Barómetros

Europa. A planta que todos gostam, mas poucos regam

Desde a adesão ao projeto europeu e até outubro de 2023, Portugal recebeu mais de €160 mil milhões em fundos comunitários
Desde a adesão ao projeto europeu e até outubro de 2023, Portugal recebeu mais de €160 mil milhões em fundos comunitários
Horacio Villalobos/Corbis/Getty Images

Estudo. Portugueses confiam mais nas instituições europeias e sentem que o seu voto conta para o destino da UE. Porém, são cada vez menos os eleitores que participam na escolha dos eurodeputados: em 2019, apenas 30,7% foram às urnas

A União Europeia (UE) é uma espécie de “superpoder que resolve todos os problemas”, um irmão mais velho que está sempre lá para amparar nas piores alturas. Esta é uma das principais conclusões de Henrique Burnay, especialista em assuntos europeus, ao ler os resultados do Barómetro da Política Europeia. O estudo apresentado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) ontem, quinta-feira, a propósito do Dia da Europa, deixa claro que a larga maioria dos portugueses está satisfeita com a pertença ao projeto comunitário. Aliás, se hoje fosse feito um referendo sobre a adesão de Portugal à UE, 84,5% da população responderia de forma positiva.

E há bons motivos para este elevado nível de satisfação, que é, aliás, superior à média europeia (ver caixa). “Os resultados deste barómetro deixam claro a valorização e a pertença que os portugueses têm ao projeto europeu e acho que isso é muito importante”, reconhece Sofia Moreira de Sousa. A representante da União Europeia em Portugal justifica com os impactos positivos das políticas comunitárias sentidos em território nacional, “desde aquilo que comemos aos eletrodomésticos que usamos”. Por outro lado, complementa Henrique Burnay, “os portugueses associam a UE à prosperidade e à entrada de fundos que permitem desenvolver o país”.

Os números do Banco de Portugal mostram que desde a adesão, em 1986, Portugal recebeu mais de €160 mil milhões da Europa, o equivalente a cerca de €4 mil milhões por ano. Num relatório recente, a Comissão Europeia considerou mesmo que este foi o segundo país entre os 27 Estados-membros que mais beneficiou das políticas de coesão, apenas atrás da Hungria.

Apesar da fraca participação nas eleições europeias, quatro em cada cinco inquiridos diz que votar na composição do Parlamento Europeu permite ter uma palavra a dizer sobre o futuro da Europa. No entanto, quando se compara os resultados deste barómetro da FFMS com os dados das sondagens do ICS/ISCTE em 2021 sobre a importância do voto nas eleições em geral, os resultados são diferentes — em vez dos 84,8% nas europeias, apenas 49% consideram que o seu voto tem impacto nos destinos do país ou das autarquias. Ana Maria Belchior, investigadora e coordenadora do barómetro da FFMS, explica que “há maior exigência” em relação aos governos nacionais do que às instituições europeias, o que justifica os níveis de confiança mais elevados dos portugueses no Parlamento Europeu, Banco Central Europeu ou Comissão Europeia (ver gráfico). “As últimas décadas mostram uma confiança inequívoca na Europa, que apenas foi afetada durante a crise económica, e em menor medida após o Tratado de Maastricht”, enquadra.

CONFIANÇA NAS INSTITUIÇÕES EUROPEIAS E NACIONAIS

Em %, 2024


Sobre a aparente contradição entre a valorização da UE e uma crescente taxa de abstenção (em 2019, a mais alta de sempre com 69,3%), Sofia Moreira de Sousa acredita que se deve ao “sentimento de pertença” ao projeto europeu ser visto como “um dado adquirido”. “Tem um lado menos bom, que é, muitas vezes, esquecermos que temos de continuar a trabalhar na construção europeia. Isto faz-se todos os dias e por todos”, insiste.

Onda populista na Europa

As eleições europeias estão marcadas para 9 de junho em Portugal, apenas três meses após as legislativas que deixaram a Assembleia da República partida em três blocos. Quer pelos resultados quer pelo ambiente político crispado, os especialistas antecipam uma contaminação da campanha europeia e isso traz riscos. Desde logo, a ausência de temas europeus da discussão pública, mas também uma espécie de “segunda volta” das legislativas, como aponta Henrique Burnay. O crescimento de movimentos populistas por toda a Europa é uma ameaça que paira sobre a nova composição do Parlamento Europeu. “Não só esse risco está presente, como há alguma indicação de que tal é uma forte possibilidade”, afirma a investigadora Ana Maria Belchior, que lembra o “aumento substancial da representação da extrema-direita” antecipada pela sondagem da IPSOS em março.

“As consequências mais óbvias são o aumento da restritividade das políticas migratórias, assim como das políticas de combate à crise climática”, perspetiva a coordenadora do barómetro. As conclusões do estudo corroboram esta previsão, já que 62,8% dos inquiridos dizem-se insatisfeitos com a resposta que a UE tem dado à imigração extracomunitária, e mais de metade (54,6%) com a atua­ção sobre alterações climáticas.

“Aquilo que nós temos vindo a assistir na Europa tem sido ao crescimento de alguns movimentos populistas e sabemos que o populismo mina as democracias, porque obviamente soluções fáceis não resolvem esses problemas”, diz Sofia Moreira de Sousa. A representante da UE em território nacional acredita que “a única forma de combater o populismo é com mais e melhor democracia” e isso implica, desde logo, maior participação eleitoral.

Em Portugal, os cidadãos recenseados em território nacional vão poder votar de forma antecipada e será ainda possível, no dia das eleições europeias, participar no ato eleitoral em qualquer local do país. A ideia é simplificar o processo para aumentar os níveis de adesão. Marcelo Rebelo de Sousa já confirmou que irá votar antecipadamente e aconselha “muito” que os portugueses o façam também.

Outras conclusões do barómetro

PERSPETIVA POSITIVA

Euro Mais de 70% dos portugueses concordam que o país beneficiou com a adoção da moeda única. Valor tem vindo a crescer desde 2009.

ACIMA DA MÉDIA

Portugueses Historicamente, a sociedade nacional (65,4%) tem uma imagem mais positiva da União Europeia do que a Europa (45%) no seu todo.

DÚVIDAS EM PERÍODO DE CRISE

Troika Durante o período de intervenção financeira, apenas dois em cada 10 portugueses viam o projeto europeu com bons olhos.

TEMAS PRIORITÁRIOS

Ação As migrações, os conflitosna Ucrânia e no Médio Oriente ou as alterações climáticas são questões de insatisfação nos quais os portugueses querem mais intervenção da UE.

QUEM SÃO OS REPRESENTANTES?

Desconhecimento Quase metade dos inquiridos (47,5%) só consegue identificar um eurodeputado português.

DEFENDER O PAÍS

Parlamento Pouco mais de 50% afirmam que os eurodeputados eleitos representam bem ou muito bem os interesses nacionais.

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