5 Décadas de Democracia

Como gerar mais riqueza em Portugal?

Fundos do Plano de Recuperação e Resiliência, oficializados pela presidente da CE e António Costa, são chave para transformar o perfil da economia nacional
Fundos do Plano de Recuperação e Resiliência, oficializados pela presidente da CE e António Costa, são chave para transformar o perfil da economia nacional
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A falta de produtividade não faz parte do ADN nacional e não é uma sina, ainda que o país tenha tido dificuldade em fazer subir este indicador ao longo das últimas décadas. A raiz do problema, apontam os peritos, está na estrutura da economia portuguesa, no subaproveitamento das qualificações e na qualidade da gestão. Apostar em atividades baseadas no conhecimento e criar um ambiente que potencie a geração de valor acrescentado é parte da solução, mas cujos efeitos vão demorar vários anos a fazer-se sentir

Francisco de Almeida Fernandes

Presente. Gestores fracos, excesso de burocracia e impostos altos

Apesar de ser o sexto país da União Europeia em que mais horas se trabalha, Portugal é, em simultâneo, um dos menos produtivos. Segundo dados do Eurostat, em 2022 cada português trabalhou, em média, 39,9 horas semanais, duas horas e meia acima da média comunitária. Em contraste, os neerlandeses são os que menos horas trabalham (32,2) e estão entre os 10 Estados-membros mais produtivos. Será a baixa produtividade uma questão de ADN que afeta apenas os países do Sul da Europa? “Não é uma questão de ADN, até porque os nossos trabalhadores emigrantes são altamente qualificados e muito requisitados”, desmistifica Manuel Carlos Nogueira, professor de Economia na Universidade de Aveiro.

A ideia é partilhada por Eduardo Oliveira, docente na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, que considera que a questão do ADN “é uma ideia que nos desresponsabiliza” em relação à problemática da produtividade. E exemplifica o que fazem os portugueses mal: excesso de reuniões, mal planeadas e demasiado longas. “Se tivermos cinco pessoas durante duas horas numa reunião, considerando um custo/hora baixíssimo de €10, gastamos €100”, critica. Se analisarmos as estatísticas compiladas pela Pordata, a diferença entre Portugal e a média da União Europeia é evidente — em 2021, um trabalhador português gerava €24,3 por hora, quase metade dos €43,6 da média europeia. Aliás, os números do Eurostat mostram mesmo que Portugal tem vindo a cair, ano após ano desde 2017, no ranking europeu de produtividade, apenas ultrapassado pelos gregos e eslovacos, que ocupam o fim da lista.

Não se trata de uma questão de preguiça, reforça o economista Filipe Grilo, que também atribui grande parte da responsabilidade à qualidade dos gestores nacionais. “Se as operações estiverem mal desenhadas, o trabalhador não conseguirá produzir o que era suposto”, diz o também professor na Porto Business School. Mas há, contudo, outro tema a considerar e que tem a ver com a dimensão do mercado português, muitas vezes demasiado pequeno para as ambições de uma empresa que queira competir com os melhores a nível internacional. A internacionalização é o caminho a seguir, a par de uma desburocratização da máquina do Estado e da sua relação com a economia real. “O país, em termos de competitividade, não atrai. Temos muita burocracia, tribunais lentos e uma carga fiscal muito elevada”, acrescenta Manuel Carlos Nogueira.

Nos Países Baixos é onde se trabalha menos horas por semana, mas é um dos Estados-membros com maior produtividade. Em Portugal acontece o inverso

Futuro. Mais exportações, menos horas de trabalho e mais valor

Se esta não fosse uma questão complexa, Portugal já estaria entre os países mais produtivos da Europa. Mas, tal como a preguiça não corre no sangue dos portugueses, a falta de valor acrescentado não é uma inevitabilidade. Pelo contrário, já que o país tem hoje a famosa geração mais qualificada de sempre e um batalhão de doutorados que estão a ir, cada vez mais, para as empresas. E este é, sublinham os economistas, um fator importante para a transformação da estrutura da economia nacional, que precisa, como defende o estudo do professor Fernando Alexandre, de ser cada vez mais suportada por conhecimento. Manuel Carlos Nogueira aponta o exemplo da Autoeuropa como uma empresa bem gerida e capaz de contribuir para a riqueza nacional e diz que “faltam-nos duas ou três Autoeuropas” para generalizar esta forma de operar.

Continuar a apostar no crescimento das exportações é, insiste Filipe Grilo, uma prioridade para alterar o paradigma da produtividade. “A exportação pode expor o gestor a este ambiente mais concorrencial e fazer com que comece a absorver competências que não tem dentro da empresa”, afirma. De facto, Portugal atingiu, em 2022, o recorde absoluto no peso das vendas ao exterior no PIB, que se fixou muito próximo dos 50%.

Para Eduardo Oliveira, a semana de quatro dias pode também fazer parte da solução, ainda que não seja possível implementá-la em todos os sectores de atividade. Embora reconheça que a ideia não é nova, alerta para o facto de hoje, depois da experiência pandémica, os trabalhadores estarem a “repensar o lugar do trabalho nas suas vidas” e valorizarem cada vez mais o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal. O aumento da produtividade com modelos de trabalho flexíveis é possível e uma realidade relatada por muitas empresas portuguesas, mas que ainda são a exceção à regra.

Se estas são alterações que dependem sobretudo da decisão dos empresários, a agilidade do Estado já é uma responsabilidade que cabe aos decisores públicos. Em boa verdade, as sucessivas gerações do programa Simplex, lançado pela primeira vez em 2006, têm vindo a endereçar os desafios da burocracia e registam-se conquistas importantes neste campo. Ainda assim, o economista José Alberto Ferreira pede que o Governo acelere este processo para melhorar a vida das organizações portuguesas, que estão entre aquelas “que na OCDE mais tempo perdem com burocracias”.

Modelos de trabalho flexíveis aumentam a produtividade e fazem parte da solução, dizem peritos, que veem a semana de quatro dias com bons olhos

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Textos originalmente publicados no Expresso de 3 de novembro de 2023

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