(Des)ordenamento à volta do novo aeroporto

Arquitetos e engenheiros defendem que a envolvente precisa de um plano regional e de medidas preventivas que impeçam a especulação. Mas, desde o anúncio da obra, o Governo não deu nenhuma ordem para avançar
Arquitetos e engenheiros defendem que a envolvente precisa de um plano regional e de medidas preventivas que impeçam a especulação. Mas, desde o anúncio da obra, o Governo não deu nenhuma ordem para avançar
Jornalista
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A construção de um aeroporto não se esgota na infraestrutura em si. Há a chamada cidade aeroportuária e há depois tudo o que surge nas regiões envolventes, como hotéis, armazéns, escritórios, habitação ou plataformas logísticas. Atividades económicas cujo “peso nas receitas dos gestores dos aeroportos chega a ser de 50%”, repara o arquiteto Manuel Salgado. Por isso, defende, é necessário um plano que diga onde, como e o que se pode e não pode construir nas áreas envolventes.
Em Portugal, esse documento chama-se Plano Regional de Ordenamento do Território (PROT) e já existe para a Área Metropolitana de Lisboa — onde, se o novo Governo não fizer alterações, será construído um novo aeroporto. Contudo, este plano é de 2022 e no quase um ano que passou desde que foi aprovado o campo de tiro de Alcochete como local para edificar aquela estrutura, o Governo não deu qualquer ordem para que se fizesse essa revisão. “Conversas sim, ordem não. Não houve nenhuma resolução para a revisão do PROT”, diz Teresa Almeida, presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT), a entidade pública encarregue.
E não foi por não saber a urgência de avançar com esse processo. “Na avaliação que fizemos deixámos escrito, por várias vezes e em vários pontos do relatório, que é necessário usar diversas figuras de planeamento para definir e gerir o que deve ser a ocupação em torno do aeroporto. Todos os municípios ali têm Planos Diretores Municipais (PDM), mas falta um plano regional, um plano agregador”, repara Maria do Rosário Partidário, coordenadora geral da Comissão Técnica Independente criada para estudar as localizações para o novo aeroporto.
A importância deste plano ficou clara nas diferentes opiniões dos quatro intervenientes que debateram o tema no Congresso dos 50 anos da Associação Portuguesa de Projetistas e Consultores (APPC). Por exemplo, para Maria do Rosário Partidário, o novo aeroporto é uma oportunidade para desenvolver as zonas de Samora Correia e Benavente. Manuel Salgado defende que essas áreas “podem servir para resolver o problema de habitação”, mas que “a concentração de serviços [incluindo a futura estação ferroviária Lisboa-Sul] podia ser na zona do Pinhal Novo, para abranger toda a península de Setúbal” que, historicamente, perdeu relevância face à margem norte. Já Carlos Fernandes, vice-presidente da Infraestruturas de Portugal (IP), entende que a linha de alta velocidade deve “passar dentro do novo aeroporto ou muito perto” e que deve estar ligada aos restantes serviços, incluindo regionais.
Contudo, todos concordam num ponto: na urgência de impor medidas preventivas “para não deixar os terrenos à mercê das promotoras imobiliárias”, afirma Manuel Salgado, e evitar a sobrevalorização desses terrenos. “É algo absolutamente obrigatório. Essa valorização fictícia impede que haja uma utilização real”, repara Teresa Almeida.
Outro ponto em que todos concordam é na criação de uma espécie de Parque Expo, a entidade que geriu a construção da Expo-98 e que tinha um regime especial que lhe permitia fazer aprovações e licenciamentos mais rápidos. Diz Carlos Fernandes: “Os licenciamentos são o principal problema deste país.” E dá um exemplo: “Temos [a IP] autorização para expropriar casas, mas se temos cinco sobreiros precisamos de uma autorização especial de dois ministros diferentes [para os cortar], o que pode demorar um ano.” “Há um edifício burocrático que precisamos de desmontar. O sobreiro vai ser cortado de qualquer forma e a burocracia não está a defendê-lo. Governo a governo vai-se aumentando a burocracia sem proteger o sobreiro nem as instituições”, acrescenta Maria do Rosário Partidário.
Carlos Fernandes entende mesmo que os licenciamentos são um problema ainda maior que o Código dos Contratos Públicos (CCP) que foi fortemente criticado e considerado um entrave às obras públicas, como o novo aeroporto. Também aqui há regras que tendem a provocar litígios ou a obrigar à intervenção do Tribunal de Contas, atrasando as contratações ou deixando obras paradas. E, numa altura em que o dinheiro disponível tende a ser direcionado para a Defesa por questões geopolíticas, diz Luís Amado, presidente do congresso, Portugal não pode dar-se ao luxo de perder os fundos europeus acordados, avisa Pedro Siza Vieira, advogado e ex-ministro da Economia. Mais, “se temos o grande cliente deste sector [o Estado] a desencorajar, nunca vamos ter empresas a ganhar escala, nunca vamos ser competitivos lá fora”.
O CCP E AS ALTERAÇÕES
476
é o número de artigos que compõem o atual Código dos Contratos Públicos (CCP)
24
foram as alterações feitas ao CCP em 17 anos, ou seja, desde que foi aprovado
0
é um valor admissível nas ofertas dos concorrentes a uma obra pública, segundo o CCP
1964
foi a primeira vez que a margem sul surgiu como opção para o novo aeroporto de Lisboa
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