OS FACTOS
Um relatório do Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR, na sigla em inglês) de janeiro alerta para o que poderá vir a ser uma “viragem acentuada à direita” no parlamento europeu nas eleições de junho. Os peritos, que se basearam em sondagens e modelos estatísticos, apontam que os partidos populistas e eurocéticos lideram as sondagens em um terço dos Estados-membros da União Europeia (UE).
Em outros nove países – Portugal incluído -, estes movimentos políticos ocupam a segunda ou a terceira posição nas intenções de voto das próximas eleições europeias.
A imigração é um dos temas comuns aos movimentos populistas na Europa, em especial desde os grandes fluxos migratórios que o velho continente registou desde 2015, quando mais de um milhão de migrantes irregulares chegou à UE. De lá para cá, segundo dados oficiais da Comissão Europeia, os números de irregulares têm vindo a cair: em 2016 foram menos de 400 mil e entre 2017 e 2022 foram sempre menos de 200 mil por ano.
foi o número de migrantes em situação irregular que chegaram à União Europeia durante o ano de 2023, segundo dados da Frontex. Os números registavam tendência decrescente desde 2015, quando foi ultrapassada a barreira de um milhão de migrantes em situação irregular
Em 2023, foram menos de 280 mil os migrantes em situação irregular que chegaram ao território comunitário. Os números do Frontex, a agência fronteiriça europeia, mostram que só no ano passado foram intercetados 2.043 traficantes humanos e resgatadas cerca de 43 mil pessoas no mar.
COMO CHEGÁMOS AQUI
A académica Estrela Serrano, do Instituto de Comunicação da Universidade Nova de Lisboa, escreve num artigo científico sobre “Populismo em Portugal: o factor media” que os “partidos populistas têm obtido sucesso eleitoral na Europa ultrapassando partidos que dominaram o sistema partidário nas últimas décadas”. Antes de irmos ao que pode explicar esta alteração no sistema político, é importante perceber o que é, afinal, o populismo.
O termo é hoje usado de forma ampla e abrangente, mas parece ser consensual entre os académicos que “uma boa definição de populismo consiste em encará-lo como uma estratégia política através da qual um líder personalista busca ou exerce o poder executivo com base no apoio direto, não mediado e não instituído, de um grande número de seguidores em grande parte não organizados”, resume Estrela Serrano.
Por outro lado, estes líderes são por norma “figuras carismáticas” que “sabem lidar com os media” e, em geral, “adotam atitudes extravagantes e procuram temas controversos que atraem a atenção dos media” e da população. Em Portugal, o crescimento do Chega seguiu este modelo: André Ventura afirmou-se nos media, ainda como candidato à Câmara Municipal de Loures, com ataques dirigidos à comunidade de etnia cigana; mais tarde formou o partido que hoje lidera e definiu a pena perpétua, a castração química de pedófilos, a rejeição do que considera ser “ideologia de género” e o combate à corrupção como principais bandeiras. E, mais recentemente, a imigração tornou-se um novo alvo da campanha política de Ventura. Todas estas bandeiras encaixam na definição de “temas controversos” da academia.
Para Adolfo Mesquita Nunes, que nunca aponta o dedo a nenhum líder partidário ou partido político, a “grande perceção de desigualdade” que existe na sociedade justifica parcialmente o crescimento dos movimentos populistas por essa Europa fora - na Alemanha com a AfD, na Itália com Georgia Meloni ou em França com Marine Le Pen, por exemplo. No entanto, o antigo dirigente do CDS e atualmente afastado da política ativa diz que os números não indicam “que essa desigualdade existe tal e qual como é percebida”, mas a perceção social dessa questão influencia uma tendência de voto em movimentos populistas.
Mesquita Nunes identifica “dois fatores que perturbam a capacidade de resposta” dos partidos tradicionais. Desde logo, “a convicção que os eleitores hoje têm de que os seus problemas são tão globais que os seus governos não têm capacidade de lhes dar resposta”, como sejam as alterações climáticas, a tal desigualdade percebida ou até o agigantamento das grandes empresas que se tornam mais poderosas que os Estados.
“Faz parte da estratégia dos líderes populistas tocarem assuntos sensíveis de interesse popular, por exemplo, a imigração que assegura constante interesse dos media. Pode dizer-se que quase todos os líderes populistas exibem personalidades extravagantes e buscam agendas altamente controversas que atraem o escrutínio dos media”, explica a académica Estrela Serrano
Por outro lado, a globalização tem impacto. “Há uma perceção de que o mundo global é mais desigual, de que o mundo global em que valemos menos e os nossos governos já pouco fazem”, elenca Mesquita Nunes.
Não será por mero acaso que nas últimas eleições legislativas o Chega tenha crescido de uma representação parlamentar de 12 deputados para 50 eleitos. Com as eleições europeias à porta – estão marcadas para junho -, Henrique Burnay acredita que, ao nível nacional, “a primeira coisa que Portugal tem de fazer é perceber o que quer desta Europa tão diferente”. A diferença que o professor do Instituto de Estudos Políticos da Católica refere prende-se com as alterações geopolíticas causadas pelos conflitos internacionais, mas também com a emergência de novos desafios na Europa: a reindustrialização, o aumento do investimento em segurança e defesa ou a imigração.
Se parece ser consensual que, como aponta Mesquita Nunes, “o populismo reside essencialmente nesta ideia de que para problemas complexos há respostas simples e que as respostas simples se enquadram no contexto entre nós e eles”, como se pode combater o fenómeno?
PARA ONDE CAMINHAMOS
Não existe um antídoto universal para o populismo. Porém, Adolfo Mesquita Nunes ressalva que “temos visto populismos decrescer em vários sítios na Europa” e isso deve-se a “razões diferentes” e “estratégias diferentes” seguidas pelos vários sistemas políticos europeus. “Em comum têm uma coisa: tratar as pessoas como adultas e dar-lhes respostas”, sublinha.
As respostas simplistas a problemas complexos podem ter consequências graves na vida da generalidade da população. “Se quisermos proteger a nossa economia fechando as fronteiras, que é uma medida muito intuitiva, aquilo que vamos ter é um imposto sobre os mais pobres porque vamos ter menos produtos e produtos mais caros”, exemplifica o antigo político.
Mesquita Nunes aponta ainda responsabilidades aos media, que acusa de permitirem “uma certa perpetuação em prime time televisivo permanente desta binarização e simplificação dos problemas” que “não ajuda” o combate ao populismo.