Cultivo precisa de mais ‘canivetes suíços’ para inovar
A agricultura já não é só enxada. São usados cada vez mais drones, sistemas avançados de rega e máquinas com tecnologia de ponta
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Transformação. Aposta em novas tecnologias e robôs, produtos e serviços é sinónimo de competitividade, mas o futuro ainda não está ao alcance de todos no sector agrícola. Mais apoio e incentivo a jovens agricultores podem ser parte da resposta
Apesar de dificuldades crónicas — como a rentabilidade das explorações, a concorrência de países extracomunitários, a falta capacidade de investimento e juventude a trabalhar a terra — a agricultura portuguesa tem vivido anos de crescimento e transformação. Veja-se o caso das frutas, legumes e flores, que em 2024 aumentaram as exportações em 7,5% para €2.500 milhões, o valor mais alto de sempre; ou ainda dos vinhos, cujas vendas ao exterior alcançaram €965 milhões e crescimento de 4,46%.
Há, porém, um desafio: é preciso inovar. “O sector tem muita vontade” de o fazer, garante Filipe Neves Santos, que tem dado o seu contributo há vários anos como investigador no INESC TEC, mas também como responsável pelo TRIBE Lab. Foi ali, naquele grupo dedicado de robótica e IoT aplicada à agricultura, que nasceu uma família de robôs prontos a apoiar os agricultores em diferentes tarefas.
Um deles é o Modular-E, que valeu à equipa o Prémio Inovação Agricultura 2024 (mais informação sobre a versão 2025 na caixa ao lado), no valor de €10 mil. Trata-se de um robô agrícola leve e modular, especialmente desenhado para as pequenas vinhas de montanha. “Acaba por ser o ‘canivete suíço’ dos vitivinicultores”, explica Filipe Neves Santos. A máquina pode desempenhar várias operações, como limpeza, pulverização e fertilização. Além disso, é adaptável e pesa apenas 700 kg, o que permite que seja transportado de forma fácil numa carrinha.
Adeus ao trabalho de sol a sol
Entretanto, o novo membro da família de ferramentas tecnológicas é o Modular-X, desenvolvido especificamente para ajudar na seleção de varas — essencial para escolher os rebentos dominantes que mais tarde serão árvores. “É um projeto de cerca de €4 milhões. Para o INESC TEC, diretamente, estamos a falar à volta de €1,5 milhões”, aponta Filipe Neves Santos. O objetivo destes robôs modulares é transferir a tecnologia para o mercado e torná-la mais acessível aos agricultores, que ao longo dos anos têm vindo a adotar a inovação de várias formas.
“Há que abandonar a ideia de que o agricultor é aquele homem com a enxada e ao sol, de manhã à noite”, defende Henrique Silvestre Ferreira. O presidente da AJAP — Associação de Jovens Agricultores de Portugal lembra que na agricultura são agora usados drones, sistemas avançados de rega e máquinas com tecnologia de ponta. “Hoje temos a possibilidade de regar a partir dos telemóveis”, exemplifica.
De facto, segundo dados do Inquérito à Estrutura das Explorações Agrícolas de 2023, publicado em dezembro pelo INE, a adoção de sistemas de rega localizada está presente na esmagadora maioria das culturas permanentes (96,8%). E nem só de tecnologia se faz a inovação que lavra os campos, também as novas práticas, mais modernas e sustentáveis, são uma realidade em território nacional. Veja-se, por exemplo, o número de explorações certificadas em modo de produção biológico, que triplicou entre 2019 e 2023, num total de 693 mil hectares — cerca de 18% da superfície agrícola nacional.
O sector enfrenta, no entanto, um “grave problema” no que diz respeito à idade média dos agricultores, que em Portugal é de 64 anos, consideravelmente superior à média de 58 anos registada na União Europeia. “Se o sector não rejuvenescer, é um grande problema para o país”, acredita Henrique Silvestre Ferreira. É por isso que a associação que lidera se tem batido pelo aumento dos apoios aos jovens agricultores, entretanto aumentados pelo Governo — são agora de €50 mil para a primeira instalação agrícola e apoio ao financiamento de projetos até €500 mil.
A AJAP quer, ainda assim, ir mais longe e criar a figura do Jovem Empresário Rural, um rótulo que abrange as atividades do interior que integram o ecossistema agrícola. “Todos os jovens do interior têm de ser apoiados. Há que fixá-los. O interior tem de ser visto com outros olhos”, sublinha.
Filipe Neves Santos sabe que “é difícil um agricultor comprar uma máquina que não pode conduzir e que não vê como um trator”, e é por isso que o plano do projeto que lidera é disponibilizar, através das empresas parceiras, os robôs de duas maneiras: compra ou aluguer. “É um robô como serviço”, resume.
A ligação da inovação à produtividade é clara e traduz-se em ganhos concretos. Um estudo recente focado nas explorações leiteiras na Irlanda conclui que os agricultores inovadores são, em média, 4,7% mais produtivos do que os restantes, o que permite maior eficiência e melhores resultados.
Num relatório sobre avaliação e monitorização de políticas agrícolas, a OCDE mostra que menos de 3% dos apoios públicos à agricultura são para sistemas de inovação e recomenda maior investimento nesta área. O Prémio Inovação Agricultura 2025 quer precisamente apoiar novas ideias. “Se os agricultores não seguem a nova tecnologia, o que vai acontecer é que vão ficando para trás”, remata Henrique Silvestre Ferreira.
O QUE É O PRÉMIO
CATEGORIAS
Projetos de I&D e inovação em agronomia ou produção animal, com aplicação prática no terreno. São valorizadas soluções ligadas a técnicas agrícolas, digitalização, economia circular, energia ou novos modelos de negócio.
QUEM SE PODE CANDIDATAR
Agricultores, sociedades agrícolas, universidades, institutos de investigação ou empresas em nome individual ou em parceria.
INSCRIÇÕES
Pode submeter a sua proposta até 15 de julho, através do formulário online disponível aqui
APOIO
Serão atribuídos €10 mil para o melhor projeto, avaliado pelo grau de inovação (30%), transferência de conhecimento (30%) e impacto na sustentabilidade (40%). Os resultados são conhecidos no último trimestre do ano.