Líderes da Transição

Líderes na transição: há novas ideias a caminho

Líderes na transição: há novas ideias a caminho

Mudança: será a sustentabilidade uma causa perdida? A resposta é curta e grossa: não. Porém, avisam seis dos 20 Líderes da Transição escolhidos pelo Expresso, é preciso agir já e implementar políticas que permitam acelerar o percurso rumo à neutralidade carbónica. Pelo caminho, há desafios sociais para as quais as empresas e o Estado estão convocados. Mas também há desafios para os cidadãos que, gesto a gesto, podem ter um papel mais importante do que pensam. Até dezembro, o Expresso (com o apoio da EDP) apresenta — aqui e no online — os 20 atores da mudança que estão a fazer a diferença nas suas áreas de atividade, dos negócios à ciência, das redes sociais ao ativismo. Esta semana, as ideias são do cientista César Martins, da investigadora Carla Gonçalves, da mergulhadora Débora Laborde, da consultora Sofia Santos, do gestor José Teixeira e do arquiteto César Barbosa. Acompanhe este projeto e conheça as ideias com potencial para transformar a sociedade

1. Fiscalidade verde como fator de motivação

Se o tabaco, as bebidas alcoólicas ou os refrigerantes são produtos taxados com base no dano que representam para a saúde, o mesmo deve ser feito com a sustentabilidade em mente. Esta é, pelo menos, a perspetiva do fundador e CEO da ChemiTek, César Martins, que acredita que os governos devem analisar o “impacto para o ambiente” de cada indústria e, com base nisso, penalizar ou premiar esses produtos. “Fazer com que as empresas que contribuem para um futuro melhor tenham algum benefício — fiscal ou seja de que forma for — para fazermos um ranking para a melhoria da indústria”, explica o empreendedor.

Este cientista, que tem desenvolvido soluções químicas que mitiguem o impacto negativo de produtos de limpeza no meio ambiente, não se fica pelas sugestões: na empresa que lidera, César Martins põe em prática o que apregoa. “Isto faz-nos pensar desde a própria embalagem, do rótulo ou das matérias-primas que constituem os nossos produtos, de forma a serem amigos do ambiente”, aponta. Vale a pena assinalar, aliás, que Portugal já aplica a fiscalidade verde à utilização de sacos de plástico, medida que será aprofundada em 2024, segundo o Orçamento do Estado, para incluir também os sacos para frutas e legumes nos supermercados.

2. Incentivar a partilha de dados energéticos

Na era da informação, o conhecimento é poder e traduz-se, com frequência, em valor. Para a investigadora do INESC-TEC, que tem dedicado parte da carreira a criar modelos matemáticos que consigam prever a produção de energias renováveis, é essencial que as organizações que concorrem no sector energético possam apostar num modelo de “previsão colaborativa”. Isto implica que as empresas tenham incentivos à partilha de dados sobre a quantidade de energia — solar, hídrica ou eólica — que estão a produzir em tempo real, de forma a que todo o ecossistema se possa adaptar à realidade de cada momento. Segundo Carla Gonçalves, esta monetização da informação “pode beneficiar as previsões” e motivar “melhores decisões” que, em última instância, têm impacto positivo na transição energética.

Até ao final desta década, a especialista espera ter um mundo “com muitos painéis solares, muitos veículos elétricos” e “maior armazenamento de energia”, um dos grandes desafios que o sector enfrenta hoje.

3. Eliminar embalagens, vender a granel

Fazer uma viagem no tempo e recuperar velhos hábitos é a proposta apontada por Débora Laborde, a jovem mergulhadora que quer os oceanos livres de lixo. “Acho que seria uma boa ideia implementar, nas grandes superfícies, sistemas de venda avulso não só para os bens essenciais mas para tudo o que possamos aplicar à nossa vida”, diz. Através da eliminação de embalagens de feijão, grão ou especiarias, é possível reduzir o impacto do plástico no ambiente, assim como evitar o desperdício alimentar e dispensar o consumo de produtos processados. “Imaginem um mundo em que os supermercados aplicavam isto a todos os produtos que vendiam”, desafia a fundadora da associação Oceanum Liberandum.

A ativista reconhece que estes mecanismos já existem em algumas cadeias de distribuição e mercearias gourmet, mas advoga pela massificação desta prática para que todas as pessoas possam ter acesso de forma prática e barata. Só assim, acredita, será possível “tornar o nosso planeta um bocadinho mais verde”.

4. Sustentabilidade como cadeira obrigatória

A geração que cresceu na década de 90 foi, desde cedo, educada para a preservação do ambiente e para a importância da reciclagem. Foram muitas as campanhas que, ao longo dos anos, invadiram as escolas, a televisão e até os desenhos animados para sensibilizar os mais pequenos — e, através destes, as suas famílias — para a poupança de recursos. É este espírito que Sofia Santos, fundadora da consultora Systemic, quer recuperar e aprofundar. “Sugiro incorporar os temas da sustentabilidade como obrigatórios em todos os cursos de ensino superior”, aponta.

O objetivo é que, independentemente da formação académica, todos os currículos ofereçam uma perspetiva ambiental que inclua os impactos financeiros e sociais das escolhas que fazemos. “Isso dá-nos um poder enorme, porque se o consumidor quer comprar bens e serviços com esses critérios, as empresas vão agir ainda mais depressa”, defende. Esta preocupação com o futuro do planeta tem levado, nos últimos 25 anos, Sofia Santos a trabalhar com organizações para que se tornem mais sustentáveis e responsáveis.

5. Erradicar a pobreza deve ser prioridade

Depois de o Expresso ter divulgado que o número de pessoas em situação de sem-abrigo aumentou 78% em quatro anos, o desafio deixado por José Teixeira torna-se ainda mais relevante. “Não é reduzir, é fazer com a pobreza o que se fez com a escravatura: eliminar”, afiança. Para que isso seja possível, defende que as empresas devem ter um papel ativo na redução do número de pobres em Portugal, nomeadamente através do aumento dos salários e da melhoria das condições de trabalho. E não tem dúvidas: esse é um papel que “depende das empresas e depende do Estado”.

À frente dos destinos do Grupo DST, o gestor tem procurado cumprir a sua quota-parte de responsabilidade com iniciativas de apoio a comunidades desfavorecidas, incentivo ao acesso à formação e integração de refugiados nos quadros dos seus negócios. “Depois há questões sociais, mas vamos comer um boi às postas. Esta é a posta que estamos a comer no curto prazo, aumentar os salários aos trabalhadores”, reforça. Este é, acredita, um passo importante para cuidar da sustentabilidade social e ambiental.

6. Trocar o carro pela micromobilidade

César Barbosa também olha para a erradicação da pobreza como um objetivo que é preciso cumprir para sustentar a transição para um mundo mais verde e socialmente justo. Porém, este arquiteto convertido em fundador de uma empresa dedicada à micromobilidade olha para o que se passa nas estradas como uma das principais prioridades no combate à poluição. “Não há conceção possível de liberdade quando estamos presos dentro de carros horas e horas”, diz o CEO da The Tuga, organização que está a criar uma solução de mobilidade pensada para tirar o trânsito das cidades e acabar com as emissões de CO2.

Substituir os automóveis pelas bicicletas, trotinetes e microcarros tem de ser o caminho a seguir, defende. Mas para isso será preciso criar condições que incentivem a adoção destes meios de transporte para quem “trabalha na cidade e dorme nas chamadas cidades-dormitório”. “É o desafio que a Tuga tem pela frente e pelo qual temos estado a lutar há dois anos e meio”, assegura. Para César Barbosa, os objetivos ambientais definidos para 2030 podem parecer “quase inalcançáveis”, mas não tem dúvidas de que se “pode fazer um esforço” para lá chegar.

Líderes da Transição

O Expresso, com apoio da EDP, selecionou 20 personalidades portuguesas com percurso assinalável na jornada da sustentabilidade. Ao longo de 10 semanas, o semanário publica as ideias destes académicos, empresários e ativistas com vontade de mudar o mundo. Acompanhe o projeto Líderes da Transição até dezembro.

Textos originalmente publicados no Expresso de 27 de outubro de 2023

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