50 Mulheres

Estrangeiro não pode ser oásis para os “cérebros”

Desafios: apostar na investigação, agir junto dos mais jovens, introduzir tecnologia e reter profissionais no SNS são prioridades identificadas no projeto 50 Mulheres, 50 Ideias para Mudar a Saúde

O propósito fundamental da investigação em Saúde é resolver situações para as quais a medicina ainda não tem resposta. Basta olhar para os factos para compreender que esta afirmação é uma verdade absoluta: se Alexander Fleming, por exemplo, não tivesse descoberto a penicilina, não existiriam antibióticos para combater bactérias. E se a medicina — de forma holística — não tivesse avançado, morreríamos todos mais cedo, com doenças que nos dias de hoje não nos causam qualquer tipo de temor. Mas é preciso não esquecer que para fazer cumprir esta evolução foram precisos anos e anos de investigação. Olhando para dentro e para a atualidade, estará o país a fazer o suficiente para não “perder o comboio” da investigação em Saúde?

As especialistas acreditam que não. Maria da Graça Carvalho, deputada no Parlamento Europeu, lembra que existe uma recomendação internacional que indica que 2% do orçamento da Saúde deve ser aplicado em Ciência e inovação, mas diz que “nós estamos muito longe disso”. Maria Carmo-Fonseca, presidente do Instituto de Medicina Molecular, também assume que “é preciso trazer mais investigação para a Saúde em Portugal”. Apesar de existirem, segundo a própria, muitos jovens vocacionados para fazerem investigação, esse potencial “não está a ser aproveitado”. O que tem acontecido é que alguns “cérebros portugueses” veem no estrangeiro um oásis desejado e inalcançável em Portugal e é aí — fora das nossas fronteiras — que encontram condições mais dignas para desenvolverem o seu trabalho. Desta forma, o país perde em simultâneo dois ativos cruciais: talento e inovação.

Em 2008, foram criados os primeiros centros académicos clínicos do país e, em 2016, foi produzido um diploma que prevê que os médicos que assim o desejem possam dedicar 30% do seu tempo à investigação. O problema é que, segundo explica Ana Povo, diretora do Centro Académico Clínico CHUdSA — ICBAS, esta questão não está a ser implementada porque, devido à sobrecarga sentida pelos médicos, centrados nas atividades assistenciais, sobra pouco tempo para fazer investigação. Os profissionais “têm de escolher entre ser médicos e ser investigadores”, não podendo conciliar facilmente as duas vertentes. Para Ana Povo, a solução para fazer frente a esta lacuna poderia passar pela criação de uma carreira de médico-investigador, isto é, um profissional que trabalhe num hospital, esteja ligado a uma universidade e faça investigação de translação. De recordar que a investigação de translação é aquela que faz a ponte entre a investigação laboratorial e a clínica e é considerada indispensável para a melhoria dos cuidados de saúde no seu todo.

Em suma, a investigação aperfeiçoa a Saúde do país, faz com que este cresça do ponto de vista económico e fixa os profissionais no Serviço Nacional de Saúde (SNS), uma vez que se os médicos conseguirem fazer investigação poderão desenvolver carreiras mais aliciantes. Mas, além desta poderosa “arma”, há outros fatores que podem fixar os profissionais.

Novos profissionais, novas exigências

As novas gerações de médicos e profissionais de Saúde têm hoje outros interesses e aspirações, não olham apenas para o salário, por exemplo, mesmo que a remuneração adequada continue obviamente a pesar. Parece então crucial abraçar medidas que permitam a possibilidade dos profissionais conseguirem conciliar o seu trabalho com a vida pessoal, garantindo mais qualidade de vida. De forma a tornar o SNS mais atrativo, Ana Paula Martins, presidente do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN), gostaria que a gestão dos hospitais fosse “mais humanizada”. A especialista sugere que se crie um “espaço de atração” para os mais jovens profissionais de saúde, que esteja em consonância com as preocupações atuais, como é o caso da sustentabilidade ambiental. “Este era um assunto que antes não nos passava pela cabeça”, confessa Ana Paula Martins, ao mesmo tempo que defende que as organizações devem fazer parte desta mudança de paradigma, passando a ter “projetos de sustentabilidade ambiental participados pelas pessoas e dentro das equipas multidisciplinares” para que todos sintam que estão a cuidar das pessoas e do planeta, uma vez que a preocupação com o ambiente é uma das prioridades do nosso tempo.

Espaço seguro para os adolescentes

Entre a população adolescente, de 2015 a 2019, verificou-se um incremento do consumo, quer de canábis (de 22,6% para 26,9%), quer de outras substâncias ilícitas (de 7% para 7,5%), como as anfetaminas e metanfetaminas. Em relação ao álcool, um estudo de 2019 concluiu que 68,1% dos jovens até aos 18 anos já tinham consumido álcool e que 52,4% tinham admitido já ter tido um consumo excessivo. Se a tudo isto se juntarem outras questões como a dependência a videojogos, o bullying ou as doenças sexualmente transmissíveis, para as quais ainda há uma elevada iliteracia, faz todo o sentido ter programas direcionados para os adolescentes portugueses.

Atenta a todas estas questões, Cristina Bacelar — especialista em Medicina Geral e Familiar e coordenadora da USF Covelo —, em parceria com a APEEAER e outros profissionais, implementaram, no Porto, o projeto pioneiro intitulado GASA (Gabinete de Apoio à Saúde do Adolescente), que disponibiliza aos adolescentes do Colégio Ribadouro um espaço onde podem expor as suas dúvidas, receios, solicitar ajuda e orientações para os diversos problemas que esta fase da vida pode apresentar. Desta maneira, são os cuidados que vão ao encontro dos adolescentes, promovendo a plasticidade do sistema, aproximando o SNS da comunidade e prevenindo a doença. “O que se pretende é uma abordagem livre de julgamentos, com a máxima confidencialidade, onde o adolescente pode falar sobre si mesmo”, explica Cristina Bacelar. O próximo passo é replicar o projeto em outros locais, até mesmo fora de Portugal. “O futuro é hoje e os jovens fazem parte dele”, conclui a especialista.

Tecnologia ao serviço da Saúde

Os avanços tecnológicos têm-nos mostrado um mundo novo. Também na medicina nota-se isso, com o sector em constante mudança: das cirurgias com recurso ao metaverso, às máquinas de diagnóstico mais potentes e às novas formas de comunicar — como as teleconsultas — que se disseminaram e vieram facilitar o dia a dia. No entanto, há uma prioridade identificada que representa o maior ativo da Saúde, além das pessoas: os dados. Não falamos apenas da recolha e tratamento dos mesmos, falamos da sua integração. Para Sandra Cavaca, a nova presidente da Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), o registo de saúde eletrónico único vai revolucionar o sector e já está a ser desenhado. “Isto permitirá que não haja duplicação de registos ou de exames”, explica, pois todos os intervenientes, cidadãos e profissionais, poderão ter acesso a estes dados de forma mais ágil e eficiente. Seguindo a mesma linha de pensamento, Isabel Aldir, médica e consultora para a Saúde da Casa Civil da Presidência da República, concorda que é importante que esta mudança (que passa pela digitalização) ocorra no SNS, mas defende que é imperativo “integrar o sector social e privado nesta transformação”.

50 mulheres, 50 ideias para mudar a saúde

O projeto

É uma iniciativa do Expresso, que tem o apoio da Sanofi, e que surge no âmbito das comemorações dos 50 anos do jornal. Dar voz a mulheres que se destacam nos diferentes campos da Saúde — dentro e fora de Portugal — e encarar as suas ideias e soluções como algo benéfico para o desenvolvimento deste sector no país é o propósito do projeto.

As categorias

A seleção é abrangente e conta com a participação de mulheres agrupadas em cinco categorias distintas: liderança, inovação, investigação, comunicação e profissionais de Saúde.

As ideias

As 50 ideias serão publicadas no site do Expresso, em formato vídeo. Todas as segundas-feiras são conhecidas cinco novas ideias, sendo que até ao momento já foram divulgadas 25.

O debate

Ocorrerá no dia 3 de maio e tem como fim último discutir o presente e o futuro da Saúde em Portugal, tendo em conta as 50 ideias apresentadas.

Saiba mais

Acompanhe tudo AQUI.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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