5 Décadas de Democracia

As alterações climáticas chegaram ao interior de Portugal. Como estão os territórios a responder?

As alterações climáticas chegaram ao interior de Portugal. Como estão os territórios a responder?
RUI DUARTE SILVA

O Expresso e a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) juntam-se para debater as últimas cinco décadas de democracia em Portugal. Até março, vamos escrever (no Expresso) e falar (na SIC Notícias) sobre 10 tópicos diferentes da sociedade à economia. Em fevereiro, abordamos os desafios que as mudanças do clima representam para a população em Portugal

OS FACTOS

Até hoje, mais de 3,2 milhões de pessoas já se deslocaram dentro dos Estados Unidos da América (EUA) para fugir ao risco crescente de inundações, aponta um estudo recente da First Street Foundation. Só nas próximas três décadas, a instituição prevê que esta situação force mais 7 milhões de norte-americanos a deixar as suas casas, com impactos negativos nas economias locais.

Estes refugiados climáticos não acontecem apenas dentro dos EUA, mas também no resto do mundo. Aliás, um relatório da UNICEF aponta para que, entre 2016 e 2021, mais de 40 milhões de crianças terão sido deslocadas devido a eventos climáticos extremos como tempestades, inundações ou incêndios, entre outros.

Em Portugal, se nada for feito, o cenário não será muito diferente. Ao longo das últimas cinco décadas, os territórios do interior do país foram perdendo população, tornaram-se mais envelhecidos e as aldeias, vilas e pequenas cidades ficaram mais vazias. Os dados do Censos 2021 são claros: 20% da população concentra-se em 1,1% do território nacional, em particular na região litoral.

900.000

foi o número total de hectares consumidos pelas chamas em todo o território da União Europeia em 2022. A área afetada por incêndios florestais é equivalente à da Córsega

A combinação entre um abandono progressivo do interior e o aumento da frequência de fenómenos climáticos extremos resulta, por exemplo, no crescimento dos incêndios florestais. Em 2022, segundo o Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios, arderam em Portugal continental mais de 100 mil hectares em resultado de cerca de 10 mil fogos. Do total, 55 mil hectares correspondem a floresta ardida, mais de 43 mil de mato e 11 mil de terras agrícolas.

Mas as consequências das alterações climáticas no interior incluem também a agricultura, que pode ver a sua atividade prejudicada pelo progressivo aumento da escassez de água, pelo aumento das temperaturas e por danos frequentes nas culturas. A análise da equipa técnica do Roteiro Nacional para a Adaptação 20100 - liderada pelo investigador Pedro Matos Soares, do Instituto Dom Luiz - mostra que, no cenário mais gravoso, o sudoeste de Portugal perderá 30% a 40% da chuva anual até ao final deste século.

COMO CHEGÁMOS AQUI

Colocados alguns dos principais dados em cima da mesa, importa perceber o que tem sido feito para combater as alterações climáticas nos territórios do interior. No final de 2021, a Assembleia da República aprovou a Lei de Bases do Clima que prevê, entre outras ações, a definição de planos de ação climática municipais e regionais, assim como a fundação do Conselho para a Ação Climática. Segundo a associação Zero, este organismo viu, em agosto de 2023, “a promulgação do decreto-lei que estabelece a sua composição, organização e funcionamento (Lei n.º 43/2023), com previsão de início da sua atividade no passado dia 1 de janeiro de 2024, o que já era tarde”. No entanto, a data não foi cumprida e não se sabe quando é que este órgão entra em funções efetivas.

Para os responsáveis, os planos municipais e regionais merecem um semáforo laranja pela “falta de apoio por parte do governo central às autarquias”, o que se traduz “na impossibilidade de apresentação do plano por parte da maioria dos municípios”.

Há, porém, bons exemplos. No verão do ano passado, o Alentejo tornou-se na primeira região do país a apresentar um caminho de mitigação das consequências climáticas, que inclui 50 medidas para 10 sectores. A Estratégia Regional de Adaptação às Alterações Climáticas prevê, entre outras iniciativas, o aumento de água no solo, a reutilização de água, rega eficiente, reforço da vigilância e ainda um programa de restauro ecológico.

Para aquela zona do país, o Governo lançou, em junho, o Plano Regional de Eficiência Hídrica do Alentejo que inclui 70 medidas e €1000 milhões para combater os efeitos das alterações climáticas e as situações de seca.

“De uma maneira geral, vão-se fazendo coisas a nível municipal e regional [para combater as alterações climáticas]. O que é difícil é ter a perceção do impacto que isso está a ter para a adaptação do país às alterações climáticas. Relativamente à mitigação, é mais simples e estão a fazer-se grandes esforços nesse sentido, de uma maneira geral”, afirma o investigador Luís Dias

Luís Dias, engenheiro do ambiente e investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, resume a três os principais desafios que as alterações climáticas representam para os territórios do interior: incêndios florestais, água e ondas de calor. A questão dos fogos, diz, “está muito relacionada com o despovoamento do interior e com o facto de a floresta não ser economicamente viável”. De acordo com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), 2022 foi o quinto ano com mais área ardida desde 2012. Ainda assim, os dados apontam que o investimento em prevenção e combate aos incêndios mais do que triplicou entre 2017 e 2022, quando atingiu €529 milhões.

Em cenários futuros de maior escassez de água, como os previstos pelos cientistas, este tipo de acontecimentos poderá tornar-se ainda mais frequente. Aliás, os estudos dizem mesmo que o atual risco de incêndio pode multiplicar-se por quatro.

As ondas de calor são outra preocupação. “No interior, há uma população muito mais envelhecida do que no litoral e essas serão as pessoas mais afetadas no que diz respeito a extremos de calor”, avisa Luís Dias.

PARA ONDE CAMINHAMOS

“Precisamos de fazer mais [na mitigação das alterações climáticas”, considera Joaquim Poças Martins. O especialista em questões da água e professor na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto sugere que se atente à gestão dos recursos hídricos e ao planeamento agrícola, nomeadamente selecionando culturas que melhor se adaptem às condições locais e que dispensem uma utilização intensiva de água, como os abacates.

Mas há mais na lista de tarefas a cumprir em prol do ambiente. O investigador Luís Dias sublinha a importância de se desenvolverem, e aplicarem, os planos municipais de adaptação às alterações climáticas. Para isso, é preciso resolver a falta de recursos técnicos disponíveis nas autarquias e torná-las mais atrativas ao recrutamento de profissionais especializados que apoiem este esforço. “Acima de tudo, é capacitar o corpo técnico dos municípios para conseguir perceber o que é que ali está e como é que há de fazer”, explica.

Este é o primeiro passo para compreender as informações espelhadas nos diferentes cenários climáticos – o mais positivo está alinhado com o Acordo de Paris, o segundo é intermédio e o terceiro é o mais gravoso – e saber como evitá-los. Em termos práticos, “todos os municípios deviam ter cartografia de risco de inundações, conhecer as projeções climáticas e saber qual é a disponibilidade hídrica que iremos ter ao longo do tempo”.

“As CCDR ou as comunidades intermunicipais já fizeram planos de adaptação, genericamente falando, para todo o país. Isto é num passo à frente [dos municípios]”, remata Luís Dias.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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