OS FACTOS
Ao longo dos anos, repetem-se as manifestações de professores e há uma reivindicação que se mantém inalterada: a recuperação integral do tempo de serviço. Em causa estão os dois períodos, entre 2005 e 2017, em que a carreira docente esteve congelada. Já depois de uma recuperação parcial do tempo de serviço, em 2018, estes profissionais exigem hoje a contagem dos seis anos, seis meses e 23 dias em falta.
Em agosto foi publicado o diploma de progressão de carreira dos professores que, segundo o Governo, “compensa efeitos do congelamento das carreiras” e que deverá permitir a 70 mil professores “progredir mais rápido”. As principais alterações prendem-se com a isenção de vagas de acesso aos 5º, 6º e 7º escalões para aqueles que ficaram a aguardar vaga nos escalões 4º, 5º e 6º; mas também com a redução de um ano na duração do escalão para quem está acima do 6º patamar da carreira.
é o número de professores que estará em falta nas escolas nacionais até 2030, segundo um estudo da Nova School of Business & Economics de 2021. Reforçar o recrutamento para assegurar a substituição dos docentes que se vão reformar até ao final da década é essencial
A carreira docente é composta por dez escalões, sendo que a cada um corresponde um patamar remuneratório. Em 2023, o salário bruto dos professores (dos níveis pré-escolar, ensino básico e secundário) varia entre €1.589,01 no primeiro escalão e os €3.473,19 no último. Porém, segundo um estudo de investigadores da Nova School of Business & Economics, os professores demoram, em média, 16 anos a atingir o primeiro patamar de remuneração.
De acordo com o mesmo levantamento, o envelhecimento dos professores fará com que cerca de 34.500 profissionais abandonem o sistema de ensino até 2030 por motivo de reforma.
COMO CHEGÁMOS AQUI
O pico do número de professores em Portugal, em todos os níveis de ensino com exceção do superior, foi atingido em 2005. Nesse ano, segundo dados reunidos pela Pordata, o país contava com mais de 185 mil docentes, um valor que caiu nos anos seguintes e que atingiu, em 2022, 150 mil. Como já observámos, até ao final desta década serão necessários milhares de profissionais nesta área para garantir o funcionamento normal do sistema.
No entanto, o problema está na quantidade reduzida de candidatos a professores. “O relatório do Estado da Educação 2021, do Conselho Nacional de Educação (CNEDU), alertou para o envelhecimento do corpo docente em Portugal”, lembra a professora catedrática Carlinda Leite. A também investigadora da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto faz questão de sublinhar outros alertas deixados pelos autores do documento, nomeadamente na “diminuta” percentagem de professores ao serviço com menos de 33 anos. Os factos mostram que, em 2021, a média de idades dos docentes era de 50 anos e que apenas entre 1% a 3% dos professores tinha menos de 30 anos.
Para Carlinda Leite, a razão do desencanto em relação à profissão está nas condições de trabalho oferecidas. “É evidente que qualquer profissão tem este efeito de atração se tiver uma carreira que seja aliciante e um salário adequado”, considera. E sobre as questões da remuneração, há aspetos que importa esclarecer para melhor se compreender as reivindicações da classe. “O início de carreira, logo após o ingresso na profissão, tem de ser necessariamente mais bem remunerado. Comparamos bem, um pouco acima do sétimo escalão, com os países da Europa, mas comparamos bastante mal no ingresso”, acrescenta Domingos Fernandes, presidente do CNEDU.
“O recrutamento dos novos professores é importante. Que candidatos é que vamos ter? Isto exige um investimento das instituições do ensino superior em articulação estreita com o Governo no sentido de termos os melhores dos melhores”, aponta Domingos Fernandes
Um dos principais desafios na carreira docente é precisamente o tempo necessário até entrar na carreira, o que só acontece, assinala Carlinda Leite, para aqueles que “tiverem cinco anos consecutivos de horário completo”. Esta situação leva a que os professores tenham, muitas vezes, um percurso “precário” nos primeiros anos de profissão.
Tudo isto – a velocidade de progressão na carreira e a remuneração – torna mais difícil atrair e reter docentes no sistema de ensino. Aliás, os números da formação de professores mostram isso mesmo: apenas 1674 pessoas concluíram, em 2022, o mestrado que dá habilitação profissional para a docência. O maior número registado entre 2003 e 2022 aconteceu em 2005, altura em que se formaram 5965 profissionais.
PARA ONDE CAMINHAMOS
Entre a realidade dos números e a perspetiva dos especialistas, percebemos que caminhamos para um sistema de ensino com um corpo docente envelhecido, desmotivado e em número insuficiente. Evitar este cenário é possível, acreditam os peritos ouvidos pelo Expresso, mas implica um investimento sério, planeado e constante na melhoria das condições de trabalho dos professores, na definição clara dos patamares de carreira e da forma de progressão, e uma aposta na formação inicial dos docentes.
A questão da formação foi precisamente um dos pontos em análise pelo grupo de trabalho coordenado pela professora Carlinda Leite, a pedido do Governo, e cujas conclusões foram entregues em dezembro. Entre as recomendações produzidas, destaque para a importância de implementar uma estratégia de reconversão profissional. “Por exemplo, para investigadores de História com uma formação profunda nesta área científica, mas que não têm formação na área pedagógica. Negociámos com as instituições de ensino superior a possibilidade de realizarem cursos de reconversão profissional e encontrámos uma vontade enorme de colaborar”, afirma a professora da Universidade do Porto.
é número de anos que, em média e em 2021, um professor passava na qualidade de contratado a termo e a receber um ordenado baixo. Segundo os cálculos, só após este período um docente atinge o primeiro patamar da carreira
A reconversão é apontada como uma das soluções, a que se junta, por exemplo, o regresso do período de estágio remunerado nas escolas, mais tempo de acompanhamento pelos supervisores dos professores em estágio e a possibilidade de formação complementar à medida das necessidades. Para Carlinda Leite, estas medidas permitem atrair profissionais especializados e com diferentes percursos para as escolas, o que também permite enriquecer os currículos dos alunos.
Já Domingos Fernandes, que partilha as ideias defendidas por Carlinda Leite, acrescenta a importância de rever o sistema de avaliação dos professores: “Acho que é necessário fazer um investimento significativo para termos uma avaliação mais credível, que esta, atualmente, não o é de maneira nenhuma”. Reformular os critérios e a forma como é feita é essencial para recuperar o prestígio e a confiança da profissão junto da sociedade, acredita o presidente do CNEDU.