Falta de tempo exclusivo para atividades de investigação, ausência de autonomia operacional e excesso de burocracia. Estes são três dos principais factores que, até agora, dificultaram a ação de instituições do Serviço Nacional de Saúde (SNS) em matéria de investigação clínica, mas que, em breve, serão obstáculos do passado. “O principal constrangimento está, para mim, parcialmente ultrapassado com a publicação do despacho de 14 de fevereiro de 2024”, afirma José Dinis.
O coordenador da Unidade de Investigação Clínica do IPO do Porto refere-se à decisão tomada por três ministérios – da Economia, da Saúde e da Ciência – em criar “um novo modelo organizacional para a investigação clínica dos hospitais do SNS”. Na prática, o novo enquadramento permite que as instituições se organizem em associações de direito privado, dando-lhes autonomia para a gestão de recursos, incluindo a possibilidade de gerirem, sem interferências, as receitas que sejam geradas por via dos projetos de investigação.
“Deixamos de ter os constrangimentos que tivemos durante estes anos todos, de impedir contratações, gastos nisto ou naquilo, porque estávamos todos dependentes do Ministério da Saúde e do Ministério das Finanças”, explica José Dinis. No ecossistema do IPO do Porto vai nascer ainda este ano a Porto Innovative Cancer Organization (PICO), uma entidade que vai poder contratar, gerir e investir os recursos humanos e operacionais à medida das suas necessidades.
é o número de ensaios clínicos autorizados em Portugal em 2022. No total, foram submetidos a apreciação 230
“Posso dizer que faturámos €2,1 milhões em 2024 [com atividades de investigação clínica] e podia ser muito mais, mas não tenho autonomia para usar este dinheiro. Poder, posso, mas é muito difícil”, continua José Dinis.
Na capital, a Unidade Local de Saúde de Santa Maria percorre neste momento um caminho semelhante. O seu Centro de Investigação Clínica (CIC-CAML) vai, “até ao final de março, ter uma reestruturação e tornar-se uma associação de direito privado”, atesta o presidente do Conselho de Administração. Carlos Martins, que foi secretário de Estado da Saúde de Durão Barroso, acredita que este passo vai permitir ganhar “autonomia” e “competitividade” não só a nível nacional, como internacional.
“Queremos ser atrativos através dos ensaios clínicos, da investigação... Queremos atrair e vincular profissionais de valor à nossa instituição”, afiança. O objetivo será contar com uma equipa multidisciplinar e dinâmica, que alterne entre “atividade clínica [na prestação de cuidados], atividades de investigação e atividade de publicações”.
“Queremos com esta associação ajudar outros pais e pessoas que enfrentam estas doenças a encontrar oportunidades de ensaios clínicos”, afirma Tomás Lamas, presidente da Associação Batazu
Uma das situações com “grande potencial” é a parceria que a ULS Santa Maria tem com o Start Center, “o maior centro de ensaios de fase 1 a nível mundial”, que permitiu a instalação, em Lisboa, de um dos quatro centros mundiais que existem. “Essa é outra das soluções que encontrámos para sermos competitivos, para termos inovação e podermos contribuir através de investigação”, complementa Carlos Martins.
Após a formalização da associação de direito privado, a ULS Santa Maria vai construir, de raiz, um novo espaço para o CIC-CAML e quer chegar ao final de 2026, quando termina o atual mandato, com reforço “do capital humano em quantidade e qualidade, e com resultados já muito diferentes do que têm sido os já excelentes resultados”. Em 2024, estiveram ativos cerca de 350 ensaios clínicos e foram ainda aprovados 177 novos ensaios. Até ao momento, confirma a ULS Santa Maria, há cerca de 100 ensaios submetidos.
Para Tomás Lamas, médico intensivista e presidente da Associação Batazu, é fundamental que o país consiga reforçar a sua capacidade no que diz respeito à inovação na saúde. “É preciso apostar na investigação”, insiste, apontando a mira em particular à terapia baseada em células CAR-T para cancros do sangue, o grupo de doenças responsável pela morte de Tomás, com 11 anos, filho do cofundador da Batazu. “Queremos com esta associação ajudar outros pais e pessoas que enfrentam estas doenças a encontrar oportunidades de ensaios clínicos”, exemplifica.
Tomás Lamas defende que Portugal deve olhar para o exemplo de Espanha em matéria de investigação e ensaios clínicos, e procurar tornar-se também num centro de produção destas células para fins de investigação. “Queremos trazer as células CAR-T para Portugal”, sublinha.
Carlos Martins, José Dinis e Tomás Lamas vão estar, na próxima terça-feira, 11, na cerimónia da 10ª edição do Programa Gilead Génese, a que o Expresso se associa como media partner, onde vão debater os desafios e oportunidades da investigação clínica. No evento, serão ainda anunciados os projetos a quem serão atribuídas bolsas de investigação em duas categorias: investigação e comunidade.
Regressa o Programa Gilead Génese para a sua 10ª edição dedicada a apoiar a investigação clínica e projetos de saúde dirigidos à comunidade. Até ao momento, a farmacêutica investiu perto de €3 milhões para apoiar 124 projetos de investigação e de intervenção comunitária, de 51 entidades nacionais, em áreas como VIH, hepatites virais crónicas, infeções fúngicas, Covid-19, linfomas e cancro da mama.
Quando, onde e a que horas?
Terça-feira, 11, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, a partir das 16h.
Quem são os oradores em destaque?
- Marcelo Rebelo de Sousa, presidente da República (mensagem gravada)
- María Río, vice-presidente e diretora-geral da Gilead Espanha e Portugal
- Carlos Martins, presidente do conselho de administração da ULS Santa Maria
- José Dinis, coordenador da unidade de investigação clínica do IPO do Porto
- Tomás Lamas, presidente da Associação BataZu
- Jorge Soares, membro da comissão consultiva do Programa Gilead GÉNESE
- Ana Povo, secretária de Estado da Saúde
Porque é que este tema é central?
Numa altura em que Portugal se debate com grandes desafios ao nível da saúde e da investigação clínica, refletir sobre a importância de criar novos mecanismos de apoio à produção de conhecimento é fundamental. Nesta 10ª edição da iniciativa serão atribuídas bolsas no valor total de €300 mil.
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