Num ano em que a incerteza económica domina e a instabilidade promete ter o habitual impacto nas camadas mais fragilizadas da população, continua a caber às associações de solidariedade uma parte de leão na proteção social
Em resposta à pergunta do título: é a força de apoio contínuo das cerca de 74 mil entidades que compõem o sector social e cujos trabalhadores representam — segundo a Cooperativa António Sérgio para a Economia Social (CASES) e o Instituto Nacional de Estatística — perto de 5,9% do emprego total, e 3,2% do VAB (Valor Acrescentado Bruto) português, o que equivale a mais de €5,5 mil milhões, de acordo com os últimos dados.
“Os desafios mais relevantes podem advir do agravamento da conjuntura mundial com impacto nacional, que podem criar novas condicionalidades negativas nos planos económico e social”, resume o presidente da CASES, Eduardo Graça. Entre uma situação global instável e as convulsões da política portuguesa, 900 mil pessoas empregadas estão em situação de pobreza absoluta, de acordo com o relatório intercalar “Portugal, Balanço Social 2024”, ao passo que a Fundação Francisco Manuel dos Santos aponta que, em 2024, 2,1 milhões de pessoas (19,7% da população) encontravam-se em situação de pobreza ou de exclusão social. Já segundo o estudo “Tendências recentes da pobreza e da privação em Portugal”, a taxa de risco de pobreza em 2023 seria de 40,3% sem as transferências sociais do Estado.
Dignidade de vida
“Portugal detém um sector social forte e disseminado, que tem de continuar a ser reconhecido, respeitado e apoiado, garantindo-lhe sustentabilidade financeira, pois de outra forma a proteção social dos cidadãos mais necessitados fica sem resposta”, aponta Eduardo Graça, com a certeza de que há “potencial para garantir a qualidade e dignidade de vida para muitos cidadãos que apenas nestas instituições encontram o apoio a que têm direito”. Para o presidente da CASES, o “maior desafio do sector social é o da sustentabilidade”, uma vez que como resultado de “prestar os serviços que o Estado nelas delega, por contratualização através de acordos de cooperação, coloca-se, de forma recorrente, a questão do justo e adequado valor da comparticipação para assegurar os serviços”. Na sua opinião, “todos ganharemos com a criação de um novo quadro legal que elimine, ou atenue, a incerteza no financiamento às IPPS [Instituições Particulares de Solidariedade Social]”.
Sílvia Ferreira, do Centro de Estudos Cooperativos e da Economia Social da Universidade de Coimbra, não tem dúvidas que o “o apoio ao sector social” deve assumir-se como “um dos pilares fundamentais de coesão social na sociedade portuguesa”. Para a investigadora, “desde a Grande Recessão, as sociedades da Europa do Sul evidenciaram as suas debilidades e divergências em relação aos países europeus mais desenvolvidos”, pelo que, “em 2025, estamos numa encruzilhada, com indícios de uma reorientação da relevância dos pilares social e ambiental para o pilar da segurança”. Ou seja, “perante a pressão para o aumento das despesas militares e para a desregulamentação/regressão nos campos ambiental e digital, existe um risco significativo de travagem do caminho traçado pela Europa nos anos anteriores, e de desinvestimento nas políticas e serviços sociais que demonstraram ser tão fundamentais em tempos de crise”. A apreensão de Sílvia Ferreira é que “tendo em conta a dependência [portuguesa] das políticas e fundos europeus”, não está “otimista relativamente ao futuro do sector social, especialmente no que se refere à parceria público-social no campo do investimento social”. Sem “deixar de assinalar” o que considera “a quase ausência, no debate político e mediático, do sector social e da economia social”. Com as consequências que isso tem.
“Se é verdade que o número de pobres desceu quase 1 milhão nas últimas duas décadas, a realidade mantém-se num patamar de risco acentuado”, alerta André Rica, presidente da direção da EMDIIP — Equipa Móvel de Desenvolvimento Infantil, associação que foi uma das vencedoras da edição 2024 dos Prémios BPI Fundação “la Caixa”. “É preciso que fique bem patente que o Estado social em Portugal vive da força das instituições de solidariedade social, das misericórdias e das mutualistas”, reforça o responsável, para quem, com “esta visão de um Estado social a ser reduzido por novas políticas orçamentais, sobrará cada vez menos para proteger os mais desprotegidos”. A realidade é que as “instituições sociais, que recebem pouco mais de 40% de apoios do Estado para a sua atividade; viverão nos próximos tempos uma era de constrangimentos muito significativos”. Mas não se enganem: ainda há força para o terceiro sector ser “a derradeira defesa contra a indignidade, e a armadura protetora, na luta contra a pobreza”.
AS quatro CATEGORIAS DO PROJETO QUE JÁ DEU €35 MILHÕES A QUEM NECESSITA
Infância
Reconhece projetos que apoiam as crianças em situação de fragilidade económica e que têm a unidade familiar como centro do processo de mudança
● Entre 2019 e 2024, já foram premiados 194 projetos no valor de €6,4 milhões, para benefício de mais 44.500 pessoas.
● Candidaturas para 2025 fecharam a 10 de março.
Solidário
A inclusão de pessoas socialmente excluídas, sobretudo as que se encontram num estado de vulnerabilidade extrema, é o foco
● Desde 2016 até 2024, apoiou 208 projetos no valor de €7,6 milhões, com impacto direto em mais de 40.750 pessoas em situação de vulnerabilidade.
● Candidaturas para 2025 abertas até 7 de abril.
Seniores
O seu objetivo é promover iniciativas que incentivem a autonomia pessoal e o bem-estar de todos aqueles acima dos 65 anos
● Entre 2013 e 2024 foram premiados 365 projetos num total de €10,3 milhões, atingindo mais de 74.500 seniores.
● Candidaturas para 2025 abrem a 8 de abril e fecham a 12 de maio.
Capacitar
Pretende a melhoria da qualidade de vida e a autonomia das pessoas com deficiências ou doenças mentais, entre outras, assim como das suas famílias
● Desde o lançamento em 2010 até 2024 foram reconhecidos 335 projetos no valor de €10,9 milhões, o que permitiu ajudar mais de 51.500 pessoas.
● Candidaturas para 2025 abrem a 13 de maio e fecham a 16 de junho.