CINCO DÉCADAS DE DEMOCRACIA
Em 2023 e 2024, o Expresso e a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) debatem as últimas cinco décadas de democracia em Portugal, olhando para o futuro. Serão discutidos 10 temas — da economia à sociedade, passando pela saúde, política e ambiente. Acompanhe no Expresso e na SIC Notícias.
Presente. Investir nas Forças Armadas é prioridade
Passaram 38 anos desde que Portugal entrou oficialmente no projeto europeu e muito mudou desde 1986. O espírito pós-revolução deu lugar a década e meia de crescimento económico, de desenvolvimento social e de paz, quer em território nacional, quer em território europeu. “Esse mundo e essas expectativas já não podem ser a nossa equação”, assinala Henrique Burnay. O professor do Instituto de Estudos Políticos da Católica refere-se à “prosperidade” que Portugal ansiava com a chegada dos fundos comunitários, mas que hoje, já com o país mais perto da média europeia em vários indicadores, deve dar lugar a um desejo de consolidação e de afirmação no espaço da União Europeia (UE).
Mas há desafios que dificultam esse caminho, embora, pelo meio, existam oportunidades que os peritos consideram que devem ser aproveitadas. Vamos às dificuldades: em contexto de guerra na Europa e de grande instabilidade geopolítica no mundo, o tema da segurança e defesa volta a ter importância entre os 27 Estados-membros. A estratégia de “interdependência, de criação de laços económicos e comerciais” como forma de evitar conflitos, surtiu efeito durante décadas, mas acabou, aponta Ana Santos Pinto, professora da Universidade Nova de Lisboa.
Portugal pode afirmar-se na indústria europeia de defesa através da venda de tecnologia. Reforço da capacidade militar deve ser prioridade
“Portugal está num ponto de fragilidade das suas Forças Armadas que é uma coisa inacreditável. O desinvestimento que foi feito nos últimos 20 anos é inaceitável”, critica Lívia Franco, professora e investigadora no Instituto de Estudos Políticos. De facto, segundo o Grupo de Reflexão Estratégica Independente, o efetivo de militares no país era, no final de 2022, de apenas 21.080 — menos do que os 23.347 do ano anterior. Para os especialistas ouvidos pelo Expresso, Portugal deve reforçar o investimento na sua defesa e, ao mesmo tempo, caminhar no sentido de cumprir com uma contribuição de pelo menos 2% do seu PIB para a NATO. Neste momento o contributo nacional não vai além de 1,48%.
Numa altura em que a UE quer reforçar a indústria de defesa europeia, Burnay acredita que Portugal pode — e deve — tirar dividendos dessa estratégia. Mais do que pensar em vender “uniformes e botas”, o especialista aponta a “tecnologia” produzida em território nacional como foco para a exportação nesta área. Catarina Caria, do Instituto para a Economia e Paz, lembra que Portugal e a Europa sempre estiveram “muito dependentes dos Estados Unidos” na defesa, e essa, diz, “não é uma posição confortável”. Ao nível da UE, a aposta deve ser, defendem, na colaboração entre Estados, e não a criação de um exército europeu.
Futuro. Do fim da ‘mesada’ ao combate à desigualdade
A par da guerra, da inflação e da subida das taxas de juro, Portugal enfrenta desafios particulares no seio da União Europeia. Um dos principais é o previsível alargamento do projeto europeu à Ucrânia e aos países do Báltico, que significará uma diminuição considerável dos fundos comunitários que o país recebe para políticas de coesão. Entre 1986 e 2022 os portugueses receberam pelo menos €157 mil milhões da Europa, apontam dados do Banco de Portugal (BdP). “Quanto mais a Europa caminhar para uma política com estes grandes objetivos mais sectoriais [reindustrialização, transição verde e digital], menos ficará para os fundos de coesão e, dentro desses, com o alargamento, a proporção de Portugal diminuirá”, explica Joana Silva. A professora da Universidade Católica Portuguesa e economista do BdP defende que para reduzir a dependência nacional de fundos comunitários o país deve “ter a economia o mais forte” possível, e isso deve ser feito com aposta “em investimento e exportações”. “Não devemos ter uma economia dependente desses apoios para prosperar”, insiste.
O fim da ‘mesada’ comunitária — ou, pelo menos, uma grande redução do seu valor — implica crescimento económico que não é compatível com as políticas protecionistas que se têm generalizado nos Estados Unidos e na China, mas que os peritos defendem que a Europa deve evitar se quer manter-se economicamente forte.
Entre 1986 e 2022 o país recebeu €157 mil milhões em fundos comunitários, mas alargamento da UE vai reduzir acesso a dinheiro europeu
Além da questão económica e securitária, os europeus enfrentam uma onda de populismo que tem tomado conta de vários Parlamentos nacionais por essa UE fora. Para Adolfo Mesquita Nunes, antigo dirigente do CDS e atualmente afastado da política ativa, há dois fatores que ajudam a explicar o crescimento destes movimentos: a “enorme perceção de desigualdade”, mesmo que factualmente não se comprove, e a convicção dos eleitores de que “os seus problemas são tão globais que os seus Governos não têm capacidade de lhes dar resposta”, como as alterações climáticas ou a inflação. Embora considere que “não há uma resposta certa” para combater o populismo, não tem dúvidas de que é preciso “tratar as pessoas como adultas e dar-lhes respostas” — sinceras, mesmo quando as notícias não são as melhores. E exemplifica: “Se quisermos proteger a nossa economia fechando as fronteiras, aquilo que vamos ter é um imposto sobre os mais pobres, porque vamos ter menos produtos e produtos mais caros.”
Recorde-se que o Parlamento Europeu vai a votos já em junho, numas eleições que são, por norma, pouco participadas em Portugal. Em 2019 apenas 30,7% dos eleitores votaram.