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Estudo dos neurónios é a ciência do futuro

Ana Magalhães, do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, foi distinguida com o Prémio Investigação Clínica
Ana Magalhães, do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, foi distinguida com o Prémio Investigação Clínica

Investigação. Alterações causadas por stresse nas células nervosas podem afetar a função cerebral e a memória. Mas são mudanças reversíveis se houver uma intervenção antes da perda destas células com capacidade de regeneração quase nula

Estudo dos neurónios é a ciência do futuro

Rui Duarte Silva

Fotojornalista

O funcionamento do cérebro é ainda, em grande parte, um mistério por desvendar pela ciência. Todo o comportamento humano é resultado da atividade cerebral e, ainda assim, há muitas perguntas que procuram resposta. Sabe-se, por exemplo, que um neurónio sujeito a stresse é o suficiente para desencadear alterações cognitivas. Mas a boa notícia é que podem ser reversíveis.

“Em situações de stresse pós-traumático, por exemplo, com psicoterapia e medicação, consegue-se reverter”, afirma Luísa Lopes, neurocientista da fundação GIMM — The Gulbenkian Institute for Molecular Medicine e oradora na 68ª edição dos prémios Pfizer, que tiveram lugar esta quarta-feira e distinguiram três trabalhos de investigação em saúde (ver caixa), no valor total de €60 mil.

Sobre os desafios e promessas da investigação do cérebro humano, Luísa Lopes afirma que é na sinapse — zona de comunicação entre os neurónios — que está a ciência do futuro. “O estudo da dinâmica das sinapses permite detetar alterações precoces nos neurónios. Cada neurónio tem sete mil sinapses e cerca de 1500 eventos que as podem mudar. Uma pequena alteração como o stresse, pode mudar a função cerebral, pode alterar a memória, mas são alterações reversíveis. Só quando perdemos neurónios é que já não”, continua. A investigadora alerta para a importância de se poder intervir antes de haver perda das células nervosas, que é o que acontece nas doenças degenerativas. “A sinapse tem o poder de mostrar neurónios em stresse e permitir uma intervenção antes da morte neuronal,” diz.

Mas as experiências em animais, que não reproduzem a complexidade destas doenças, o acesso “muito limitado a tecido humano”, ou o tempo que duram estas patologias, são entraves ao avanço da investigação.

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“Esta área está muito carente do ponto de vista de algumas respostas. Em termos de inovação terapêutica há cerca de 15 anos que não sai nada de novo. Não quer dizer que não exista uma aposta mas não temos sido bem sucedidos”, reconhece Paulo Teixeira, diretor-geral da Pfizer Portugal, alertando para o facto de doenças do envelhecimento como o Parkinson ou Alzheimer precisarem de mais investigação. “Há muita investigação mas ainda não se consegue traduzir em resultados palpáveis que permitam descobertas revolucionárias no tratamento”, diz.

Esperança na tecnologia

No entanto, o avanço da tecnologia veio trazer um novo impulso à investigação que já a usa a seu favor com técnicas como a optogenética, que permite ativar neurónios com a luz e perceber a sua contribuição para certo comportamento ou doença, ou a ressonância magnética funcional que vê o cérebro em atividade, mostrando as áreas que são mais ativadas, ou não, com determinada tarefa.

“Podemos, por exemplo, estudar pessoas a ler, a tocar instrumentos, e perceber o padrão de atividade nas áreas cerebrais e como se sincronizam”, explica Luísa Lopes, adiantando que esta tecnologia pode ajudar a perceber a resposta a certos medicamentos. “É muito importante para a medicina personalizada. Nas doenças psiquiátricas, porque as pessoas têm respostas tão diferentes ao mesmo medicamento, pode ser uma ferramenta muito útil”, diz.

Estas duas inovações estão, por enquanto, apenas ao serviço da investigação, mas há outras que já contribuem nos processos clínicos como os “interfaces homem-máquina”, usados na reabilitação e que permitem, a quem perde os membros, programar com o pensamento o movimento de um braço que não é o seu.

À pergunta se é possível regenerar o envelhecimento, a investigadora responde que ainda não há uma fórmula mas que se sabe hoje em dia que é possível modificar 45% dos fatores de risco para a demência. “O estilo de vida é um medicamento muito mais poderoso do que pensávamos. Exercício físico, sono de qualidade e nutrição adequada têm um impacto significativo na manutenção da plasticidade cerebral”, avisa.

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PRÉMIO INVESTIGAÇÃO CLÍNICA

Travar avanço do cancro do estômago Com mais de um milhão de casos diagnosticados por ano, o cancro do estômago é uma doença cujos sintomas frequentemente se manifestam numa fase avançada. Ana Magalhães, do I3S — Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, e a sua equipa investigaram um mecanismo molecular que agrava o prognóstico da doença. As suas descobertas podem contribuir para travar a sua progressão: “A nossa equipa de investigação contribuiu para a compreensão de um novo mecanismo de comunicação das células tumorais, identificando um potencial alvo para o desenvolvimento de novas terapias que possam travar a formação de metástases e melhorar o prognóstico de doentes com cancro do estômago”, refere a Investigadora.

PRÉMIO INVESTIGAÇÃO BÁSICA

Conhecer a retina humana O estudo liderado por Caren Norden analisou como a migração dos fotorrecetores — células responsáveis por detetar a luz, captar imagens e possibilitar a visão — contribui para o desenvolvimento saudável do olho. Nos humanos, complicações nesta migração podem causar doenças na retina ou problemas de desenvolvimento. Na investigação usaram o peixe-zebra como modelo para estudar a organização da retina em vertebrados, combinado com observação em tecido humano e em organoides de retina — modelos cultivados a partir de células humanas. “Estas pesquisas interespécies fornecem uma base para avançar na compreensão da biologia da retina, levando a novas estratégias terapêuticas”, diz a investigadora principal na Fundação GIMM.

PRÉMIO INVESTIGAÇÃO BÁSICA

Resposta imunitária contra o cancro O estudo desenvolve uma resposta imunitária contra o cancro, transformando células tumorais em células imunitárias. Na investigação, baseada na ideia de que é possível mudar a identidade das células através de um processo chamado “reprogramação celular”, foi possível reprogramar células de cancro (humanas e de ratinhos) em células que apresentam antigénios tumorais. “Quando as células reprogramadas foram injetadas em ratinhos com tumores, houve uma redução no crescimento dos tumores, um aumento na sobrevivência dos animais e uma melhor resposta a tratamentos de imunoterapia já existentes”, destacou Filipe Pereira, Investigador do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: bcbm@impresa.pt

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