Laços: já diz a música interpretada por Rui Veloso que “muito mais é o que nos une/que aquilo que nos separa”, e isso é particularmente verdade nos pequenos fios condutores que identificamos nas reportagens para dar a conhecer projetos comunitários que funcionam como pilares vitais de integração e transmissão de valores e cultura. Desta feita andámos pelo Norte do país e visitámos uma escola de rugby focada na integração social, uma associação de apoio a migrantes e refugiados ou um projeto musical que recupera as sonoridades tradicionais das gaitas com um cariz moderno. É a última paragem desta viagem pelo país para conhecer pessoas que lutam pela felicidade dos bairros, como se vê nas ideias partilhadas no projeto Bairro Feliz, do Pingo Doce, do qual o Expresso é media partner
As luzes já estão ligadas no Complexo Desportivo de Campanhã para o início do treino. No terreno, rapazes e raparigas colocam-se em grupo e ouvem as indicações para de seguida começarem a correr enquanto fazem passes com uma bola em formato oval. O jogo é o rugby e o coordenador “há 10 anos” da Escola de Rugby Cercar-te, Nuno Ferreira, admite que pode parecer estranho à primeira vista a prática entusiástica deste desporto num terreno às portas do Estádio do Dragão. “Primeiro estranha-se, depois entranha-se”, atira.
O projeto foi criado ao abrigo do Espaço T — Associação para o Apoio à Integração Social e Comunitária, que foi fundada em 1994, pelas mãos de Jorge Oliveira, com o objetivo inicial de “fazer teatro com toxicodependentes”. Desde então a associação tem-se expandido e foi assim que chegou ao Bairro do Cerco, onde atualmente são cerca de 60 as crianças dos seis aos 15 anos que se encontram a praticar aquele desporto. “Inicialmente, quando viemos para cá, o rugby não estava nos planos”, conta Nuno Ferreira, mas um desafio do Programa Escolhas levou-os a encarar essa possibilidade. O agora treinador admite que a formação superior na área das Artes não lhe dava “competências para lidar com este grupo de miúdos” na questão desportiva. Como eles, teve que se lançar à aprendizagem, fez os “graus 1 e 2” do curso de treinador e agora é o “maior entusiasta”. Numa zona em que a presença do futebol se faz sentir de forma muito forte, “falar de rugby é uma coisa estranhíssima”, garante, com os pais também inicialmente a olharem com alguma desconfiança para este desporto. “Por desconhecimento”, acrescenta Nuno, porque na prática encontra-se um “microcosmos da sociedade” em que se ensinam os jogadores a “aceitar decisões” e a passar por “processos de vinculação” que fortalecem a união. “Um ou dois treinos e apaixonam-se logo. Alguns destes miúdos passam mais tempo comigo do que com os pais”, e reforça: “Isto mudou realmente a nossa vida.”
A integração comunitária está também na base da criação, a 10 de outubro (Dia Mundial da Saúde Mental) de 2006, da Associação Encontrar+se, com Filipa Palha na condição de fundadora e presidente. Se o “tema da saúde mental está agora nas parangonas diárias, há 17 anos nem se ouvia falar”, sustenta. O objetivo “não é reinventar a roda, é tão-só disponibilizar às pessoas os melhores cuidados de saúde”. Por isso gerem “uma “unidade sócio-ocupacional” e um “centro de atendimento integrado” que presta “apoio psicológico” a “dezenas e dezenas”. Para Filipa, “o que mais assusta é as pessoas não conseguirem desenvolver o seu potencial”.
Do Paquistão para Portugal via Ucrânia
Alexandre Ferreira e Talha Ehsan (Guimarães, Distrito de Braga)
Foi longo e árduo o caminho que o paquistanês Talha Ehsan percorreu até chegar à ‘cidade berço’ e ser um dos fundadores da Guimarães [IN]volve, associação que pretende contribuir para a melhoria das condições de vida e integração dos migrantes e refugiados. A associação “começou com o princípio básico de aprendizagem de língua”, explica Talha, numa manhã fria e chuvosa. Sentiu essa dificuldade quando chegou a Portugal após algumas etapas como refugiado da guerra na Ucrânia, onde se encontrava a estudar. “Sair foi muito difícil, foi assustador”, não esconde, mas em Guimarães “nunca se sentiu sozinho” e agora quer retribuir.
“Quando as pessoas chegam ficam fechadas em bolhas”, acredita outro dos fundadores, Alexandre Ferreira. Por isso ajudam, fazem muitas vezes a ligação entre quem mais precisa e organizações especializadas. “Em três meses” passaram “de 10 membros para mais de 150”, oriundos de quatro continentes e que representam acima de 20 nacionalidades e o objetivo é “crescer dia a dia”. Até porque Talha quer ficar na cidade e continuar a degustar “bacalhau, vinho verde e vinho tinto”, como diz, entre risos.
A AVE — Associação Vimaranense para a Ecologia surgiu em 2001 e tem sido uma referência na cidade e na região para a consciencialização e críticas às políticas ambientais seguidas. “A Câmara chama-nos muitas vezes, mas mais para servir como bandeira”, aponta um dos responsáveis, José Cunha, conhecido como o “enfermeiro de bicicleta”: “Ouvem, mas depois fazem ouvidos moucos”. A associação organiza um mercado de agricultura biológica, colabora com ecoescolas, organiza uma mostra anual de cinema documental sobre ambiente assim como caminhadas regulares na natureza. O trabalho prossegue.
O papel das gaitas no renascer de uma tradição popular
Ricardo Almeida (Vila Real)
“Era um instrumento desprestigiado”, menciona Ricardo Almeida, em referência à tradicional gaita de foles de Trás-os-Montes. A Trouxa Mouxa — Gaiteiros de Vila Real tem quatro elementos e teve como origem uma trupe de teatro, e aposta “na recuperação das melodias tradicionais” que utiliza igualmente instrumentos atuais”, como é o caso do “baixo elétrico”. “Já demos concertos em todo o mundo”, indica o também dramaturgo, ator, escritor, radialista e “interessado” em doçaria regional. Daí que a conversa decorra numa das pastelarias mais tradicionais da cidade, onde Ricardo Almeida lembra que “é importante praticarmos a nossa cultura. Senão esquece-se”.
Após ter sido presidente “durante 18/19 anos”, Carlos Varela voltou recentemente ao cargo na Associação de Paralisia Cerebral de Vila Real. “Todo o trabalho aqui é pesado”, reconhece, só que quem o acompanha pelos corredores, ou a afagar o cão “Simba”, que veio a pedido dos utentes, percebe que “a ligação afetiva aos contos” compensa. “Cada um aqui traz um bocadinho seu”, reflete, inclusive Carlos, que nos espetáculos da associação “também dança com eles”. As atividades vão desde a capacitação para a vida diária, o desporto e o acompanhamento psicológico, sempre a partir dum “sentimento de missão”. Sem esquecer que “mudam os nomes mas as crianças são as mesmas”.
O que é o Bairro Feliz
O projeto
O Bairro Feliz tem como objetivo melhorar a qualidade de vida nos bairros. Para isso é lançado um desafio onde entidades locais públicas ou privadas (associações, IPSS, fundações, cooperativas) ou grupos de vizinhos até cinco pessoas inscrevem projetos “que promovam um impacto positivo” nos seus bairros.
As ideias
Enquadram-se em seis áreas: ambiente; apoio animal; apoio social e cidadania; cultura, património, turismo e lazer; educação, e saúde, bem-estar e desporto. Estas são analisadas por um painel de jurados, que faz uma primeira seleção, e depois levadas a votação popular nas lojas.
O prémio
Cada vencedor ganha até mil euros para desenvolver o seu projeto.
Os prazos
As candidaturas terminaram a 4 de julho e são avaliadas pelo júri até 9 de outubro. As votações nas lojas vão de 10 de outubro a 25 de novembro, dia em que serão também anunciados os vencedores.
No primeiro ano procurámos ideias para tornar os bairros mais felizes. No segundo, os bairros mais felizes. Agora procuramos as pessoas mais felizes com os seus bairros. Pelo terceiro ano consecutivo, o Expresso é media partner do projeto Bairro Feliz — um desafio lançado pelo Pingo Doce a todos os bairros, a todos os vizinhos, para descobrirem e apostarem em novas ideias.
Textos originalmente partilhados no Expresso de 10 de novembro de 2023