A incansável luta contra a “doença” chamada burocracia
A conferência final do projeto Portugal Export +60’30 decorreu no terminal de cruzeiros do Porto de Leixões, em Matosinhos
Empresas. Pedir apoios ao Governo vale pouco quando o maior problema é o tempo que demora a obter uma licença. Tempo que é crucial para quem procura crescer cá dentro e lá fora, mais ainda no “meio de uma catástrofe geopolítica”
Lá fora está um caos: há três conflitos armados em curso, com promessas de cessar-fogo provisórios, e há uma guerra comercial em potência se os Estados Unidos da América avançarem com o aumento das tarifas sobre os produtos importados da Europa. “Tudo agora é imprevisível”, repara Lurdes Fonseca, economista chefe da Associação Empresarial de Portugal (AEP). E “a incerteza é muito penalizadora das empresas”, acrescenta Carlos Andrade, economista chefe do Novo Banco.
Mas para os empresários portugueses o que lhes continua a tirar o sono é a incerteza e a imprevisibilidade que têm cá dentro. “Estou desde 2017 para fazer uma fábrica nova e só agora é que a vou fazer. Não é normal perder três anos à espera de uma licença. Não é normal estar 30% a 40% do nosso tempo a lidar com burocracias”, repara Modesto Araújo, CEO da Vizelpas, uma fabricante de filmes plásticos para as indústrias alimentar e médico-cirúrgica.
Carlos Tavares, ex-CEO da Stellantis, não é meigo nos comentários que tece à burocracia, porque também a sente na pele. “Sou exportador de vinho do Porto, acabo de exportar para a China, através do Porto de Leixões, a minha primeira encomenda e levei sete meses a tratar da papelada. Sete meses!” “É a nossa fraqueza”, continua: “Uma doença profunda que nos está a levar à exaustão.”
Aliás, é o que impede Portugal de ser mais produtivo e uma das causas para a economia continuar a crescer apenas cerca de 1% ao ano. “A criação de riqueza cresce logo quando mais de metade das tarefas diárias deixam de ser burocráticas e tecnocráticas”, sublinha Carlos Tavares. Porque com o resto, como as tarifas de Trump, os portugueses conseguem lidar “pela capacidade de adaptação, de gerir incógnitas, de sermos abertos à diferença”, acrescenta. E há exemplos disso. “Deixámos o mercado dos EUA em 2023, quando percebemos que o Trump podia ganhar, porque ele é um protecionista. Aliás, já havia algum protecionismo antes das tarifas, quando o custo dos transportes aumentou e enviar um contentor para os EUA custava três mil dólares e um ano depois já custava 12 mil”, conta Modesto Araújo. Claro que depois foi preciso procurar alternativas e a Vizelpas diz poder “dar-se ao luxo de exportar para qualquer mercado”, mas não será assim para todas as empresas, daí que Carlos Tavares e Lurdes Fonseca alertem para que haja uma diversificação logo desde o início. E se não foi já feita, então terá de ser feita agora, porque os EUA estão a fechar-se e a Europa está perdida em procedimentos e regulação, considera Miguel Pinto, presidente da Mobinov, a Associação do Cluster Automóvel e da Mobilidade.
Lurdes Fonseca salienta que esta diversificação é crucial para que Portugal possa atingir o objetivo de ter as exportações a valer 60% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2030, mas alerta que não deve ser apenas nos mercados, mas também no produto exportado. “Devemos continuar a crescer no turismo de qualidade, mas temos de crescer mais nas outras fontes de criação de riqueza a um ritmo maior que o turismo”, argumenta Carlos Tavares. Principalmente na exportação de bens e de bens de alta tecnologia e de valor acrescentado, completa Lurdes Fonseca.
A Riopele é um exemplo. A empresa têxtil tem o seu foco na moda, mas é a fornecedora das fardas de combate e de guarnição (dia a dia) das Forças Armadas portuguesas, e por isso pode ser uma das beneficiárias do reforço do investimento na Defesa anunciado na Europa. “É uma oportunidade de criar um cluster têxtil em Portugal, não só para vestuário, mas também para tendas ou sacos”, diz Albertina Reis, responsável de investigação e desenvolvimento. E é uma oportunidade para, “no meio da catástrofe geopolítica”, desenvolver a indústria portuguesa, nota Lurdes Fonseca. Mas o Estado tem de ter um papel nisso, não comprando tudo lá fora, vinca Fernando Cunha, CEO da BeyondComposite, fabricante de proteções balísticas para tanques, navios ou capacetes. Além disso, tem de garantir que a contratação pública — que pode demorar um ano ou mais — seja mais célere.
E voltamos ao início. À burocracia. “O chamado imposto oculto”, como recorda Luís Miguel Ribeiro, presidente da AEP. “Podemos pedir mais aos Governos, mais ajuda, mais apoios, mais, mais, mais. Mas se, ao mesmo tempo, alguém estiver a puxar pelo travão de mão cada vez com mais força, estamos a criar entropia”, remata Carlos Tavares.
soluções para crescer
“A estratégia é encontrar nichos de mercado e criar valor no produto. O preço não é opção”
Cláudia Vasconcelos
Country manager da Coface
“A Dinamarca tem a Maersk e a Lego. A Suécia tem a Ikea. Nós temos o CR7. Não temos nenhuma empresa reconhecida”
Luís Ribeiro
Administrador do Novo Banco
“É fantástico ir a locais muito remotos e reconhecerem Portugal por marcas ligadas ao futebol. Mas não chega”
Daniel Redondo
CEO da Licor Beirão
Estado das exportações
5,2%
foi a proporção de exportações de alta tecnologia em Portugal em 2022, o que compara com os 17,3% de média da UE. Em 2023, a proporção foi de 5,1% e, em 2024, de 5%
46,5%
foi o peso das exportações no PIB em 2024, longe dos 50% atingidos em 2022 e que motivaram o objetivo de 60% em 2030. No primeiro trimestre de 2025 valeram 45,6%
15
são os países que recebem 80% das exportações nacionais. Alemanha, França, Espanha e EUA são o top 4 e os dois primeiros não devem ter crescimento económico este ano