Ideias para garantir que há um futuro para a água

Análise. Especialistas garantem que Portugal tem de mudar a forma como está a gerir as situações de excesso e de escassez
Análise. Especialistas garantem que Portugal tem de mudar a forma como está a gerir as situações de excesso e de escassez
Jornalista
O presente da água em Portugal é — para usar um termo adequado ao tema — irregular. Chove mais no inverno e a norte, mas é a sul que é mais necessário, por causa do turismo e das culturas intensivas em água. A rede de distribuição está envelhecida e a precisar de ser substituída para evitar as perdas que, em alguns pontos do país, chegam a ser superiores a 80%. Os sistemas de drenagem têm-se revelado insuficientes para a frequência de chuvas fortes e para o crescimento urbano, tanto das cidades como da população que, individualmente, consome hoje cinco vezes mais água do que em 1970. E há ainda o preço cobrado, que chega a variar dentro da mesma área metropolitana.
Estes são os factos. Há depois inconsistências nos instrumentos de gestão dos riscos de inundação que “não se sabe se foram aplicados ou que resultados tiveram”, diz Maria da Conceição Cunha, professora de engenharia na Universidade de Coimbra. Nas instituições ligadas ao ambiente e à água, onde as bases de dados se perdem e há falta de recursos humanos capazes, acrescenta. Nas câmaras, que não sobem o preço porque “não é uma medida popular”, considera o professor de economia da Universidade Católica de Lisboa, Miguel Gouveia. O que os deixa sem dinheiro para a rede, cuja reabilitação custa uns €200 mil por quilómetro, nota Manuela Moreira da Silva, professora na Universidade do Algarve. Até nas medidas tomadas para resolver estas inconsistências há inconsistências porque, repara Miguel Gouveia, “são cegas e ignoram o valor da água” e, acrescenta Manuela Moreira da Silva, “são muito antigas”.
Se o presente é assim, como deve então ser o futuro da água? Desde logo, terá de haver uma redução do consumo urbano. Para Miguel Gouveia — autor de um estudo sobre o valor da água — isso consegue-se com um aumento do preço por metro cúbico (m3) que pode ser de 25,7% em 2030 face a 2021. “A falta de alguma consciência de que a água é escassa vem do sucesso do abastecimento sem problemas, mas se não tivermos cuidado podemos ter de fazer racionamentos”, alerta. Para Manuela Moreira da Silva a solução não passa tanto pelo preço ou racionamentos, mas por uma melhor gestão da água disponível e que, em algumas zonas do país — como o Algarve, onde dá aulas — tende a ser mais escasso. “No jardim da Alameda, em Faro, só com água da chuva conseguimos suprir as necessidades de rega”, diz. E “quando temos escassez, fechamos a piscina municipal de Quarteira” porque ela usa 50 m3 de água, que é o equivalente ao consumo mensal de uma família de quatro pessoas. Ora, se se usar essa água para lavar as ruas já se pode usar na piscina a água limpa que hoje é usada nas ruas. A professora sugere até que se use água da chuva para lavar as lamas das cheias ou para regar jardins quando há picos de calor.
Mas Miguel Gouveia insiste nas vantagens do aumento dos preços: “Se a água for mais cara, podem usar-se, na construção e reabilitação de casas, recuperadores de águas dos duches para usar no autoclismo, torneiras com redutores de caudais.” Manuela Moreira da Silva garante que, por exemplo, “com um redutor de caudal, uma família poupa 30% na conta e paga-o em dois meses. Há a ideia de que quando um bem é mais caro, reduz-se o consumo e não é bem assim”.
Ainda nas cidades, mas para combater melhor as cheias, Maria da Conceição Cunha defende um planeamento do território mais cuidado, porque, alerta, “há leitos de rios que agora estão ocupados por zonas urbanas” e eles sobem quando chove mais. Há depois medidas a tomar na agricultura e aqui tudo passa por uma melhor gestão dos recursos. Havendo racionamento, “deviam reduzir o consumo no que dá menos valor à água e não no que consome mais”, diz Miguel Gouveia, dando como exemplo as culturas abordadas no estudo: as de arroz, que pagam €0,08/m3; e as de abacate, que pagam €2,6/m3. Mas Maria da Conceição Cunha questiona se “é este o tipo de desenvolvimento agrícola que precisamos”, defendendo que a razão para as barragens estarem mais vazias também se deve ao aumento significativo do consumo na agricultura.
O tratamento de águas residuais e a dessalinização são outras soluções apontadas, porque libertam os aquíferos para a agricultura e permitem que essas águas sejam usadas em consumos urbanos ou nos campos de golfe. E há ainda a questão da contaminação da água que, mais do que a sua limpeza, passa por acabar com o uso dos químicos que a poluem, em alguns casos para sempre. E para isso não é preciso muito, diz a jurista e ativista ambiental Erin Brockovich — cuja história que deu origem ao filme com o seu nome interpretado por Julia Roberts. “É possível, mas tem de se começar. Comecem. Façam uma reunião. Estabeleçam um valor. Mas comecem.”
O projeto CisWEFE-NEX (Water-Energy-Food-Ecosystem Nexus) foi o vencedor da primeira edição do Prémio Nacional da Água criado pelo BPI em parceria com a consultora Deloitte e o grupo Impresa. Entregue ontem, quinta-feira, no final do “Fórum BPI: O Futuro da Água”, este projeto tem como objetivo combater a escassez de água no Alentejo e Algarve através da reutilização das águas residuais de lagares de azeite e da dessalinização da água do mar, com recurso a energias renováveis. Terá uma duração prevista de cinco anos e envolve as empresas de engenharia e consultoria Bioazul e Inova +, as associações MORE CoLAB (Mountains of Research Collaborative Laboratory) In Loco e Dariacordar (recuperação de desperdício), a cooperativa de energia Coopérnico, o Instituto do Ambiente e Desenvolvimento (IDAD) da Universidade de Aveiro, o Requinte (laboratório de investigação em química verde) e ainda as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Alentejo e do Algarve.
TRÊS PERGUNTAS A
A contaminação contribui para a escassez de água?
Quando a poluição é muito grande e não se consegue usar a água, sim, entramos em escassez. E com os químicos eternos é assustador. Estão em todo o lado, nos uniformes dos bombeiros, na roupa para bebé... em tudo o que usa produtos para repelir a água e calor.
Limpar estas águas custa dinheiro. As empresas querem gastá-lo?
Não. Há muitos anos, nos EUA, a Ford construiu um carro — o Pinto — que tinha o depósito de combustível na bagageira e sempre que havia um acidente, o carro explodia. A empresa decidiu que era mais barato enfrentar litígios do que resolver o problema. Esta mentalidade tem de mudar, se não, nunca se vai limpar nada.
Os reguladores não podiam proibir esses produtos? Na Europa há muita regulação...
Pode haver regulação, mas não funciona sem supervisão. E na Europa vemos tirar coisas da comida. Talvez comecem a pensar na água.
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