Ambição para Portugal

Geração 60. “Deixámos aos mais novos a crise ecológica”

Isabel Jonet, Nathalie Ballan, Eugénia Galvão Teles, João Garcia e Isabel Capeloa Gil (da esq. para a dir.) discorreram sobre memórias de infância e as diferentes realidades que encararam ao longo das últimas décadas para refletirem sobre o (muito) que mudou em Portugal e o que a sua geração ainda quer mudar, porque virar a cara à luta não é opção
Isabel Jonet, Nathalie Ballan, Eugénia Galvão Teles, João Garcia e Isabel Capeloa Gil (da esq. para a dir.) discorreram sobre memórias de infância e as diferentes realidades que encararam ao longo das últimas décadas para refletirem sobre o (muito) que mudou em Portugal e o que a sua geração ainda quer mudar, porque virar a cara à luta não é opção

Legado. Viveram em plena euforia europeia, assistiram à queda do Muro do Berlim e lembram-se das novelas da Globo. A realidade agora é outra, e não escondem a preocupação e a expectativa com o país muito diferente que ajudaram a construir

Geração 60. “Deixámos aos mais novos a crise ecológica”

Tiago Oliveira

Jornalista

Geração 60. “Deixámos aos mais novos a crise ecológica”

Matilde Fieschi

Fotojornalista

Quando Isabel Capeloa Gil recorda a vinda de Macau, com 6 anos, há uma diferença que lhe salta à cabeça: “O Sandokan.” Em Portugal “viam-se filmes de Bollywood”. “Nós víamos filmes de Hollywood!”, exclama a reitora da Universidade Católica Portuguesa. Pequenos exemplos do choque cultural que enfrentou num país “muito mais conservador”, “mais abafado” e em que viveu “primeiros tempos dramáticos”. Chamavam-lhe “a chinesa”.

Eugénia Galvão Teles viveu até aos 16 anos em Paris e só começou “a olhar para Portugal como o sítio onde vivia, e não o sítio onde passava férias, em 1983”. Lembra-se de Lisboa como uma cidade “que ainda era muito, mesmo muito provinciana” e de a liberdade concedida aos rapazes e às raparigas ser “completamente diferente dentro da mesma família”. Enquanto “eles podiam fazer o que queriam, elas tinham de estar em casa à meia-noite. Quando podiam sair sozinhas...” O “único fenómeno cultural interclassista português” de que a jurista se recorda “eram as novelas da Globo”.

Sem democracia, sem moeda comum, sem internet

Isabel Jonet diz que as “gerações mais novas esqueceram-se do que foi aquele turbilhão do 25 de Abril e do ano logo a seguir”. Altura em que “tinha 14 anos” e “não imaginava nada do futuro do país”. Só do seu “futuro e do das amigas”, reflete com humor. Para a presidente do Banco Alimentar Contra a Fome, o que molda a sua geração é “ter vivido sem democracia, sem liberdade, sem moeda comum, sem internet e com mais exigência no ensino primário”.

“Vivi intensamente o fim da Guerra Fria, o despertar das questões ambientais e a construção da União Europeia, sempre com a convicção de que podia, mesmo que modestamente, ter um papel nessa construção. Portugal ofereceu-me todas as oportunidades de que precisava”, aponta Nathalie Ballan, fundadora da Sair da Casca, que veio de França em 1990. “Tivemos, com certeza, mais oportunidades e sorte do que as gerações anteriores. Deixámos às gerações mais novas a crise ecológica, mas também uma abertura ímpar ao mundo, a ambição da felicidade individual e as lições aprendidas, nomeadamente sobre a fragilidade da democracia”. Com uma certeza: “Os jovens de hoje são, em geral, muito mais educados do que a nossa geração, não há razão para sermos condescendentes.”

Todos iguais

Confidencia João Garcia que na sua “geração e nos anos 80, 90, existia algum complexo de inferioridade, de acharmos que ‘lá fora’ é melhor, que os outros têm mais chances. Mas não, somos todos iguais”. A questão, na opinião do alpinista, é que, “como sociedade organizada, somos mal liderados, mal organizados e existe promiscuidade em alguns sectores”, que colocam “interesses particulares à frente dos interesses do país”. Pelo que, se não “mudarem estas mentalidades do mal, as novas gerações vão continuar a achar que lá fora é melhor”.

Apesar de ser consensual que o Portugal de hoje deu um salto gigante, continuam a haver questões por resolver. “Vivemos com problemas de países ricos”, afiança Eugénia Galvão Teles, ao passo que Isabel Jonet acredita que “somos coxos em algumas coisas, mas vamos sempre ser. E os outros países também”. Claro que com as pressões atuais, da habitação ao custo de vida, “temos pessoas que se sentem muito mais pobres”. Há uma perceção de falta de oportunidades por parte dos mais novos que muitas vezes se confunde com uma perspetiva “de que quem vai para fora está a trair o país”, defende Isabel Capeloa Gil. No sentido contrário, há cada vez mais alunos estrangeiros em Portugal: “Odeio a ideia de exportação de filhos, nós é que temos de importar os filhos dos outros.” Uma “oportunidade de ouro que não podemos perder, temos de aproveitar. Temos de fazer mais”.

“Como é que os meus filhos vão reconstruir o sentido do coletivo é das coisas que me apetece ver daqui a 25 anos”

Eugénia Galvão Teles
Jurista

A educação era um dos campos mais deficitários, que ainda obriga a correr atrás do prejuízo. Isabel Capeloa Gil lembra que um “estudante pode ser excecional a matemática” mas se não tiver tiver acesso a um bom sistema de ensino “não se consegue desenvolver da mesma forma”. Segundo Nathalie Ballan, “em Portugal, o elevador social está degradado” e “o Orçamento de Estado atribui à educação uma percentagem inferior à da maioria dos países europeus, o mesmo acontecendo com a inovação”.

Outro erro, aponta Eugénia Galvão Teles, é “olharmos para a escola da mesma forma em Lisboa” do que noutras zonas do país. “Temos um grande atraso no pré-escolar” e devemos “olhar para as zonas mais desfavorecidas e investir brutalmente em creches, porque têm um grande impacto”. Caso contrário, “estamos a deixar a escola pública para os mais desfavorecidos dos mais desfavorecidos, estamos a abandoná-los”. Para avançar, exorta Isabel Jonet, não podemos desistir “de apontar construtivamente o que pode mudar e participar nas soluções. Sem arrependimentos ou rancores”.

cinco sessões, cinco gerações Partilhar ambições e ideias para o país em conversas informais é a base do projeto “Ambição para Portugal”, em que o Expresso é media partner da consultora KPMG. É isto que farão as gerações de 60, 70, 80, 90 e 00 em cinco sessões entre maio e julho. Este projeto é apoiado por patrocinadores, sendo todo o conteúdo criado, editado e produzido pelo Expresso (ver código de conduta online), sem interferência externa.

O QUE MUDA COM ESTA GERAÇÃO

Da corrida ao espaço à liberdade sexual

Pioneiros A 12 de abril de 1961, o soviético Yuri Gagarin tornou-se o primeiro ser humano no espaço e acelerou uma corrida que culminou a 21 de julho de 1969 com a viagem inaugural à Lua. Já em 1960 foi lançada nos EUA a Enovid-10, a primeira pílula anticoncecional, que chegaria a Portugal alguns anos mais tarde.

1968

foi o ano em que Salazar ‘caiu da cadeira’, a 3 de agosto, no Forte de Santo António da Barra, no Estoril. É possível que tenha caído quando se tentava sentar ou que a cadeira se tenha partido. O certo é que o ditador sofreu uma lesão cerebral e acabaria por morrer em 1970

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: toliveira@impresa.pt

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