Índice mostra SNS estável, mas com contas no limite
Ana Paula Martins e Marcelo Rebelo de Sousa criticaram o desfasamento entre a “bolha mediática” e a opinião dos cidadãos sobre o SNS
Avaliação. Confiança dos portugueses no sistema resiste à luta política, mas dados do estudo alertam também para crescimento imparável da despesa. Peritos pedem incentivos para melhorar a gestão e aposta em parcerias com privados
Não há constrangimentos, filas ou retórica política que abale a confiança dos portugueses no Serviço Nacional de Saúde (SNS). As conclusões são do Índice de Saúde Sustentável 2024/25, da autoria da NOVA-IMS, que mostra estabilidade na confiança dos doentes com os cuidados prestados com taxas acima dos 80 pontos — exceção feita ao atendimento em urgências, que não vai além dos 71,8. “Apesar de todas as críticas que alguns opinadores teimam em repetir, o SNS continua a cumprir a sua missão e a produzir mais”, apontou a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, na apresentação do estudo esta semana.
Depois de repetidas declarações no espaço político sobre “caos” e “colapso” no serviço público de saúde, os números do estudo parecem contrariar o cenário negro que, nos últimos anos, se tem pintado sobre o SNS, da esquerda à direita. No entanto, se a relação dos cidadãos com o SNS continua de boa saúde, o Índice divulgado esta semana volta a alertar para uma redução da produtividade e, em particular, do rácio entre o número de doentes tratados e a despesa (mais dados na coluna ao lado). “Este é o principal, senão o quase exclusivo fator que tem marcado a queda do índice de sustentabilidade nos últimos anos”, justifica Pedro Simões Coelho.
O coordenador do estudo e professor da NOVA-IMS refere-se ao número de doentes tratados por milhão de euros gasto, uma equação em terreno negativo desde 2018 e com agravamento no ano da pandemia — de 281 doentes, em 2018, para 185 doentes, em 2024. Miguel Guimarães, antigo bastonário da Ordem dos Médicos e atual deputado do PSD, pede uma “gestão mais eficiente” e sugere o regresso às parcerias público-privadas, mas também alguma ‘contenção’ na utilização dos serviços. “Temos a acorrer aos serviços de urgência cerca de 40% das pessoas que não deviam recorrer à urgência. Isto é difícil de alterar”, considera.
O ex-ministro da Saúde, Manuel Pizarro, prefere falar em “integração” dos diferentes serviços, melhor articulação e, sobretudo, num modelo que incentive a promoção da saúde. “Temos de encontrar um modelo de financiamento que induza a melhoria da qualidade dos cuidados”, aponta, sugerindo “incentivos às equipas de gestão”. Lembrando a “imoralidade” de casos como o do dermatologista de Santa Maria, que embolsou mais de 400 mil em dez dias de trabalho extra, alerta que não se deve confundir a validade dos incentivos com abusos pontuais.
“Acho que o grande desafio no SNS tem a ver com a prevenção. O problema é que temos os nossos recursos muito absorvidos pelo tratamento”, analisa Pedro Simões Coelho, que vê na inovação tecnológica uma potencial resposta. O papel da inteligência artificial (IA) na saúde foi, aliás, a novidade no Índice deste ano e os resultados, diz, foram “surpreendentes”.
Apesar de 38% dos inquiridos admitir ter um conhecimento “limitado” sobre a tecnologia, 59% consideram que a IA poderá ter impacto positivo no sector e 46% não hesitam em confiar na sua aplicação na prestação de cuidados. “Criámos a primeira tecnologia no mundo que deteta cancro das vias biliares”, exemplifica Miguel Mascarenhas, professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Para o perito, é importante que o país aposte mais nesta área e seja capaz de criar instrumentos para se manter na crista da onda da inovação.
FRASES DA CONFERÊNCIA
“A inteligência artificial tem um potencial enorme na avaliação de tecnologias de saúde, mas é preciso preparar o sistema”
Rui Santos Ivo
Presidente do Infarmed
“O tema da produtividade em saúde é importante, mas o objetivo do sistema não é produzir. É promover a saúde”
Manuel Pizarro
Ex-ministro da Saúde
“O juízo e as perceções dos portugueses não são as dos comentadores e da bolha mediática. Os juízos são positivos na qualidade percecionada”
Marcelo Rebelo de Sousa
Presidente da República
Outras conclusões do estudo
Em queda desde 2018 (contando o efeito da pandemia em 2020), o Índice de Sustentabilidade em Saúde atingiu, em 2024, o valor mais baixo desde o início do estudo em 2014: 79,9 pontos.
A eficácia global do SNS, cujos valores oscilam anualmente de forma moderada, atingiram nesta edição 70,9 pontos. É o pior resultado desde 2019
Facilidade de acesso e os tempos de espera são as duas áreas críticas para atuação do Governo, recomenda o estudo da NOVA-IMS
A despesa é o indicador que regista maior aumento, em especial quando comparados os resultados de 2018 com os de 2024. Segundo os investigadores, subiu de €10,07 mil milhões para €15,55 mil milhões.