As medidas macroprudenciais de habitação foram um dos temas em debate na conferência que decorreu quarta-feira no edifício Impresa
Evolução. Pedir dinheiro ao banco para comprar casa é hoje mais rápido e simples do que no passado. Mas há mais a acontecer. Num futuro próximo, será ainda mais digital, mais flexível e com maior recurso aos intermediários de crédito
“Durante demasiado tempo pedir um crédito habitacional foi, para muitos, um percurso labiríntico: semanas de espera, papéis acumulados, respostas incertas, várias deslocações” e até “reprovações por questões formais”, como a falta da “documentação certa”, contam João Matos e Ricardo Sousa. É assim que o diretor da consultora EY e o CEO (presidente executivo) da Century 21 descrevem o passado do processo de crédito à habitação em Portugal. Porque, para ambos, há mesmo um passado, um presente e um futuro na forma como se pede um empréstimo.
“Se a casa simboliza permanência, o crédito que a financia aprendeu a ser movimento”, diz João Matos. Hoje é possível fazer “simulações em tempo real, comparação imediata de propostas de diferentes bancos, recolha automática de comprovativos e validação documental por inteligência artificial”. Há mesmo alguns bancos que usam as chamadas tecnologias de registo distribuído — como a blockchain — e conseguem reduzir “o tempo de análise de dias para horas”, acrescenta. Aliás, segundo ele a blockchain é “promissora”, porque permitirá, por exemplo, “avaliações de imóveis quase instantâneas”. Também promissores, afirma, são os contratos inteligentes, que “poderão automatizar cláusulas contratuais e transferências de propriedade”.
Esta é a parte do futuro que envolve a tecnologia, mas, diz o administrador da Caixa Geral de Depósitos (CGD) Luís Pereira Coutinho, “a tecnologia não resolve tudo. Se os processos não forem bons, a tecnologia não resolve”. Por isso é que, repara Ricardo Sousa, a evolução do crédito à habitação passa também pelas instituições. Passa pelo Estado, que ainda “tem muita informação dispersa”; pelo regulador, porque ainda existem “fricções” e, acrescenta o administrador do BCP Rui Teixeira, “páginas de detalhes que ninguém entende”, e passa ainda pelos bancos.
Argumenta Ricardo Sousa que, por um lado, terão de criar “produtos mais flexíveis”, como ter contas em que a poupança compensa os juros, ter períodos de carência de capital, em que se pagam apenas os juros, poder fazer a portabilidade do crédito [entre bancos], contratar empréstimos com uma parte a taxa fixa e a outra parte a taxa variável ou usar-se o modelo dinamarquês de taxa fixa com reembolso ao preço de mercado.
Por outro lado, tenderão a recorrer mais aos intermediários de crédito (IdC), porque estas empresas têm acesso — num só local — às ofertas, procedimentos e exigências dos vários bancos. Aliás, já “representam mais de 50% do canal de comercialização do crédito à habitação”, informa a administradora do Banco de Portugal (BdP) Francisca Guedes Oliveira.
Mais supervisão, menos endividamento
Se o futuro do crédito à habitação traz um crescimento dos IdC e das ferramentas digitais para tratamento de dados, traz também mais supervisão. A par das já conhecidas medidas macroprudenciais do BdP — que incluem limites ao montante a emprestar e à prestação a pagar —, esta instituição diz estar atenta ao crescimento dos IdC e não só quer reforçar a vigilância que fazem nestas empresas por todo o país como vai apresentar uma “proposta de alteração legislativa ao regime jurídico dos IdC que procurará aumentar a transparência para o cliente”, avança Francisca Guedes Oliveira. “Por exemplo, haver um número mínimo de propostas [de crédito à habitação] a apresentar” ou que a comissão que os IdC recebem da parte dos bancos “não seja indexada à TAEG [Taxa Anual de Encargos Efetiva Global]”, explica.
O valor dos créditos à habitação foi de €106,3 mil milhões em julho, mais 8,1% do que no período homólogo
Este tipo de medidas já mostraram que dão frutos. Dados do Confidencial Imobiliário (CI) mostram que, em 2009, o peso do crédito no valor da compra de casas era de quase 80%, mas que, desde 2017, ronda os 50%. “Não tem havido um elevado nível de endividamento”, vinca o diretor Ricardo Guimarães. Além disso, o aumento do montante total de crédito concedido que se verificou, por exemplo, em julho (mais 8,1% homólogos) explica-se porque foram feitas mais operações “por causa da redução das taxas de juro e da guerra dos spreads”.
Não se está a emprestar mais dinheiro a cada família porque os bancos continuam “a reagir com prudência e alinhados com as orientações do BdP”, na medida em que as taxas de juro estão a descer lentamente e “a margem para correções significativas nos preços da habitação é reduzida devido à escassez de oferta e aos custos elevados de construção e licenciamento”, remata Ricardo Sousa.
FRASES DA CONFERÊNCIA
“Os canais digitais ou os intermediários de crédito ajudam (e muito) na concessão, mas a responsabilidade permanece sempre no banco”
Pedro Cassiano Santos
Sócio na Vieira de Almeida
“A banca está disponível e interessada [em financiar habitação acessível]. Temos assistido a um aumento do número de projetos de promoção imobiliária, mas ainda muito longe do pré-troika”
Rui Fontes
Administrador do Novo Banco
“O que as pessoas querem saber é o que conseguem pagar com o seu ordenado e quando é que têm o crédito”