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Ciência avança mais rápido do que os hospitais

Em março, mais de 1400 doentes oncológicos aguardavam cirurgia além dos tempos máximos de resposta garantidos
Em março, mais de 1400 doentes oncológicos aguardavam cirurgia além dos tempos máximos de resposta garantidos
Hans Neleman/Getty Images

Tecnologia. Tratamentos personalizados e imunoterapia vieram trazer esperança e qualidade de vida a doentes oncológicos. 
É preciso trabalhar em mais recursos fora dos hospitais, sobretudo para quem o cancro passa a ser uma doença crónica

A Comissão Europeia estima que o impacto económico global do cancro, na Europa, seja de €100 mil milhões, por ano, e a doença é apontada como uma das principais causas de mortes prematuras na UE. Dados do Plano Europeu de Luta Contra o Cancro indicam estar provado que 40% dos casos seriam evitáveis, se fosse posto em prática o conhecimento que já existe. “A investigação científica faz-se muito em estrutura de rede. Mesmo quem está em Portugal tem muitas relações de trabalho com grupos internacionais”, diz Paulo Lúcio, diretor da Unidade de Hemato-oncologia da Fundação Champalimaud.

No encontro Caminhar para a Saúde do Futuro: a Inovação Terapêutica ao Serviço do Tratamento do Cancro vários especialistas falaram sobre os desafios na implementação de novos fármacos e terapias, mas também na necessidade de complementar o tratamento com políticas de prevenção, diagnóstico e apoio ao cuidador informal. “Pouco se tem feito para valorizar e permitir, na prática, que o cuidador deixe o seu trabalho por meses sem ser despedido. Cada vez vamos ter mais doentes a conviver com a sua doença, e isso tem impacto laboral, social e familiar”, alerta António Araújo, diretor do Serviço de Oncologia Médica da Unidade Local de Saúde do Hospital de Santo António, no Porto.

Graças aos avanços da ciência, o cancro já não é uma inevitável sentença de morte. As terapias personalizadas como diagnósticos baseados em perfis genéticos ou o tratamento com células CAR-T — que reconhecem e combatem as células cancerígenas — foram apontadas como inovações muito significativas, mas de difícil acesso em regiões periféricas. “Sou do tempo em que fazíamos só quimioterapia na oncologia. Hoje praticamente não fazemos tratamento algum sem sequenciação genética do tumor. Isto é assim em hospitais grandes, mas há hospitais mais periféricos, com menos volume de doentes, em que esta sequenciação genética é mais difícil. Os médicos são obrigados a começar o tratamento sem saber o resultado dessa sequenciação”, continua.

Alternativas sustentáveis

Manuel Abecasis, presidente da Associação Portuguesa Contra a Leucemia, reforça que a aplicação de alguns tratamentos inovadores exige um apoio ao doente de 24 horas, implicando muita disponibilidade do cuidador, e acrescenta que é preciso criar recursos fora dos hospitais. “Nem sempre os orçamentos dos hospitais permitem ter disponíveis todos os cuidados como, por exemplo, o apoio psicológico. Temos de ultrapassar a noção de que o Estado é responsável por tudo. O Estado tem limitações na capacidade de apoios que pode dar às pessoas e a sociedade civil pode colmatar essas necessidades. Temos de nos organizar para encontrarmos as soluções para isso”, defende.

A monitorização da eficácia do medicamento, com estudos de vida real, ou o acesso a tratamentos inovadores, através de ensaios clínicos, são estratégias apontadas por Patrícia Alexandra Cavaco, presidente da Associação Portuguesa de Farmacêuticos Hospitalares, para mais inovação e sustentabilidade do sistema. “Uma das maneiras de termos alguma sustentabilidade é também a aposta em medicamentos genéricos e biossimilares, que são moléculas semelhantes com marcas diferentes”, acrescenta.

Também Raquel Chantre, vice-presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, reconhece a “pressão” na área dos novos medicamentos nos hospitais. A responsável espera que o regulamento europeu, que entra em vigor em 2026, ajude a um acesso mais célere a novos fármacos, mas alerta para a importância de avaliar a sua aplicação. “Temos de ser capazes de avaliar como estamos a investir o orçamento. Reconhecendo a capacidade financeira finita, a sustentabilidade é o nosso foco para podermos tratar as pessoas com a melhor tecnologia possível”, conclui.

FRASES DA CONFERÊNCIA

“Uma percentagem cada vez maior dos doentes consegue trabalhar com uma doença crónica”

José Luís Passos Coelho
Presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia


“Hospitais investem pouco em sistemas de apoio aos doentes fora dos hospitais”

Maria Gomes da Silva
Diretora do IPO de Lisboa


“Nos próximos anos vamos ter de fazer mais com os mesmos ou menos recursos. A única forma é usando intensivamente a tecnologia”

Joaquim Cunha
Diretor executivo do Health Cluster Portugal

Terapêuticas inovadoras

Terapia CAR-T

Imunoterapia Reprograma células T, do sistema imunitário, para que identifiquem e combatam as células cancerígenas.

Vacinas personalizadas

Tecnologia mRNA Prepara o sistema imunitário para destruir as células cancerígenas e reduz o risco de reaparecimento da doença.

Oncologia de precisão

Rigor Identifica alterações nas células que podem estar a causar o crescimento e disseminação do cancro, permitindo tratamentos personalizados.

Inteligência artificial

Prevenção Criação de perfis de risco com base em IA pode ajudar no rastreio de cancros comuns, permitindo um diagnóstico precoce.

Biópsia líquida

Alternativa Amostras de sangue são usadas para detetar sinais da doença. Técnica menos invasiva que a tradicional.

Pistas no ADN

Análise Permite identificar diferentes mutações que contribuem para o cancro de cada pessoa.

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