OS FACTOS
A posição geoestratégica de Portugal, que dispõe de um território marítimo muitas vezes superior ao terrestre, tornou o país interessante para a NATO – Organização do Tratado do Atlântico Norte e fez dele um dos fundadores da aliança, em 1949. Aliás, a posição estratégica da Base das Lajes, nos Açores, terá sido um dos motivos que tornou Portugal num parceiro relevante para os Estados Unidos e para a NATO.
O acordo de pagamento dos Estados Unidos ao Estado português, no pós-25 de abril, pela utilização da base aérea foi, até à adesão do país à União Europeia em 1986, um balão de oxigénio para os cofres regionais que, com este financiamento, permitiu investir na região.
Ao longo das últimas décadas, Portugal regista um desinvestimento nas Forças Armadas e uma queda no número de efetivos ao serviço do país. No final de 2021, segundo o Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA), existiam 23.347 militares, um número que voltou a cair no final de 2022. Nessa altura, de acordo com a denúncia do Grupo de Reflexão Estratégia Independente (GREI), o efetivo não ia além dos 21.080.
Significa isto que, segundo a carta enviada pelo GREI ao Presidente da República e aos grupos parlamentares, Portugal tem apenas “68% dos 30 840 autorizados pelo Decreto-Lei 6/2022, de 7 de janeiro, quantitativos esses bastante reduzidos, se se considerar o valor superior do intervalo (30.000 – 32.000) previstos na Reforma Defesa 2020, de 2013, e cujo estudo e racional que os sustentaram são desconhecidos”.
é a percentagem do PIB português que o país investe na NATO, quando o objetivo para todos os membros é que atinjam um mínimo de 2%
De regresso à NATO, organismo para o qual os Estados-membros devem contribuir com pelo menos 2% do seu Produto Interno Bruto (PIB), Portugal está ainda longe de cumprir com as suas obrigações. Em 2023, o país contribuiu com 1,48% do PIB. Alcançar a meta dos 2% era uma previsão do Governo para 2024, mas já foi revista e só deverá ser atingida no final desta década.
No entanto, o Orçamento do Estado para 2024 está inscrita uma verba de €2,8 mil milhões destinada à Defesa, o que representa um aumento de 13,7% em relação ao ano anterior. Entre os investimentos, está prevista a alocação de €533 milhões para meios e equipamentos das Forças Armadas.
COMO CHEGÁMOS AQUI
A possível reeleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos reforça a importância de repensar o papel dos países europeus na NATO e o que querem deste organismo. Mas também o contexto geopolítico - marcado pelos dois anos de guerra na Ucrânia, a ameaça crescente sobre Taiwan ou os quase seis meses de conflito entre Israel e o Hamas – faz com que o tema volte a estar no topo das preocupações da Europa. “Estes sucessivos acontecimentos levam os europeus a reconhecer que a segurança e a defesa, pelo menos na região da Europa e vizinhança, vai ter de ser uma preocupação crescentemente sua”, assinala o especialista em questões europeias Henrique Burnay.
A dependência europeia da capacidade de defesa dos Estados Unidos, cujos interesses geoestratégicos estão cada vez menos concentrados na Europa, reacendeu o debate sobre o investimento em defesa. A Alemanha, por exemplo, já prometeu “cumprir com mais do que os 2% de despesa com defesa” para a NATO, mas criou também “um fundo de €100 mil milhões para renovação das forças armadas alemãs”, destaca ainda o professor do Instituto de Estudos Políticos da Católica.
“Acho que o conflito na Ucrânia foi o ponto de viragem para a forma como olhamos para o futuro da defesa e da segurança na Europa. E se antigamente podíamos dar-nos ao luxo de olhar para a defesa como algo que era desejado, hoje é mesmo necessário”, destaca Catarina Caria
Este é, de facto, um tema quente no menu de debate da União Europeia. Aliás, segundo o Eurobarómetro, 80% dos cidadãos europeus concordam que a cooperação em segurança e defesa entre Estados-membros deve aumentar. Curiosamente, foi entre os portugueses que esta questão mereceu maior concordância (92%), assim como na Lituânia e na Croácia (90%).
Não será por acaso, mas antes pela posição de Portugal no extremo ocidental da Europa e pela dimensão do seu território marítimo.
PARA ONDE CAMINHAMOS
Sobre a possibilidade da reeleição de Trump e o impacto que poderá vir a ter na NATO, Lívia Franco, professora e investigadora no Instituto de Estudos Políticos da Católica, defende que esse “não deve ser o pretexto para os europeus reforçarem” a sua posição na NATO. “Os europeus têm de olhar para a NATO como uma coisa que é tão europeia quanto é norte-americana”, reforça a especialista. Isso significa que os países da Europa devem cumprir com a sua “responsabilidade” ao nível do contributo financeiro porque “a NATO continua a ser fundamental” para a defesa europeia.
De acordo com a organização internacional, são já 11 dos 31 aliados da NATO que cumprem com a contribuição de pelo menos 2% do seu PIB. A Polónia foi mesmo o país que, em 2023, mais investiu (3,9% do PIB), seguida dos Estados Unidos (3,49%) e da Grécia, também acima dos 3%. Portugal ocupa, nesta lista, a 23ª posição.
“Portugal está num ponto de fragilidade das suas forças armadas que é uma coisa inacreditável. O desinvestimento que foi feito nos últimos 20 e tal anos é inaceitável”, considera Lívia Franco. Para a investigadora, para que um país seja soberano “não lhe é suficiente um discurso, tem de ter meios mínimos”. “Neste momento, Portugal está à beira de não ter os meios mínimos. Ainda por cima, é um país transatlântico”, continua.
Já Catarina Caria, especialista em temas internacionais e membro do Instituto para a Economia e Paz, acredita que o “conflito na Ucrânia foi o ponto de viragem para a forma como olhamos para o futuro da defesa e da segurança na Europa”. Se antes a questão da defesa podia ser vista “como algo que era desejado”, hoje “é mesmo necessário porque cada vez mais percebemos que estamos dependentes dos Estados Unidos e essa não é propriamente uma posição confortável”.
Já este ano, o presidente do Comité Militar da NATO, Rob Bauer, alertou que os países da aliança devem estar preparados para uma eventual guerra e lembrou que os civis poderão ser mobilizados para esse cenário. “Acho que não há necessidade para alarmismos, que são sempre perigosos, mas há de facto uma consciencialização para os maiores riscos que a Europa enfrenta”, acrescenta Catarina Caria.
Mais do que falar na criação de um exército europeu, os especialistas preferem falar em reforço da colaboração europeia nos assuntos da defesa. Aliás, já este mês a Comissão Europeia apresentou a sua Estratégia Industrial de Defesa Europeia, que prevê precisamente um aumento da colaboração. Entre os objetivos, a Comissão pretende que pelo menos 40% do equipamento de defesa seja adquirido em conjunto até 2030, mas também garantir que, até ao final da década, o valor do comércio interno no setor da defesa represente, pelo menos, 35% do valor do mercado de defesa da UE.
“Parece-me que, muito embora Portugal esteja longe do objetivo, os cidadãos estão a defender um incremento orçamental. E, portanto, parece-me que este ano será o ano em que vamos ver efetivamente um reforço do gasto da defesa europeia”, conclui.