Julieta, João, Marta (ao centro), Carlota e Joaquim são rostos de uma geração que questiona tudo
Futuro. Querem um país próspero, criativo, que valorize as suas competências e lhes dê oportunidades e liberdade económica. Um Estado capaz de fazer face a mudanças sociais, ambientais e financeiras, e que não os obrigue a ir embora
Recém-chegada ao mercado de trabalho, ou ainda na universidade, a geração 00 identifica-se como a primeira que descarta a ambição como sinónimo de arrogância, e a abraça como um “superpoder”. Os jovens que a representam torcem o nariz a ídolos mas valorizam quem trabalha para o bem comum, e rejeitam obedecer sem questionar. Confessam que falta algum sentido cívico, e é com desânimo que reconhecem os baixos salários e a falta de oportunidades no país. Têm as portas do mundo escancaradas. Querem ir, mas gostavam de poder voltar.
Na primeira de cinco rondas de conversas com gerações entre os anos 60 e 2000, o Expresso associou-se à KPMG como media partner, e juntou cinco representantes da geração 00 para perceber o que pensam do país e qual a sua ambição para Portugal.
Das primeiras memórias que os fizeram sentir-se portugueses há recordações de comemorações do 25 de Abril em família; da primeira vez que ouviram o hino nacional ou um fado, mas também de eventos como o pedido de resgate português. “A primeira vez que percebi que fazemos parte de algo foi quando o nosso primeiro-ministro foi à televisão e disse que não tinha dinheiro. Devia ter uns 10 anos”, lembra João Maria Botelho, advogado estagiário, hoje com 23 anos.
Para Carlota Franco, junior tech & strategy consultant na KPMG aos 22 anos, o sentimento de identidade e pertença à nação revelou-se quando embarcou para a Lituânia, para estudar. “Às vezes damos tudo como adquirido. Somos muito sortudos por não invadirem a nossa liberdade. Não só por estarmos em Portugal mas também na União Europeia. As nossas decisões são importantes para o que vem mais à frente”, diz.
“Educaram-nos para competir mas preferimos colaborar”
Julieta Rueff, 24 anos, fundadora da FlamAid acredita que a sua geração é mais cética a ídolos. Não põe ninguém num pedestal, mas valoriza aqueles que servem o próximo. “Todos nascemos com ídolos quase de maneira imposta e não questionamos isto. Durante décadas, figuras públicas eram idealizadas, perdoavam-se excessos e erros mas nós não compramos essa narrativa. Admirar não é igual a idealizar. Podes ser incrível na tua área sem seres melhor pessoa por isso”, esclarece.
Sobre a sua geração, Julieta diz ainda: “Não fomos feitos para obedecer.” Nem para aceitar sem perguntar. “Somos a geração que questiona absolutamente tudo: dos horários do escritório ao modelo de saúde tradicional. Educaram-nos para competir mas preferimos colaborar. Dizemos não à estabilidade e questionamos o que nos é estabelecido. Acho que desobedecer é o primeiro passo para ser ambicioso, para a mudança”, reforça.
Mas, para esta geração, as decisões que promovem verdadeiras mudanças tardam em chegar e a ambição acaba, muitas vezes, por ficar pelo caminho. “Somos um povo resiliente, com espírito de sacrifício, e isso é uma coisa boa. O povo português é criativo. Só não consegue materializar a sua criatividade porque é avesso ao risco e privilegia demasiado a estabilidade. Essa é uma das raízes da nossa falta de prosperidade”, diz Joaquim Borges Rodrigues, 20 anos, aluno de economia na Universidade Nova SBE.
Marta Cansado, aluna da Universidade Católica Portuguesa, acrescenta que existe no povo este sentido de trabalho honesto e sofredor, “mas com muito pouca visão”. “Nós nunca achamos que, vindos daqui, conseguimos chegar longe”, lamenta.
“Esta falta de ambição é uma ameaça existencial para Portugal. Num mundo mais digitalizado e com fronteiras mais abertas, Portugal pode perder um volume muito substancial de pessoas ao ponto de não nos reconhecermos. Portugal como o conhecemos hoje pode não existir para sempre”, alerta Joaquim.
A importância do ensino é o fator que reúne mais consenso entre estes representantes da geração 00. Não só pelo contributo que tem para cada um, mas, sobretudo, pelo poder transformador da sociedade. “Subsidiamos a educação porque queremos incentivar o seu acesso. A minha educação tem impacto positivo em mim e na minha capacidade de gerar rendimento mas também impacta os que estão à minha volta. Sou melhor decisor coletivo, estou mais informado, tenho mais espírito crítico e mais civismo”, acredita Joaquim.
“A capacitação e literacia mudam mesmo mentalidades. Se não souber as bases e métricas do jogo, mais à frente não me vou saber posicionar para exigir dos governantes, sociedades, empresas ou professores”, acrescenta João Maria Botelho.
No campo económico, Julieta critica a desconfiança do país para com quem quer criar riqueza. “Para mim criar negócio em Portugal é quase um ato de fé. Os impostos afogam-te desde o primeiro euro. A burocracia é lenta e absurda, e o mais frustrante é que o Estado parte do princípio que vais falhar ou defraudar. Temos imensas liberdades sociais mas falhamos na liberdade económica e de negócios. O Portugal que ambiciono é um Portugal que facilita o caminho. Um país onde quem gera trabalho seja tão incentivado quanto o que quer emprego público. É um Portugal com uma liberdade não só poética mas também prática, onde um jovem pode sonhar alto sem precisar de sair do país.”
O que muda com esta geração
Mais formada de sempre está no top 10 da UE
Ensino A geração 00 distingue-se por ser das que tem mais elevada qualificação académica. Segundo a Pordata, em 2022, 9 em cada 10 jovens, entre os 20 e os 24 anos, tinham, no mínimo, o ensino secundário. Portugal é o 7º país da UE com maior proporção de jovens com ensino superior.
€948,8
foi o valor apontado pela Pordata, em 2021, como salário médio mensal bruto dos jovens, entre os 18 e os 24 anos. São menos €345,3 da média nacional, o que significa um rendimento 27% inferior ao do total da população nacional. Só na Área Metropolitana de Lisboa os jovens ultrapassam os €1000 (€1035,6)
“Juntar falta de literacia com uma mentalidade focada no ‘eu’ é um cocktail de desinteresse. É bastante castrador”
João Maria Botelho
Jurista
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