OS FACTOS
Nas últimas cinco décadas de democracia, o país melhorou os indicadores de formação académica da sua população, que é hoje incomparavelmente mais qualificada do que na década de 60. Nesta altura, apenas 0,6% dos portugueses tinha frequentado o ensino superior, uma percentagem que subiu para 2,1% em 1981 e para 7,6% em 2001. De lá para cá, os números não pararam de aumentar: em 2011, 13,8% dos cidadãos tinham passado pela universidade ou politécnico, enquanto em 2021 já perto de um quinto da população detinha um diploma.
Mas não foi apenas a frequência do ensino superior que aumentou. O grau de especialização dos recursos humanos acompanhou a tendência, uma realidade que se traduz nos dados estatísticos sobre o número de pessoas com mestrado ou doutoramento. Em 2002, segundo os dados compilados pela Pordata, formaram-se 2.326 alunos em mestrado e registaram-se 665 doutorados. Duas décadas mais tarde, em 2022, o número de estudantes que terminaram o mestrado disparou para 22.346 e doutoraram-se 2.317 pessoas.
Porém, a inovação não depende apenas das qualificações dos trabalhadores. O acesso a investimento é um fator relevante e essa é uma área em que Portugal tem conseguido afirmar-se – de acordo com um estudo recente da consultora EY, a economia nacional foi, em 2022, a sexta a nível europeu que mais investimento direto estrangeiro (IDE) foi capaz de atrair. À frente estão países como França, Alemanha, Reino Unido, Espanha e Turquia. Aliás, no ano passado, a AICEP bateu recordes na atração de IDE com mais de €2,4 mil milhões captados com 47 novos projetos.
COMO CHEGÁMOS AQUI
Portugal tem vindo, ao longo da última década, a apostar na transformação do perfil da sua economia. A aposta em atividades de investigação e desenvolvimento (I&D) aumentou, sobretudo à boleia do investimento privado (dos 1,7% do PIB investidos em 2022, 1,1% teve origem nas empresas), mas também a criação de instrumentos que promovam a inovação tem-se revelado frutífera. “Acho que Portugal fez, nos últimos 10 ou 15 anos, um esforço concertado de promover a internacionalização da economia”, aponta o empreendedor José Maria Rego, fundador e CEO da Raize, uma plataforma que conecta as boas ideias aos investidores com capital para as financiar.
Uma das coisas fundamentais que o Estado pode fazer é continuar a promover que exista um hub de conhecimento em Portugal. Esse é um aspeto muito importante, porque é daí que vão sair investimentos”, concretiza José Maria Rego
A criação de um ecossistema nacional que promova a inovação tem sido, também, um elemento fundamental da estratégia do país, nomeadamente com a aposta em instituições como a Agência Nacional de Inovação (ANI). A par da ANI, surgiu em 2003 a Cotec Portugal, vocacionada para apoiar o tecido empresarial na disrupção, mas também, mais recentemente, organismos como a Startup Portugal ou a Portugal Ventures, especialmente desenhadas para fomentar o surgimento de novas empresas inovadoras. O Governo está, de resto, alinhado com este desígnio, como aliás é visível nas declarações públicas do ministro da Economia, António Costa Silva, que recentemente assinalou que “o crescimento económico, a longo prazo, como provam todos os estudos, baseia-se na inovação cumulativa".
José Maria Rego reforça que a internacionalização é um dos ingredientes essenciais para a transformação do modelo económico – para um assente em conhecimento e especialização -, mas lembra que há desafios neste caminho. Um deles é uma “visão de longo prazo” para a inovação, ou seja, a capacidade de os empresários apostarem em inovação “a cinco ou dez anos” e serem capazes de perceber que os frutos da disrupção podem demorar muito tempo a chegar. “É preciso também ter as pessoas certas no timing certo”, diz o CEO da Raize, que exemplifica com o caso da NVIDIA. “O CEO da NVIDIA deu recentemente uma entrevista em que lhe perguntaram se, sabendo o que sabe hoje, hoje voltaria a começar este negócio. A resposta dele foi que provavelmente não”, partilha. A gigante tecnológica vale hoje mais de um trilião de dólares em bolsa.
é o valor que Portugal foi capaz de atrair, em 2022, em investimento direto estrangeiro através da AICEP. O montante previsto nos 47 projetos conquistados pelo país é um recorde histórico
Outro desafio elencado pelos especialistas ouvidos pelo Expresso é o acesso ao investimento. Neste campo, instrumentos como os fundos comunitários, a ligação a investidores através de entidades como a Startup Portugal ou Portugal Ventures e o Banco de Fomento são, consideram, muito importantes. Especificamente sobre os fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e Portugal 2030, o economista Filipe Grilo considera que, embora sejam instrumentos relevantes, “o sucesso da candidatura depende de conhecimento específico e isso inquina o processo para empresas mais pequenas”. O também professor da Porto Business School refere-se à “complexidade” dos programas que obriga, com frequência, os empresários a recorrerem a consultoras para apoiarem os processos de candidatura. “Acaba por criar um mecanismo perverso que pode criar mais desigualdade no acesso a estes fundos”, diz, referindo-se em especial às microempresas.
PARA ONDE CAMINHAMOS
O futuro tem de passar, dizem os peritos, pelo reforço de um ambiente nacional propício à inovação. “Uma das coisas fundamentais que o Estado pode fazer é continuar a promover que exista um hub de conhecimento em Portugal. Esse é um aspeto muito importante, porque é daí que vão sair investimentos”, concretiza José Maria Rego. O empreendedor identifica duas áreas em que o país tem potencial de crescimento: a indústria farmacêutica e a economia do mar. “Temos de discutir, enquanto sociedade, quais são os nossos vetores estratégicos para estimular a inovação nos próximos anos”, acrescenta.
O que é certo é que Portugal tem vindo a melhorar a sua posição internacional no que à inovação diz respeito, estando atualmente na 30ª posição dos países mais inovadores do mundo, segundo o Índice Global de Inovação 2023. Aliás, se olharmos apenas para o território europeu, a economia nacional ocupa mesmo o 19º lugar. Para continuar este percurso, é fundamental que as empresas sejam capazes de apostar em inovação de longo prazo e assumir o risco inerente a esse processo, mas também dar o espaço de manobra às suas equipas para que alcancem esse objetivo. “Uma equipa de inovação tem de ter um elevado nível de autonomia”, sugere o fundador da Raize.
era o número aproximado de startups registadas em Portugal em 2021, que geravam, naquele ano, um volume de negócios agregado de €1.750 milhões
Filipe Grilo tem uma visão semelhante e sublinha a importância de saber arriscar. “Sabemos que os portugueses são avessos ao risco e isso acaba por limitar o processo de internacionalização das empresas”, esclarece o professor de economia.
Em suma, recursos humanos especializados, orientados para a inovação e bem geridos são chave para o sucesso, mas também o acesso ao investimento – tradicional, por via da banca, assim como no mercado de capital de risco – e um ambiente político e legislativo favorável à criação de startups e projetos inovadores.