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Falta fator humano à transição energética

João Peças Lopes, Zita Vale, Jorge Vasconcelos e Paulo Ferrão debateram o problema da retenção de jovens em Portugal
João Peças Lopes, Zita Vale, Jorge Vasconcelos e Paulo Ferrão debateram o problema da retenção de jovens em Portugal

Sustentabilidade. A descarbonização envolve cada vez mais as pessoas, por exemplo, na produção de eletricidade. Mas, na opinião de alguns professores, a engenharia tende a esquecê-las

Ana Baptista

Jornalista

Falta fator humano à transição energética

Matilde Fieschi

Fotojornalista

O debate contou com quatro professores — que também são investigadores — e todos eles concordam em, pelo menos, quatro pontos sobre o ensino da engenharia em Portugal: “não há falta de recursos [alunos]”, “as notas estão a subir muito”, “o sistema técnico-científico deu um salto quantitativo e qualitativo muito grande” e o “diálogo das empresas com as universidades melhorou muito”. Dito assim, parece tudo bem. Mas não.

Falta aos alunos perceberem que “a transição energética não é, essencialmente, tecnológica, mas da socie­dade. Que as pessoas têm de querer mudar”, nota Paulo Ferrão, professor no Instituto Superior Técnico. E falta uma “preocupação para com o interesse público”, repara Jorge Vasconcelos, professor e presidente da empresa New Energy Solutions.

Em suma, falta o fator humano. Mais ainda quando, neste longo processo de transição energética, “o consumidor passou a ser também um produtor de eletricidade, passou a poder flexibilizar os seus consumos ou a participar em comunidades de energia”, repara Zita Vale, para quem o problema “é da comunidade científica e tecnológica”, para a qual “toda a contribuição que sai fora da matemática é estranha”. Para a professora e diretora do Centro de Investigação em Engenharia Inteligente no Politécnico do Porto, a engenharia devia ter um maior conhecimento das ciências sociais e das humanidades. E dá um exemplo: “Nos carros elétricos, é preciso perceber como é que as pessoas estão dispostas a usá-los. É quase psicologia.”

As universidades têm feito um esforço nesse sentido, diz João Peças Lopes, presidente do júri do Prémio REN e professor na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP). Ali convidam empresas para explicar os desafios da carreira na área da energia e foram criadas “disciplinas transversais a vários cursos que explicam a transição energética”. Também no IST existe uma “cadeira de Engenharia e Sustentabilidade que trata destes temas”, diz Paulo Ferrão. Aliás, o tema do debate que antecedeu a entrega dos Prémio REN 2024 esta semana, em Lisboa, era precisamente esse: o papel das universidades no futuro da energia. E potenciar a interdisciplinaridade é um deles. Aliás, diz Zita Vale, não é incomum alunos de outras áreas enveredarem pelas áreas da engenharia. E isso viu-se, por exemplo, no vencedor da terceira menção honrosa do Prémio REN que foi para um aluno do Instituto Superior de Economia e Gestão (ver coluna ao lado).

Outro papel das universidades é o de “acelerar a curva de aprendizagem” de tecnologias novas essenciais para a transição energética, como o hidrogénio verde, considera a secretária de Estado da Energia, Maria João Pereira, que encerrou a cerimónia de entrega dos prémios. Os centros de investigação são um bom exemplo disso e, segundo Zita Vale, são também uma forma de manter no país os jovens acabados de formar. “A retenção é muito difícil. Tenho muitos alunos que, poucos meses depois de começarem uma pós-graduação dizem que podem fazê-la remotamente porque têm um emprego lá fora”, conta.

Nas empresas, a solução para a falta de mão de obra tem sido contratar estrangeiros, que, na REN — Redes Energéticas Nacionais, são já 30% dos trabalhadores das áreas de construção e remodelação e da limpeza e gestão da vegetação nos terrenos onde se constroem as redes, as subestações ou os postos transformadores. Mas mesmo estes tendem a sair. “Há muitos olheiros que vêm ver as nossas equipas para os levar para outros países. Enquanto a nossa economia não conseguir pagar o mesmo que se paga no Norte da Europa, é isto que temos”, diz João Gaspar, responsável pela área de investimento da Direção de Operações da REN. É que isto da transição energética não é só em Portugal e requer muita gente. De acordo com a diretora de operações, Mónica Conceição, que com João Gaspar fez uma apresentação sobre a atividade da REN, na gestão dos terrenos estão mais de 200 trabalhadores, na monitorização das redes elétricas são 486 e nas de gás 270 (diretos e indiretos). Fora os que serão necessários para, até 2026, construir mais de 9000 quilómetros de cabos ou limpar mais de 11.500 hectares por ano. “Parece fácil, não é?”, ironiza Mónica Conceição.

Os premiados REN em 2024

Distinguidas seis teses de mestrado (três prémios e três menções honrosas) numa cerimónia onde foram ainda entregues as Medalhas de Mérito Científico da REN, Centro Ciência LP e Fundação para a Ciência e Tecnologia, que distinguem trabalhos de mulheres e de estudantes dos PALOP

Melhores teses de mestrado

1º Prémio (€25 mil)

Projeto Simulação das condições de escoamento de misturas de gás natural e hidrogénio para diferentes pontos da rede de distribuição de gás natural
Autor Leonardo Fernandes, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP)

2º Prémio (€15 mil)

Projeto Análise de viabilidade técnico-económica de uma central elétrica a hidrogénio em ambiente de mercado
Autor Luís Rodrigues, FEUP

3º Prémio (€10 mil)

Projeto Modelação da flexibilidade dos postos de carregamento de veículos elétricos para o planeamento da rede de distribuição
Autor António Jerónimo, IST

Menções honrosas (€2500 cada)

Projeto Estudo do recurso eólico usando OpenFOAM com condições de fronteira de modelo de mesoescala
Autor Henrique Monteiro, Instituto Superior de Engenharia do Porto

Projeto Otimização de comunidades circulares de energias renováveis para a agricultura
Autor Pedro Guimarães, FEUP

Projeto Precificação de certificados de energia renovável
Autor Vasco Tavares, Instituto Superior de Economia e Gestão

Medalhas de Mérito Científico REN — Ciência LP (€5 mil cada)

Categoria Mulheres Investigadoras

1º Prémio

Projeto Avaliação do potencial de sistemas solares térmicos para aplicações de aquecimento de água doméstica em zonas urbanas e periféricas de Moçambique
Autora Célia Artur

2º Prémio

Projeto Pode a normalização ajudar a garantir o bem-estar dos consumidores? Uma análise dedutiva da proteção do bem-estar dos consumidores na indústria automóvel a pilha de combustível H2
Autora Loide Silva

Categoria Estudantes e Investigadores

1º Prémio

Projeto Estudo do potencial de um sistema híbrido de energia renovável: Caso de estudo da Região Litoral do Lobito (Angola) 

Autor Salomão Joaquim

2º Prémio

Projeto Integração de sistemas híbridos fotovoltaico e biogás no planeamento energético em Cabo Verde — Caso da ilha de Santiago
Autor Silvestre Batista

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