A população portuguesa está cada vez mais envelhecida, com todas as consequências que esta realidade implica para a economia nacional – entre 2013 e 2023, Portugal foi o país da União Europeia (UE) onde a idade média mais aumentou. Se existem menos cidadãos no ativo e mais pessoas reformadas, o equilíbrio das contas da Segurança Social fica em risco. Segundo as conclusões do Barómetro da Imigração, divulgado na semana passada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), 52,2% dos inquiridos consideram que os imigrantes recebem mais apoios sociais do que aquilo que contribuem para o sistema.
Numa altura em que as perceções são, frequentemente, equiparadas a factos, urge esclarecer: os imigrantes em Portugal contribuem mais para a Segurança Social do que aquilo que recebem em apoios. Vejamos os números. De acordo com dados oficiais, em 2023 os trabalhadores estrangeiros contribuíram com €2.677 milhões e beneficiaram de prestações sociais no valor de €483 milhões. Feitas as contas, o saldo positivo chega perto dos €2.200 milhões.
“É óbvio que há ganhos económicos para o país e para as pessoas que cá estão quando os imigrantes nos escolhem enquanto país de destino”, afirma Cátia Batista, fundadora e diretora científica do NOVAFRICA. A também professora catedrática da NOVA SBE não tem dúvidas de que, sem imigração, existiria “um impacto muito forte e desastroso para a nossa economia”. “Seria uma contração forte da nossa economia”, sublinha.
Porquê? Desde logo pela elevada dependência que determinados sectores de atividade, como o turismo ou a agricultura, têm de mão de obra estrangeira. O presidente da CAP – Confederação de Agricultores de Portugal, Álvaro Mendonça e Moura, disse há dias, em declarações à Lusa, que o país tem “falta crónica de mão de obra” que “só é compensada pelos estrangeiros” e pediu maior celeridade à AIMA no tratamento dos processos de regularização pendentes. Já na ‘galinha dos ovos de ouro’ da economia nacional, o turismo, os números divulgados pelo estudo “Imigrantes na Profissão em Turismo e Hospitalidade no Algarve” mostram que 90% dos trabalhadores deste sector na região do Algarve são estrangeiros.
é a percentagem de inquiridos que considera que os imigrantes contribuem mais para a Segurança Social do que aquilo que recebem em apoios sociais. Pelo contrário, a maioria (52,2%) acredita no inverso
“Sabemos que a nossa população teria diminuído desde os últimos Censos se não fosse o influxo de imigrantes que tivemos”, justifica Cátia Batista. De facto, os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) apontam um crescimento da população residente, em 2023, de 1,16% devido a uma “combinação de uma variação positiva na componente migratória (1,47%) e de uma diminuição na componente natural (-0,31%)”.
Posições contraditórias
Apesar da perceção da maioria dos inquiridos no Barómetro da Imigração sobre as contribuições para a Segurança Social, o mesmo estudo mostra que 68% dos portugueses acredita que os imigrantes são fundamentais para a economia nacional. “O desafio é pensarmos a imigração não como algo utilitário, mas como algo que faz parte da sociedade atual e que fará parte da sociedade futura”, aponta o especialista em migrações Pedro Góis. Para o investigador do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, as perceções erradas que parte dos portugueses evidencia no barómetro devem-se à “muita desinformação em torno do que é a imigração”, em grande medida responsabilidade de “alguns grupos políticos que mimetizam o que acontece noutros países da Europa”.
No levantamento feito por Pedro Góis (CES), João António (CIEP/UPorto) e Rui Costa Lopes (ICS/ULisboa) para a FFMS, a responsabilidade política é claramente atribuída ao Chega. “Os resultados indicam uma clara relação, que se traduz no facto de um posicionamento mais à direita estar associado a uma maior oposição à imigração (ainda que só relativamente a imigrantes de países africanos e do subcontinente indiano) a uma menor concordância com direitos dos imigrantes”, lê-se no estudo.
“Não consigo perceber um discurso que diz que são perceções de insegurança, mas, mesmo assim, vamos fazer isto. Parece simplesmente que estão a tentar agradar a dois grupos das franjas”, aponta Rui Costa Lopes
Os autores dizem ainda que “os resultados indicam uma associação consistente entre o comportamento de voto e atitudes face à imigração, que se traduz fundamentalmente em atitudes mais desfavoráveis à imigração entre os inquiridos que disseram ter votado no partido Chega nas legislativas de 2024”. De forma geral, os participantes que admitiram votar à direita são mais favoráveis a um maior controlo da imigração e mais relutantes na atribuição de direitos à chegada ao país.
Perceções que encostam migrantes à parede
Nos últimos meses, o Governo liderado por Luís Montenegro assumiu um discurso público e político sobre a imigração que é difícil de compreender para os investigadores ouvidos pelo Expresso. Por um lado, o executivo diz que há um aumento da perceção de insegurança na população e, por outro, reforça que Portugal é um dos países mais seguros do mundo. Mas o que causa estranheza a quem dedica a vida ao estudo destes fenómenos são as operações de segurança mediatizadas que o Governo tem promovido, em particular em locais como o Martim Moniz.
“Sobre a mediatização do processo e a escolha dos locais, não tenho tanta certeza [de que faça sentido]. Sei que corresponde a um interesse político, no sentido de acalmar algumas franjas da população que estão preocupadas com esse fenómeno”, refere Pedro Góis, que diz, porém, que “a maioria da população não está preocupada porque, decisivamente, não pensa que os imigrantes sejam mais criminosos do que os portugueses”.
Os dados oficiais não permitem fazer essa extrapolação e dão, inclusive, sinais contraditórios. Na população prisional, a percentagem de condenados estrangeiros é de 12,9%, quando em 2012 era de 18,56% - números longe dos 20% que André Ventura afirmou recentemente.
Para Rui Costa Lopes, investigador principal do ICS/ULisboa, “há poucas dúvidas de que os imigrantes sejam prejudicados com esta abordagem”. “Não consigo perceber um discurso que diz que são perceções de insegurança, mas, mesmo assim, vamos fazer isto. Parece simplesmente que estão a tentar agradar a dois grupos das franjas”, continua.
dos inquiridos dizem que a presença de imigrantes contribui para manter os salários baixos no país
De acordo com o Barómetro da Imigração, 67,4% dos inquiridos acreditam que quem chega de fora contribui para o aumento da criminalidade em Portugal, enquanto 51,1% defendem que o modo de ser dos imigrantes empobrece os valores e tradições do país. “Vê-se como muitos inquiridos estão convencidos de que há um número muito mais elevado de imigrantes e vemos como esta falsa perceção está na base de parte das atitudes negativas para com a imigração”, insiste o especialista. Recorde-se que, nesta auscultação da população, uma parte significativa das pessoas pensa que os imigrantes representam mais de 20% da população nacional – mais uma vez, uma perceção desmentida pelos dados oficiais, que apontam para cerca de 10%.
Sobre o que Portugal deve fazer para integrar quem chega de fora, os especialistas são unânimes: é preciso apostar em políticas de integração. “O caminho da integração só pode ter algum sucesso se não se continuar a tratar o tema da imigração com sensacionalismo e com o empolamento de números. O que vemos da imigração nas notícias não são estes episódios de educação intercultural [como acontece em várias escolas pelo país] e histórias de sucesso. Há um discurso tendencialmente negativo e isso não é uma boa solução para a integração”, explica Rui Costa Lopes.
O Expresso sabe que, em 2025, será divulgado um novo barómetro que incidirá sobre o que pensam os imigrantes dos portugueses, da forma como são recebidos e sobre o que consideram que os naturais deste país acham sobre quem chega.
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