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Inovação na corrida para tratar o cérebro

Matthew Holt, neurocientista no i3S, e a sua equipa foram os primeiros vencedores do galardão
Matthew Holt, neurocientista no i3S, e a sua equipa foram os primeiros vencedores do galardão

Competição. Dez finalistas de “alto nível” disputaram o Prémio Jorge Ruas. Ganhou uma terapia disruptiva para uma forma agressiva de esclerose múltipla. Tratamento dá “esperança” aos doentes

As doenças do cérebro continuam a ser um dos maiores enigmas da medicina moderna: matam em silêncio, custam milhares de milhões de euros e permanecem, em muitos casos, sem cura. Um conjunto de investigadores acredita ter encontrado as chaves para virar o jogo, e foi na sede da Ordem dos Farmacêuticos, em Lisboa, que apresentaram as suas propostas. Dez projetos científicos concorreram à primeira edição do Prémio Jorge Ruas, integrado na Tecnimede Open Innovation Competition, e a um prémio de €100 mil para financiar o desenvolvimento da melhor ideia.

O vencedor foi o projeto AAV-Based Gene Therapy for PPMS, liderado pelo neurocientista Matthew Holt, do i3S. A equipa aposta numa terapia genética inovadora para a Esclerose Múltipla Primária Progressiva (PPMS), a forma mais severa da doença. “Globalmente, cerca de 2,9 milhões de pessoas sofrem de esclerose múltipla e 10% a 15% têm PPMS, uma condição cruel caracterizada por dor, perda de mobilidade e, muitas vezes, paralisia”, explicou Holt.

A ideia é usar um “veículo” microscópico capaz de atravessar as defesas naturais do cérebro e transportar até lá uma molécula anti-inflamatória. Assim, o tratamento chega exatamente onde é preciso atuar. “Criámos um sistema direcionado, controlado e seguro, que representa uma oportunidade de primeira classe para oferecer esperança a estes doentes”, garante o responsável.

Entre os finalistas, vários projetos abordam problemas complexos de forma criativa e inovadora. Um deles é o NEXOLIVAD, desenvolvido por investigadores da Universidade de Lisboa, que usa uma espécie de “mensagens” minúsculas que as células enviam umas às outras através do sangue (exossomas), para levar o tratamento diretamente ao cérebro. “Estamos a usar exossomas derivados de neurónios para entregar microRNA capazes de reduzir placas amiloides e recuperar memória, mesmo em fases tardias da doença de Alzheimer”, detalha o investigador Gonçalo Garcia. Nos testes em animais, foi possível reduzir em 31% a acumulação dessas placas numa zona essencial para a memória e devolver capacidades cognitivas perdidas.

Já a Optomics Technology, desenvolvida pela startup portuguesa iLoF, combina fotónica e inteligência artificial para criar bibliotecas digitais de biomarcadores a partir de análises de sangue. A tecnologia não serve apenas para identificar Alzheimer, mas sobretudo para perceber quais são os doentes que vão responder a cada tratamento, poupando tempo e custos em ensaios clínicos. “Apenas 14% dos pacientes com Alzheimer beneficiam das terapias hoje aprovadas. Queremos evitar exames caros e invasivos e ajudar a indústria a escolher os doentes certos para os tratamentos certos”, afirma Sara Rocha, responsável de estratégia da empresa. A tecnologia já está a ser testada em mais de 30 centros clínicos na América do Norte e na Europa.

Previsão é também a especialidade da PURR.AI, que apresentou a plataforma Ageless, à base de modelos de inteligência artificial, usada para antecipar se uma molécula candidata a fármaco para doenças neurológicas será eficaz e segura antes de chegar ao laboratório. “A nossa missão é acelerar o desenvolvimento de terapias para o cérebro, tornando a descoberta de medicamentos mais rápida, inteligente e preditiva”, explica a investigadora Nícia Ferreira. O sistema integra modelos generativos, simulações moleculares e dados biomédicos para antecipar falhas, o que permite poupar anos de investigação e “centenas de milhões em custos”.

São quatro entre dez projetos “de alto nível”, de acordo com o júri, todos focados no futuro e na procura de respostas aos enigmas da medicina, como são o caso da Glioblastoma Treatment Innovation, GnRHope, iPLUS, mFibro, Reventus Pharma e BRIGHT, projetos que também cortaram a meta. “O objetivo é fazer a vida dos doen­tes um pouco mais brilhante”, rematou o vencedor do prémio, Matthew Holt.


Inovação na corrida para tratar o cérebro

Mesa-redonda debateu a relação entre academia e indústria na inovação, que apesar de avanços ainda enfrenta desafios

Se tivessem de dar uma nota à colaboração entre ciência e empresas em Portugal, a média ficaria pelos seis valores. Foi esse o consenso da mesa-redonda que juntou, na Tecnimede Open Innovation Competition — realizada na Ordem dos Farmacêuticos —, gestores, académicos e médicos para debater se no país se constroem pontes sólidas ou se persistem muros invisíveis entre a academia e a indústria.

Maria do Carmo Neves, presidente do Grupo Tecnimede, destaca a experiência positiva de cooperação com universidades portuguesas e estrangeiras, mas admite que “há muito a limar dos dois lados”.

O reitor da Universidade de Coimbra, Amílcar Falcão, assume-se como “otimista” e prefere ver o copo meio cheio, ainda que reconheça que é preciso melhorar na transferência do conhecimento produzido dentro de portas. E para isso, diz, é preciso ter “pessoas especializadas neste trabalho”.

Académicos precisam de um tradutor na relação com a indústria “para transformar ciência em inovação”

Apesar das dificuldades, o responsável académico lembra que a Universidade de Coimbra tem conseguido percorrer o caminho da inovação aplicada à economia e que está envolvida, hoje, em 19 agendas mobilizadoras do PRR. “São €50 milhões e temos uma execução de 90%”, sublinha.

Entre os bons exemplos foram recordados laboratórios colaborativos e empresas de biotecnologia de ponta, como a FairJourney Biologics, no Porto, que “vale quase mil milhões de euros”, como assinala António Murta.

O CEO da Pathena acredita ser preciso, a par da redução generalizada de impostos, mudar os critérios de avaliação das universidades, para incluir o seu impacto social e económico. “Trata-se de garantir que os papers produzem valor concreto.”

Mas os obstáculos continuam evidentes para todos, que apontam tempos diferentes na academia e indústria, excesso de burocracia e valorização excessiva da publicação científica em detrimento da transferência de conhecimento.

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