Já mais de 150 doentes em Portugal beneficiaram da terapia inovadora que usa células CAR-T, produzidas em laboratório, para ensinar o sistema imunitário a combater os cancros de sangue. Porém, há desafios inerentes a esta tecnologia que limitam o acesso e que o Projeto SHARP quer endereçar através da criação de um grupo de reflexão para identificar obstáculos e soluções para os ultrapassar. “Esta tecnologia já não é experimental. Está comercialmente disponível para tratar um conjunto de doentes que tenderá a aumentar porque, infelizmente, o número de cancros tem vindo a aumentar em Portugal”, enquadra o professor Henrique Lopes.
O diretor do NOVA Center for Global Health, promotora do think tank que junta especialistas de várias áreas ligadas ao financiamento e à saúde, explica que o objetivo é “encontrar um mecanismo que permita ao Estado tomar decisões como é que se deve financiar o acesso”, mas também garantir que são criados centros especializados para que este tratamento seja feito.
“Esta tecnologia poderá vir também a ser útil no tratamento de doenças autoimunes e, quem sabe, até em algumas doenças infecciosas em fases agudas”, afiança Leal da Costa
A primeira sessão aconteceu terça-feira, dedicada ao tema do financiamento, e seguem-se mais duas reuniões que vão abordar a gestão e governança da jornada do doente, assim como questões relacionadas com a evidência científica, diagnóstico e referenciação. No final, em fevereiro, o grupo apresentará publicamente um relatório com recomendações para entregar ao Governo.
Democratização da medicina de precisão
A terapia baseia-se na utilização das células CAR-T, que derivam das células T do sistema imunitário e que são trabalhadas em laboratório para depois voltarem a ser introduzidas no doente. “Estamos a falar de uma tecnologia que nos permite educar células específicas da imunidade para fazerem aquilo que queremos que elas façam. Basicamente, é disto que se trata”, resume Henrique Lopes.
Os resultados são relevantes, especialmente quando se considera a atual utilização da tecnologia: o combate a cancros de sangue. “A pessoa é indicada como elegível para o tratamento e, desses doentes, 40% vão ficar curados, segundo os números atuais”, acrescenta Fernando Leal da Costa. O ex-ministro da Saúde e diretor do Departamento de Hematologia do IPO Lisboa realça que a percentagem de sucesso é elevada, tendo em conta que, atualmente, a terapia é aplicada a doentes em fase terminal. “Estamos a comparar com taxas de sucesso de 1% ou 2% sem o tratamento”, diz.
“Entre os doentes elegíveis, cerca de 40% vão ficar curados. Tendo em conta que estamos a falar de doentes terminais, é uma percentagem considerável”, enquadra Henrique Lopes
Henrique Lopes considera que esta é uma forma de democratizar o acesso à medicina de precisão, mas para isso é preciso contornar a principal dificuldade hoje identificada: os custos elevados. Atualmente, é dada autorização do Infarmed para cada caso elegível, mas depois os “tratamentos têm de ser pagos pela instituição onde são realizados” e isso complica as contas dos hospitais. “O nosso entendimento é que estes tratamentos têm de ter linhas de financiamento específicas que compreendam o custo total da intervenção e não apenas do medicamento”, continua.
O futuro das células CAR-T é promissor, asseguram os especialistas. “Nos próximos dois, três ou, no máximo, cinco anos será possível aplicar a outros tipos de cancro e doenças autoimunes”, detalha Leal da Costa, que usa a diabetes tipo 1 – que afeta milhares de pessoas em Portugal – ou a lúpus como exemplos. “Há alguns outros casos de uso em fases muito iniciais, vamos ver no que dão”, perspetiva.
Este grupo de reflexão do Projeto SHARP, que conta ainda com apoio da Kite (empresa da Gilead) e com o Expresso como media partner, vai divulgar o relatório final em 2025 na expectativa de fortalecer a capacidade do sistema de saúde para permitir o acesso a tecnologias inovadoras.
Este projeto é apoiado por patrocinadores, sendo todo o conteúdo criado, editado e produzido pelo Expresso (ver Código de Conduta), sem interferência externa.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt