Que medidas legais e fiscais podem facilitar o arrendamento e a construção?
JOAO CARLOS Santos
O Expresso e a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) juntam-se para debater as últimas cinco décadas de democracia em Portugal. Nos próximos 10 meses, vamos escrever (no Expresso) e falar (na SIC Notícias) sobre 10 temas diferentes da economia e da sociedade e o primeiro é a habitação.
Ana Baptista
Os factos
Para construir uma casa é preciso respeitar mais de 2200 leis, que são depois analisadas nos processos de licenciamento.
Uma delas define áreas mínimas de construção para as várias divisões. Outra obriga a que, pelo menos um wc tenha uma banheira e um bidé.
Na lei, os prazos para licenciamento são, em média, de 60 dias, mas estão a demorar entre seis meses a quatro anos, conforme as câmaras.
Por exemplo, segundo a APPII, na câmara de Lisboa estão a demorar três anos, numa câmara do interior demoram entre seis meses a um ano.
Há 308 municípios no país e cada uma delas tem a sua plataforma para licenciamento.
Em 2022 foram licenciados 24,5 mil edifícios, menos 3,5% que no ano anterior, mas mais 0,7% comparando com 2019, segundo dados do INE.
Número de edifícios licenciados
O IVA na construção nova é de 23% que acresce sempre ao valor final da casa, ou seja, se custa €100 mil a construir, o valor final cobrado começa nos @123 mil.
Nas obras de reabilitação urbana o IVA é de 6%.
Quando se compra uma casa tem de se pagar o Imposto sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e o imposto selo que são cobrados no momento da transação. Há sete taxas diferentes que são cobradas conforme o valor da casa e o tipo de imóvel, por exemplo, se é para habitação própria permanente ou se é para habitação de férias ou para arrendar.
É depois preciso pagar, anualmente, o Imposto Municipal sobre Imóveis que é cobrado sobre o valor patrimonial do imóvel, até aos €600 mil.
Se o valor patrimonial do imóvel ou imóveis de que uma pessoa é proprietária for superior a €600 mil tem de pagar o AIMI (Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis). Foi criado em 2017 por proposta do Bloco de Esquerda.
Há isenção de IMI, por três anos, quando se compra uma casa para habitação própria, mas o valor patrimonial não pode exceder os €125 mil.
O IMT e o IMI são receitas das câmaras. O AIMI é uma receita do Estado. Ajuda a financiar o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social que garante que, quando a receita da Segurança Social é inferior à despesa, as pensões seja pagas na mesma.
Em 2022 foram concluídos 14,8 mil edifícios, menos 3,2% que em 2021, mas mais 8,1% que em 2019.
Número de edifícios concluídos
Como chegámos até aqui
Comecemos pelos licenciamentos. O Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), que define, por exemplo, a regra da banheira e do bidé obrigatório em pelo menos uma das casas de banho da habitação, entrou em vigor em 1951 e é esse que ainda se mantém ativo. Já sofreu 17 alterações, sendo a última em 2008. Mas há um diploma ainda mais antigo a que a construção tem de obedecer que é o Regulamento de Licenças para Instalações Elétricas, de 1936. Já foi revisto 11 vezes, a última das quais em 2017.
Para o presidente da APPI, Hugo Santos Ferreira, essas regras estão datadas e não fazem sentido nos dias de hoje. “Se as divisões têm de ter áreas mínimas, como é que podemos ter casas mais baratas”, questiona. “E uma banheira ocupa muito espaço numa casa banho e hoje já que ninguém usa a banheira e muito menos o bidé, porque é que ainda tem de ser obrigatório”, continua. Por isso mesmo, revela, é que a APPII está a trabalhar com técnicos na revisão deste diploma para depois apresentar a proposta ao Governo e ao Presidente da República.
Contudo, enquanto não é revisto e simplificado, o que permanece em vigor são as mais de 2200 leis que têm de ser respeitadas quando se constrói uma casa e que são depois analisadas quando um processo de licenciamento dá entrada numa câmara.
E segundo Hugo Santos Ferreira, aqui há o problema da “eficiência da própria máquina. Podemos reduzir a burocracia, mas não serve de nada se mantivermos os burocratas”. E parte dele é explicado por um problema cultural. “Há uma cultura do medo dentro da máquina do Estado. Ninguém quer tomar decisões. Mandam sempre a decisão para cima”.
Quanto aos impostos, o decreto-lei que criou o IMT e o IMI data de julho de 2003, entrando em vigor apenas em janeiro de 2004. Antes disso já se pagavam impostos semelhantes a estes, mas com outros nomes. Por exemplo, o Imposto Municipal de Sisa era o antigo IMT.
Ao longo do tempo, para incentivar o mercado foram sendo criadas isenções, não só para quem constrói mas também para quem compra casa. E o mesmo se passou com outros impostos, em sede IRS e de IVA. Aliás, a economista Susana Peralta diz mesmo que há “muitas isenções e benefícios fiscais na habitação”, algo com o qual não concorda porque defende que “o sistema fiscal deve ser simples e neutro, porque incentivos são sempre máquinas e distorções e desvios no investimento”. Além de que não é benéfico as regras fiscais estarem sempre a ser alteradas.
“A incerteza fiscal é má para um investidor que constrói e planeia a longo prazo e precisa de estabilidade”, diz a economista Susana Peralta.
Por exemplo, quem compra um imóvel degradado para reabilitar tem de pagar IMT e IMI, mas se a eficiência energética do imóvel recuperado subir dois níveis, fica isento de pagar IMI e pode pedir reembolso do IMT, diz o fiscalista da EY, Pedro Fugas.
E nas mais-valias de venda de uma casa que tenha feito obras de conservação há uma dedução no IRS, mas apenas se essas obras tiverem sido feitas nos últimos 10 anos, continua. Por exemplo, compra-se uma casa por €300 mil, gastam-se €100 mil em obras de conservação e depois vende-se a casa por €500 mil. Se vender a casa ao fim de 10 anos, consideram-se, para efeitos de tributação, que as mais-valias são €100 mil. Se vender a casa depois de mais de 10 anos, as mais-valias tributadas são €200 mil, ou seja, as obras deixam de ser dedutíveis.
João Carlos Santos
Para onde caminhamos
Mais uma vez, o programa Mais Habitação apresentado pelo Estado a 16 de fevereiro tem várias medidas fiscais e legais para incentivar o arrendamento de longa duração e construção e a reabilitação de casas, sempre a preços mais acessíveis.
Uma delas, considerada positiva pelo mercado, é não cobrar IRS sobre as mais-valias de venda de uma casa quando o valor for para amortizar um crédito a habitação própria e permanente do próprio ou de um seu descendente. Ou, como já aqui falámos, a descida do IRS no arrendamento de longa duração, que nos contratos de cinco anos passa dos atuais 28% para 25%; nos contratos de cinco a dez anos desce de 23% para 15%; nos contratos entre 10 e 20 anos, cai de 14% para 10% e nos contratos com mais de 20 anos, passa de 10% para 5%.
Hugo Santos Ferreira salienta ainda a cedência de imóveis do Estado para habitação, sejam terrenos; edifícios novos ou prédios devolutos para reabilitar. Neste regime, o que está previsto é uma cedência por um período de 90 anos e haver ainda, entre outras isenções fiscais, IVA a 6% na construção e um financiamento bonificado até €250 milhões. A APPII está, aliás, a trabalhar com o Governo para que, “até ao verão”, seja apresentado um plano para esse programa, ou seja, “ter uma lista dos terrenos e edifícios do Estado” que estão disponíveis para ser cedidos.
Há depois uma medida no Mais Habitação que ainda suscita algumas dúvidas: a da simplificação dos licenciamentos. De facto, segundo o diretor do Confidencial Imobiliário, o que está previsto é a retirada de processos e de gorduras, mas tem de haver um equilíbrio. A medida mais polémica diz respeito à possibilidade de comunicação prévia, ou seja, a obra começa apenas com um termo de responsabilidade do arquiteto ou engenheiro e a câmara só faz apreciação do projeto depois. Mas “se temos um processo de licenciamento super picuinhas, nenhum técnico, arquitecto ou engenheiro vai assinar a responsabilidade”, considera Susana Peralta.
“Um banco não financia um projeto sem licença”, diz o presidente da APPII, Hugo Santos Ferreira.
Mais positiva é a medida de cobrar sanções às câmaras que não cumpram os prazos previstos na lei, mas para o presidente da APPII também aqui é preciso “haver prazos mais realistas e não de 30 ou 60 ou 90 dias”, diz ainda o presidente da APPII.
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