5 Décadas de Democracia

Portugal é a nação da Europa com mais emigrantes. Que papel tem a diáspora no país?

Portugal é a nação da Europa com mais emigrantes. Que papel tem a diáspora no país?
NUNO BOTELHO

O Expresso e a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) juntam-se para debater as últimas cinco décadas de democracia em Portugal. Até março, vamos escrever (no Expresso) e falar (na SIC Notícias) sobre 10 tópicos diferentes da sociedade à economia. Em janeiro, o foco da análise recai sobre as migrações, os desafios e as oportunidades que representa para o país

OS FACTOS

Portugal é hoje o país europeu que, proporcionalmente, tem maior número de emigrantes e o oitavo em todo o mundo. Os dados são claros e da autoria do Observatório da Emigração, que publicou este mês o Atlas da Emigração Portuguesa: só nos últimos 20 anos, o país viu sair mais de 1,5 milhões de cidadãos. No total, existem hoje cerca de 2,1 milhões de portugueses espalhados pelo planeta.

Os especialistas mostram-se preocupados com o facto de serem os mais jovens aqueles que mais procuram novas oportunidades além-fronteiras, geralmente qualificados. Ainda de acordo com estimativas do Observatório, cerca de um terço (850 mil) dos jovens nascidos em Portugal com idades entre os 15 e os 39 anos vive neste momento no estrangeiro.

Em declarações ao Expresso antes do lançamento da última edição do Atlas, o coordenador científico do Observatório da Emigração, Rui Pena Pires, considera que este “é um número muito alto, com um efeito muito complicado na fecundidade” e com impacto direto na recessão demográfica que o país enfrenta.

850.000

é o número de portugueses emigrados com idades entre os 15 e os 39 anos, cerca de 30% dos jovens nascidos no país

Em 2022, os dados da instituição e da Rede Migra apontam para que 60 mil portugueses tenham deixado o país e a maioria escolheu a Suíça como destino (perto de 10 mil pessoas). Seguiu-se Espanha (8.272), Reino Unido (7.941), França (7.663) e a Alemanha (5.935).

Apesar de se registar, nos últimos anos, uma estagnação no número de saídas, o valor do dinheiro enviado pelos emigrantes para Portugal foi o mais alto de sempre em 2022, superando os €3,8 mil milhões. O maior contributo tem origem em França, com mais de mil milhões, seguido de muito perto pela Suíça e, por fim, do Reino Unido, com €458 milhões.

COMO CHEGÁMOS AQUI

O modelo das migrações em Portugal foi-se alterando ao longo do tempo, tendo o país sido, até à década de 90, sobretudo um ponto de exportação de trabalhadores. De lá para cá, a emigração e a imigração registaram altas e baixas, mas hoje o território nacional é essencialmente um destino para quem procura melhores condições de vida. “Uma das características que mais identifica o português no mundo é a sua grande capacidade de adaptação aos meios. O português chega à China sem saber falar o mandarim e ao fim de cinco ou seis meses já percebeu como é que tudo funciona e está a integrar-se”, considera António Calçada de Sá.

O presidente do Conselho da Diáspora Portuguesa acredita mesmo que este é um dos atributos para que “sejamos um povo conhecido, reconhecido e muito bem aceite”. “O povo português tem uma grande capacidade de adaptação, é moderado, sabe estar e não se fecha, por assim dizer, em guetos. E acho que tudo isto tem ajudado muito a marca Portugal”, reforça.

O desafio, enuncia o investigador Pedro Góis, é fazer com que o país consiga “explorar e potenciar essa ligação à diáspora”. “Temos uma diáspora científica muito forte. Temos associações científicas portuguesas em vários países, nomeadamente no Reino Unido, em França, na Bélgica, nos Estados Unidos e na Suíça”, continua o especialista em migrações da Universidade de Coimbra.

A missão de António Calçada de Sá – também ele emigrante há mais de duas décadas e a viver atualmente em Espanha – tem sido a de aproximar o território português aos seus emigrantes no mundo. Essa aproximação faz-se igualmente através de iniciativas como a da comemoração do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, a 10 de junho, que tem procurado celebrar a efeméride com os cidadãos nacionais que vivem no estrangeiro.

“Queremos que o Conselho da Diáspora seja uma grande alavanca para ajudar a promover Portugal no mundo, para ajudar à nossa imagem, ao nosso prestígio e isso não é algo que me pareça, como dizem os ingleses, rocket science”, afirma António Calçada de Sá

A cooperação cultural e económica é uma das mais-valias desta rede de portugueses pelo mundo, defende Calçada de Sá, que assinala vários projetos que o Conselho da Diáspora Portuguesa tem promovido nesse sentido – inclui aulas de português dirigidas a filhos de emigrantes no estrangeiro, uma base de dados com os portugueses que integram a rede da instituição ou o Euro África Fórum, um evento focado na CPLP. “Neste momento, temos um programa em andamento que se chama Erasmus+ Diáspora. É um programa em que estamos a tentar que os luso descendentes que estão lá fora possam, por exemplo, vir todos os anos às universidades portuguesas, fazer cursos e campos de verão”, exemplifica. O objetivo é que “conheçam a realidade do país” e, ao mesmo tempo, incentivar a que “explorem oportunidades para conseguir um emprego, um trabalho ou um projeto em Portugal”.

PARA ONDE CAMINHAMOS

O futuro deve ser marcado, acreditam Calçada de Sá e Pedro Góis, por uma aposta forte nos laços entre o país, a terra-mãe, e os seus cidadãos, independentemente do local onde estejam. “Há aqui um caminho a fazer, é um tema muito importante. Todos temos amigos que vivem lá fora e seria bom podermos dizer-lhes que, do lado de cá, gostávamos de contar com eles para o futuro”, diz o investigador da Universidade de Coimbra.

O presidente do Conselho da Diáspora Portuguesa olha para os incentivos como um bom mecanismo para a “retenção do talento jovem que vai sair das nossas universidades” e para “atrair os jovens que já foram lá para fora e que até estariam disponíveis para voltar”. Não acredita, porém, que seja “uma questão de incentivos fiscais”. “O que querem é saber se há um projeto que possam liderar no seu país e se o país, ele próprio, tem um projeto. Isto quer dizer, por exemplo, como é que estamos a apoiar o investimento jovem, como é que apoiamos as startups, como é que as universidades dão visibilidade aos melhores projetos e como é que se acede a capital de risco”, explica.

Criar um ambiente de oportunidades para os jovens em Portugal é, por isso, o ingrediente essencial para reduzir a emigração – sabendo que haverá sempre quem queira viver e trabalhar além-fronteiras – e atrair aqueles que estão hoje emigrados. “Temos de conseguir fazer isso, é por isso que esta rede da diáspora é tão importante para nós”, remata.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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