De amêijoas a insetos se faz o alimento sustentável
Ameijoas
Crispin La Valiente/Getty Images
Produção. O aumento populacional estimado pela ONU faz antever desafios mundiais difíceis, conciliando alimentação e natureza. Mas os fundos comunitários já impulsionam ideias para criar uma indústria sustentável — mesmo em Portugal
A indústria alimentar é responsável por 30% do consumo energético mundial e 22% das emissões dos gases com efeito de estufa (GEE), de acordo com os dados mais recentes da ONU. De forma a garantir a segurança alimentar e a proteção do ambiente, a União Europeia (UE) tem feito esforços para se alinhar com um sistema alimentar sustentável. Através dos fundos comunitários, há projetos nacionais que já ajudam a atingir o objetivo.
Um dos sectores cruciais para alcançar esta meta é o da pesca, que em larga escala degrada os ecossistemas marinhos. A empresa Oceano Fresco mudou este paradigma ao produzir amêijoas “como a natureza” no primeiro viveiro em mar aberto no país. “Conseguimos produzir comida e regenerar a natureza”, diz Bernardo Ferreira de Carvalho, fundador e CEO. As amêijoas capturaram o dióxido de carbono nas suas conchas, o que filtra e melhora a qualidade da água, além de não precisarem ração ou antibióticos. Para desenvolver esta ideia, a empresa foi apoiada por programas nacionais, através dos quais recebeu também o apoio de fundos europeus.
Em 2022, a produção de pescado atingiu mais de 223 milhões de toneladas, sendo que 89% se destinou ao consumo humano, segundo a ONU. Uma das apostas para contrariar esta tendência pode ser a melhoria da nutrição do pescado em viveiro para “otimizar o impacto ambiental e o custo na nossa dieta”, explica Belmira Neto, docente da Universidade do Porto responsável pelo curso “Sustentabilidade da Produção e do Consumo Alimentar”. Uma estratégia semelhante à adotada pela Oceano Fresco, que adequa a genética dos bivalves para aumentar a sua taxa de sobrevivência, reduzindo o desperdício.
Outro sector relevante é a agricultura, responsável por quase 11% das emissões dos GEE, segundo a UE. “Pode fazer-se uma produção agrícola com níveis de impacto ambiental mais baixos, recorrendo, por exemplo, a uma certificação da produção integrada”. Trata-se de um sistema de produção de alta qualidade, através da gestão racional dos recursos, explica a docente.
O projeto FermentedVegAlgae, apoiado pelo Compete 2020 e pelo FEDER, criou um molho chucrute através da fermentação de vegetais desperdiçados. Foi “a inovação atrelada à sustentabilidade”, afirma Maria Ramos, gestora de projetos da Casa Mendes Gonçalves, empresa líder da iniciativa em conjunto com a Sonae e o Instituto Superior de Agronomia.
“O processo produtivo da carne e outros derivados não é muito sustentável, então optámos por uma forma mais sustentável de introduzir proteínas”, diz. Para tal, investigaram ainda o uso de macroalgas, um “resíduo marinho”, para criar mais alimentos.
As algas são um alimento do futuro ecológico, assim como os insetos. “Comparativamente ao bife de vaca, não há dúvidas de que os insetos são mais sustentáveis”, explica Belmira Neto, que acredita que será uma opção e não uma “dieta exclusiva”.
A empresa The Cricket Farming, que participa em duas agendas do PRR para criar cadeias de valor com insetos, desenvolve farinhas proteicas à base de grilos para incluir na alimentação humana. “A sustentabilidade é um dos pilares”, anota José Gonçalves, cofundador e CEO, explicando que utiliza desperdícios da cadeia agroalimentar para alimentar os grilos, convertendo-os em “biomassa proteica para utilização como um ingrediente novamente na cadeia alimentar humana”.
O objetivo é enriquecer nutricionalmente os alimentos através dos grilos para dar “resposta às necessidades do mercado de uma forma eficiente e sustentável”. Para tornar o processo ainda mais circular, utilizam os subprodutos gerados na produção como fertilizantes orgânicos para a agricultura.
Se se confirmar a estimativa da ONU de que a população vai atingir os nove mil milhões em 2050, a produção alimentar terá de aumentar ainda em 70%. Os apoios dados por fundos da UE podem ter um “papel essencial” no alcance desta meta de forma sustentável, admite Belmira Neto. Mas, alerta, o financiamento “poderia ser muito maior”: “A indústria está a inovar”, sendo que “vamos ter de repensar como comemos e o que comemos”, diz ainda Belmira Neto.
Do ambiente à competitividade, projetos que constroem o nosso futuro
PROJETO NUTRISAFELAB
Pastelaria O projeto desenvolvido pelo Grupo Celeste e pela Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa e financiado pelo Compete 2020 reinventou as receitas da pastelaria e panificação. O objetivo era melhorar o perfil nutricional e funcional do pastel de nata, do pão de deus, do croissant e do bico de pato, para que o consumidor beneficiasse de uma alternativa saudável nos momentos de gula. No caso da massa brioche substituíram os aditivos e corantes sintéticos por alternativas naturais, enquanto na massa folhada diminuíram o teor de gordura em cerca de metade, o que reduziu as calorias. Com um paladar e aspetos semelhantes, desenvolveram os famosos produtos de pastelaria com rótulos mais simples e mais saudáveis.
PROJETO HIJIFFY
Hotéis A iniciativa desenvolvida pela empresa HiJiffy e apoiada pelo programa Alentejo 2020 criou um sistema de inteligência artificial próprio e patenteado para comunicar de forma rápida e personalizada com os hóspedes. O objetivo era oferecer uma solução de “alfaiate” para mediar a comunicação entre os hóspedes e o alojamento turístico e que fizesse a interligação entre as várias plataformas, desde redes sociais a sites de reservas. O assistente virtual Aplysia, que reconhece as emoções presentes nas mensagens, é capaz de responder a dúvidas, ajudar nas reservas, enviar mensagens de boas-vindas e até tratar automaticamente de pedidos durante a estadia. Atualmente, está implementado em mais de 2100 hotéis em mais de 60 países, abrangendo hotéis, alojamentos locais, hostels e até glamping.
PROJETO 360WASTE+
Lixo O projeto desenvolvido pela EVOX Technologies em conjunto com a Valnor e o Instituto Politécnico de Castelo Branco foi apoiado pelo Compete 2020 para inovar e otimizar a gestão dos resíduos. É frequente o lixo ser recolhido em dias fixos, sem considerar o nível de enchimento do contentor, por isso, a solução desenvolvida criou um sistema para agendar a recolha consoante a quantidade de resíduos em cada contentor. Esta tecnologia aplica-se a vários tipos de resíduos, como urbanos, hospitalares ou até monos, e adequa-se a diferentes empresas. A ideia, já implementada em vários municípios e empresas, reduziu a distância percorrida pela viatura em quase 30% e o tempo da recolha em uma hora, enquanto a quantidade de lixo recolhida aumentava em 35%.