Futuro é fabricar casas em série

Habitação. Em 15 anos, sector perdeu mais de 100 mil trabalhadores. A tendência começa a inverter-se, mas falta de mão de obra empurra empresários para a industrialização
Habitação. Em 15 anos, sector perdeu mais de 100 mil trabalhadores. A tendência começa a inverter-se, mas falta de mão de obra empurra empresários para a industrialização
Francisco de Almeida Fernandes
Jornalista
A digitalização de uma economia cada vez mais dependente dos serviços foi afastando trabalhadores da área da construção, que nas últimas duas décadas perdeu centenas de milhares de pessoas. “A imagem do sector é muito negativa”, reconheceu o antigo bastonário da Ordem dos Engenheiros Fernando Santo durante a terceira conferência do ciclo “Construção em Movimento”. O evento, que decorreu em Vilamoura, juntou dezenas de empresários para refletir sobre os principais desafios que estão a dificultar o crescimento da atividade. “Temos de pensar como é que damos a volta ao texto”, desafiava o especialista.
Em 2011, em pleno olho do furacão que foi o resgate da troika, existiam ainda cerca de 454 mil trabalhadores nesta área, um valor que viria a atingir um mínimo de 274 mil em 2014. Desde 2020 que se verifica uma recuperação, mas ainda longe de responder à procura de mão de obra na construção civil.
Entre os empresários presentes no encontro a opinião parece ser consensual: a industrialização é o caminho a seguir, não apenas para endereçar o desafio da força laboral, mas também para conquistar ganhos ao nível da sustentabilidade. “Isto vai permitir trazer mais capacidade [de produção] com menos pessoas”, aponta Tiago Marto.
O CEO do grupo Transfor não tem dúvidas de que “a industrialização elimina bastante a pegada carbónica” do processo de construção, desde logo pelos ganhos de eficiência conseguidos com a produção de, por exemplo, peças sanitárias em série. Não só é possível encurtar o tempo de obra como garante redução de desperdícios. “A questão da sustentabilidade veio para ficar e ai do promotor que não o perceba”, avisa João Bugalho. O líder da Arrow Portugal assinala, contudo, que o processo de industrialização do sector “não vai acontecer em dois ou três anos”, mas assegura que os empresários “estão muito empenhados” neste caminho.
O custo do trabalho tem vindo a crescer e continua a ser uma das rubricas que mais pesa no orçamento para a construção de habitação, problema que os empresários acreditam poder ser resolvido comunicando os avanços de inovação na atividade. “O sector é extremamente bem pago, na minha opinião. Há encarregados a ganhar €5 mil e hoje já não se pega em pesos na construção”, insiste Tiago Marto.
Embora o caminho da construção em Portugal seja claro para os seus agentes económicos, a verdade é que a área está numa encruzilhada. Por um lado, é certo que a industrialização tem de fazer parte do futuro destas empresas, mas, por outro, falta dimensão e capacidade de investimento para criar projetos de grande dimensão. “Temos um país que é muito pequeno e a concentração é muito malvista”, justifica Samuel Torres de Carvalho, arquiteto. O também CEO da STC Arquitetura acredita que sem “capacitação técnica das pessoas na obra” não será possível fazer avançar a padronização.
“Quando falamos em padronização, estamos a falar, por exemplo, de ter os vãos interiores todos iguais, ou de ter só dois ou três modelos de caixilho, ou ainda de ter os blocos de roupeiros todos iguais”, explica Tiago Belo, COO da Solyd. “Os erros são muito mais facilmente recuperáveis e temos muito menos desperdício”, conclui.
A par da aposta na produção de casas em série, os peritos pedem uma extensa revisão da legislação, que permita à construção ganhar eficiência nos processos, reduzir os custos com licenciamentos e litigância e acelerar a disponibilização de habitação no mercado. Um dos exemplos passa pelas exigências legais ao nível das normas e materiais na construção de casas. “Se tentarmos fazer habitação acessível, a maior parte dos standards não são comportáveis”, sublinha Tiago Belo. O sector sugere a criação de diferentes níveis de padronização que permitam “reduzir custos em 30% a 40%”.
Chumbada Proposta do Governo para rever as taxas de IVA na construção não foi aprovada pela Assembleia da República, com votos contra do PS, PCP, BE e Livre e a abstenção do Chega e PAN. A medida, há muito pedida pelo sector, pretendia reduzir o imposto com intenção de fazer baixar os valores de venda e aumentar o acesso a habitação.
6%
é a taxa de IVA atualmente aplicada a obras de construção ou reabilitação de habitação a custos controlados e que seria alargada a outras empreitadas caso a medida tivesse sido aprovada pelo Parlamento
Classe MÉDIA Conselho de Ministros deu, no início do mês, aval à criação de um regime que permite reclassificar terrenos para solo urbano. O objetivo é aumentar a oferta de habitação em todo o país, entregando a decisão aos municípios de propor, ou não, a reclassificação. Estão excluídos deste diploma terrenos inseridos em áreas protegidas e zonas de risco.
70%
da área de construção em terrenos que sejam reclassificados deve ser destinada a habitação pública, de valor “moderado” ou arrendamento acessível. O preço por metro quadrado não pode exceder a mediana nacional ou 125% da mediana do concelho
Aumento Rubrica orçamental relativa à remuneração dos trabalhadores continua a crescer, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística. O Índice de Custos de Construção de Habitação Nova aumentou 3,3% em setembro, em termos homólogos, com a mão de obra a ser o principal fator — mais 8,5% do que em setembro de 2023.
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