5 Décadas de Democracia

Estamos a perder terreno para o mar. É possível evitar a erosão?

Estamos a perder terreno para o mar. É possível evitar a erosão?
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O Expresso e a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) juntam-se para debater as últimas cinco décadas de democracia em Portugal. Até março, vamos escrever (no Expresso) e falar (na SIC Notícias) sobre 10 tópicos diferentes da sociedade à economia. Em fevereiro, abordamos os desafios que as mudanças do clima representam para a população em Portugal

OS FACTOS

A erosão está a afetar a linha de costa portuguesa de Norte a Sul: entre 1958 e 2021, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) estima que tenham desparecido 1320 hectares de terra. Este valor equivale à área ocupada por 1320 campos de futebol.

São vários os factores que originam o processo de erosão, mas em território nacional apenas 10% a 15% é atribuível à subida média do nível do mar. Segundo os peritos, a velocidade dessa subida tem aumentado duas a três vezes na última década. Entre este século e o anterior, existe uma diferença de 12 centímetros na linha de costa da Península Ibérica.

Mas há outras razões que justificam esta realidade, nomeadamente a falta de sedimentos no solo, bem como a ação do vento, da água e do sol. Projeções da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa apontam para que, se nada mudar, até ao final do século o Terreiro do Paço, em Lisboa, fique debaixo de água após a subida do nível do mar em 1,5 metros.

45%

é a percentagem de praias de baixo arenoso em Portugal que estão sob erosão. No entanto, a nível global a média é de 24%

Estes dados são preocupantes para um país com cerca de 980 quilómetros de costa e cuja população está muito concentrada na faixa litoral – aliás, os números indicam que 14% dos cidadãos vive a dois quilómetros do mar. No entanto, atesta o especialista Pedro Matos Soares, investigador do Instituto Dom Luiz, 45% das praias de baixo arenoso em Portugal atravessam hoje um processo de erosão.

COMO CHEGÁMOS AQUI

Celso Pinto, coordenador do Núcleo de Monitorização Costeira e Risco da Agência Portuguesa do Ambiente, conhece bem esta realidade. O perito assinala que os impactos das alterações climáticas “serão previsivelmente de erosão costeira e galgamento oceânico”, ou seja, de inundações. Se é verdade, como vimos, que apenas 10% a 15% deste fenómeno pode ser explicado pela subida média do nível do mar, no futuro o cenário será muito diferente.

“Sabemos agora, através do Roteiro Nacional de Adaptação 2100, que a partir de metade do século a subida média do nível do mar será um dos principais motores da erosão costeira”, avisa. É preciso, por isso, encontrar outras explicações. Entre elas, uma espécie de falta de nutrição dos solos – o “défice sedimentar” – que ajuda ao recuo do território face ao mar.

A investigadora Maria José Roxo, da Universidade Nova de Lisboa, concorda ser importante olhar para a questão da qualidade dos solos como uma prioridade na mitigação dos efeitos das alterações climáticas, não fosse esta uma das suas principais áreas de estudo. Para a especialista, “não é que não haja esses sedimentos [disponíveis], eles estão é acumulados nas barragens”.

Em causa está muito do “material que as grandes chuvadas colocam nos rios e nas barragens”, que ajudam a bloquear a circulação natural dos sedimentos no percurso da água. E também os incêndios têm influência negativa na erosão dos solos. Só nas últimas duas décadas, as maiores áreas ardidas registaram-se em 2003, 2005 e 2017, anos em marcados por extremos de temperatura e seca.

Mas o país não tem estado de braços cruzados. Segundo Celso Pinto, têm sido implementados planos de prevenção que incluem a deslocação de população em risco que vive em zonas costeiras, nomeadamente em São Bartolomeu do Mar, em Esposende, onde foram demolidas várias construções, ou em Ovar, onde o município realojou um bairro de pescadores.

“O que temos de fazer é implementar estratégias de adaptação. Temos de recuar algumas áreas do litoral e já há bons exemplos desse recuo planeado”, explica Celso Pinto

Além de colocar vidas em perigo, a erosão costeira tem impactos negativos ao nível financeiro. Num país como Portugal, em que o turismo representa cerca de 20% da riqueza nacional, a degradação das praias e o recuo da linha de costa representa um risco para a atividade turística no território. E se as entidades competentes têm procurado, ao longo dos anos, repor areia nas praias para mascarar a situação, Pedro Matos Soares diz que é preciso “ter transparência nestes custos”. “Temos de dizer às pessoas que manter uma praia custa tanto e quais é que são os benefícios para a sociedade”, defende o investigador.

PARA ONDE CAMINHAMOS

O futuro, ainda que reserve algumas surpresas, será previsivelmente negro se o país nada fizer para combater as alterações climáticas e, por consequência, a erosão costeira. De acordo com dados do programa Cosmos, que monitoriza o estado de saúde de toda a zona costeira, não se verificaram novas áreas em processo erosivo em 2021. Ainda assim, realça a APA, “mantém-se a prossecução do processo erosivo para o interior em algumas das áreas previamente identificadas”.

A defesa das populações que vivem no litoral, mas também das atividades económicas que ali se desenvolvem, levam a que seja crucial agir e prevenir a continuação deste fenómeno. Para isso, será preciso recorrer a um conjunto de medidas que incluem a alimentação de praias “para ganhar algum tempo para nos adaptarmos e implementarmos medidas mais complexas”.

“Temos alguns troços costeiros em Portugal em que conseguimos atenuar significativamente a erosão”, destaca Celso Pinto, que aponta a zona entre a Barra de Aveiro e a Costa Nova como exemplo. Este troço “tinha taxas de erosão brutais, na ordem dos quatro ou cinco metros,” mas desde 2010 que foram “colocados oito milhões de metros cúbicos de sedimentos” no local e foi possível “reduzir a erosão em 50%”.

Mas há outras estratégias importantes que devem ser seguidas, nomeadamente a definição de zonas de salvaguarda e relocalização, a reabilitação de dunas, estabilização de falésias e revisão da legislação. Em simultâneo, é preciso garantir a adaptação das estruturas de engenharia que protegem as populações litorais do mar, como esporões, quebra-mares e outros.

“Nas áreas que estão protegidas por obras de engenharia podemos ter de acomodar e elevar o topo das suas estruturas para ficarmos mais protegidos de fenómenos de galgamento”, explica o coordenador da APA. “Temos de continuar essa política. Temos sedimentos até ao final do século para continuar este trabalho”, remata.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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