Posso beber uma meia de leite e comer uma sanduíche de queijo?
Perante toda a controvérsia em torno dos benefícios e malefícios do leite, será que o típico consumidor português ainda pode tomar o seu pequeno-almoço ou lanche descansado...
Perante toda a controvérsia em torno dos benefícios e malefícios do leite, será que o típico consumidor português ainda pode tomar o seu pequeno-almoço ou lanche descansado...
jornalista
Só sei que nada sei, dirá o consumidor ao fim de um dia a tentar ler os milhões de artigos na internet a favor e contra os laticínios. Um recente inquérito promovido pelo projeto C-The Consumer Intelligence Lab a 300 portugueses entre os 18 e os 30 anos de idade é sintomático da controvérsia, ao apontar que 77% consideram ter cuidados particulares com a alimentação, dos quais 30% evitam ou deixaram mesmo de beber leite.
Clara Cardoso, que coordena o projeto C, fala de uma “elevada permeabilidade dos consumidores à narrativa antileite”, caso das mensagens “somos o único mamífero que bebe leite em adulto” ou “o leite de vaca é para fazer crescer em pouco tempo um bezerro, não um humano”. São mensagens que chocam de frente com as recomendações oficiais da Direção-Geral de Saúde e das Rodas dos Alimentos Portuguesa ou Mediterrânica. “Consuma laticínios duas vezes por dia. Dê preferência a laticínios magros. Estes alimentos contribuem para a boa saúde dos seus ossos”, lê-se no site do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável.
No meio desta polémica, o típico consumidor português talvez só queira saber se ainda pode beber diariamente descansado uma meia de leite e uma sanduíche de queijo, sem medo de apanhar alguma doença grave devido a este hábito alimentar. Foi esta pergunta que o Expresso fez a vários especialistas.
“Aquilo que os dados científicos mais recentes e credíveis nos permitem afirmar é claramente que sim. A escolha será ainda mais saudável se a meia de leite não tiver açúcar adicionado, o pão for feito com cereal integral e quer o queijo quer o pão tenham um baixo teor de sal”, diz o nutricionista Nuno Borges, lembrando que “é sempre o efeito da dieta como um todo que mais pesa no risco de desenvolvermos doenças”. Este professor universitário acrescenta que “quando falamos de doença cardiovascular ou de cancro, as duas principais causas de morte em Portugal e no resto do mundo, o leite até tem, em algumas situações, um efeito protetor. Ou seja, quem consome leite ou os seus derivados queijo e iogurte tem igual ou menor probabilidade de vir a sofrer, por exemplo, de acidente vascular cerebral ou cancro colorretal”.
Um dos argumentos invocados contra o leite é o facto de a Escola de Saúde Pública de Harvard ter limitado a duas porções a dose de laticínios recomendada por dia, sob pena de uma maior ingestão aumentar o risco de cancro da próstata e, possivelmente, de cancro dos ovários. Mas nem estes médicos de Harvard baniram os laticínios da sua lista de compras: “Não é necessário beber mais do que um ou dois copos de leite magro ou desnatado por dia. Menos está bem, desde que vá buscar cálcio a outras fontes”, lê-se no site.
“Os médicos da Harvard são evocados sempre para tudo o que convém”, adverte a médica Isabel do Carmo: “Na Universidade de Harvard há muitos departamentos, muitos médicos e a entidade ‘os médicos de Harvard’ não existe. Há recomendações nacionais nos vários países e elaboradas por comissões de cientistas”. E acrescenta: “Em relação aos EUA, é sempre necessário ter cautela com o Departamento de Agricultura que defende por todos os meios a produção nacional de soja”.
Para esta especialista em endocrinologia, diabetes e nutrição, “os adultos devem beber um a dois copos de leite por dia, mas a partir dos 40 anos de idade é preferível a sua substituição, em parte, por iogurtes e queijos duros. Se necessário, pode procurar-se a riqueza em proteínas e cálcio nos iogurtes, de preferência magros, e no queijo que, se for diário e frequente, é preferível ser magro. As pessoas que suspeitam ter intolerância à lactose podem fazer uma análise simples e não achar que são intolerantes só por quaisquer sintomas, que podem ter origem em gastrite ou cólon irritável”.
“Quanto à relação entre o leite e a saúde oral, e nomeadamente ao risco de desenvolver cárie dentária, está mais do que comprovado que o leite é considerado um elemento protetor. Tem também um papel benéfico na doença periodontal”, diz o presidente da mesa do conselho geral da Ordem dos Médicos Dentistas, Paulo Ribeiro de Melo. Este efeito protetor do leite é importante nos adultos, sobretudo entre os mais idosos e para quem sofre de boca seca (xerostomia).
A nutricionista do Hospital Lusíadas, Joana Bernardo, conclui que o consumo diário da meia de leite e da sanduíche de queijo não excede as recomendações para uma alimentação saudável. “Os benefícios do consumo de laticínios parecem ser maiores do que os prejuízos. Devem ser consumidos diariamente, de forma equilibrada, pois têm uma panóplia de nutrientes que são difíceis de obter em quantidades suficientes numa dieta que os exclua na totalidade”.
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