. Os sumos de soja e os refrigerantes não o são.” É por isso que Nuno Delgado prefere ir à praça, escolher os seus próprios alimentos, informar-se sobre de onde é que eles vêm e está disposto a pagar um extra por isso: “Acredito que as pessoas vão querer voltar atrás e dar mais valor aos produtos de maior qualidade.” O grande desafio é a sustentabilidade do planeta e o papel decisivo que o consumidor terá na resolução deste problema:

“Gosto de ser positivo, mas a coisa não está fácil e o homem só evolui em dor. Teremos de piorar até um ponto ainda reversível para que tudo melhore. Não sei como será, mas acredito na boa natureza humana...” Muita coisa terá de mudar, até na forma como o leite chega ao consumidor: “As embalagens terão de ser mais sustentáveis. Cada pessoa devia ter a sua garrafa de vidro e ia enchê-la ao supermercado.”

Textos originalmente publicados no Expresso de 19 de abril de 2019

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