
Estudo. Os homens vivem menos, procuram menos os cuidados de saúde e ignoram sintomas durante demasiado tempo. Especialistas pedem mais atenção a questões sociais, económicas e culturais que prejudicam a prevenção
Estudo. Os homens vivem menos, procuram menos os cuidados de saúde e ignoram sintomas durante demasiado tempo. Especialistas pedem mais atenção a questões sociais, económicas e culturais que prejudicam a prevenção
Francisco de Almeida Fernandes
Jornalista
Há muito que se sabe: os homens vivem em média 5,4 anos menos do que as mulheres. Agora, o estudo da GfK Metris para o Expresso sobre “A Saúde do Homem” vem ajudar a explicar parte dessa realidade. De acordo com os dados, eles “recorrem menos aos cuidados de saúde primários” e fazem-no “apenas em situações de doença aguda”. A consequência é clara: diagnósticos tardios, maior taxa de hospitalização e mortalidade precoce.
Entre os inquiridos (homens e mulheres com mais de 45 anos), apenas 57% dizem recorrer ao centro de saúde quando precisam de cuidados médicos e, embora 86% tenham médico de família, muitos não o consultam regularmente. Os números agora divulgados mostram que os auscultados se preocupam com o estado de saúde do seu parceiro, sobretudo pelos seus antecedentes familiares (41%) ou pela idade (32%). Na lista surgem ainda o tabagismo e a falta de vontade do parceiro em ir ao médico, dois fatores de preocupação mais comuns nas mulheres (25% versus 19%).
O padrão que o estudo português revela não é isolado. Uma investigação recente publicada na revista PLOS Medicine, coordenada por Angela Chang da Universidade do Sul da Dinamarca, analisou dados de mais de 200 países e concluiu que os homens, apesar de apresentarem taxas mais elevadas de doenças como hipertensão, diabetes e VIH/sida, são “menos propensos a procurar ou receber cuidados médicos. Sem dados desagregados por sexo, estamos a voar às cegas — incapazes de detetar quem está a cair pelas falhas do sistema de saúde”, alerta a autora. Para a especialista em medicina geral e familiar Paula Broeiro, o retrato confirma-se dentro do seu consultório. “Os homens fumam mais, bebem mais, comem menos vegetais e utilizam mal os serviços. Muitas vezes só os procuram quando estão doentes”, afirma. Por norma, só depois de “sustos” de saúde, em especial “do foro cardiovascular ou oncológico”, é que procuram seguimento médico.
A dificuldade em reconhecer sintomas ou agir preventivamente está também ligada à literacia em saúde — ou à falta dela. Cristina Vaz de Almeida, presidente da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde (SPLS), não tem dúvidas de que “os homens têm mais dificuldade em aceder, compreender e usar os recursos de saúde”. Por outro lado, considera que existe “um modelo de masculinidade que associa a doença à fraqueza” e dificulta a prevenção. Vaz de Almeida lembra que as “questões socioeconómicas e culturais” são um desafio que se reflete, por exemplo, na fraca adesão a exames. Em algumas comunidades, por crenças religiosas ou culturais, há “muitas restrições” à realização de rastreios como o do cancro colorretal — aquele que, segundo o estudo, mais preocupa os portugueses, logo seguido do pâncreas e do pulmão. Para superar essas barreiras, a presidente da SPLS diz ser importante convocar líderes de opinião e, em comunidades específicas, “os pastores das igrejas para convencer estes homens a fazer o rastreio”.
O estudo mostra que apenas 8% dos inquiridos foram ao médico por influência de campanhas de saúde. “As campanhas não têm sido desenhadas com base nos princípios da literacia em saúde — clareza, simplicidade, linguagem acessível. Precisamos de campanhas mais bem feitas, com testemunhos reais e figuras que os homens admirem e em quem confiem”, insiste. Se é verdade que importa sensibilizar aqueles que têm hoje mais de 50 anos, Paula Broeiro aponta a mira aos futuros adultos como prioridade. “É importante capacitar as crianças para comportamentos saudáveis, que se reflitam depois na vida adulta”, sugere. O objetivo, diz, é quebrar o atual padrão e evitar que os homens só procurem um consultório em situação de doença aguda. “E quando isso acontece, são até bastante cumpridores”, reconhece. Mas, às vezes, já é tarde demais.
outros números do inquérito
81%
das pessoas já tiveram uma doença, dessas, 35% dizem que isso não fez com que tivessem mais cuidados com a saúde
39%
é a percentagem de portugueses com um familiar que já teve ou tem algum tipo de cancro
73%
recorrem ao médico como principal fonte de informação sobre saúde, logo seguido dos motores de busca (54%) e farmacêuticos (47%)
52%
dos homens nunca adiaram uma consulta ou tratamentos por falta de dinheiro
O QUE É O PROJETO
“A Saúde do Homem” tem por base dois inquéritos: um geral (sobre as doenças que preocupam os portugueses) e outro mais específico (sobre as doenças dos homens). Foram realizadas 800 entrevistas online.
Para debater a saúde dos homens, olhando para todos os parâmetros, o Expresso organiza no próximo dia 26 de junho, quinta-feira, uma conferência com vários experts, no Edifício Impresa, em Paço de Arcos.
Entre finais de maio e final de junho, entrevistamos 20 embaixadores do projeto — médicos, figuras públicas e especialistas em saúde. Publicaremos online 10 vídeos e 10 minientrevistas dos peritos.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt