Projetos Expresso

E se o consumo não subir como está previsto?

Foi com inscrições esgotadas que decorreu a conferência anual da APREN, por onde passaram, em dois dias, mais de 50 oradores
Foi com inscrições esgotadas que decorreu a conferência anual da APREN, por onde passaram, em dois dias, mais de 50 oradores

Transição. Governo quer que se instalem 23,4 GW de projetos solares e eólicos em terra e no mar até 2030, para responder a um aumento do consumo de eletricidade para quase o dobro. Empresas, indústrias e reguladores têm dúvidas

Ana Baptista

Jornalista

E se o consumo não subir como está previsto?

Matilde Fieschi

Fotojornalista

O Plano Nacional de Energia e Clima 2030 (PNEC 2030) é o documento que traça as metas que Portugal tem de atingir para cumprir a transição energética e, por isso, aposta num aumento significativo de renováveis para produzir eletricidade e hidrogénio verde. De acordo com o documento — que foi revisto e enviado para Bruxelas pelo atual Governo — prevê-se a instalação de mais 23,4 gigawatts (GW) de potência solar e eólica, em terra e em alto mar, mais especificamente 16,8 GW em equipamentos solares, incluindo os de autoconsumo, 4,6 GW de eólicas em terra e 2 GW de eólicas em alto mar. Metas que têm por base um aumento do consumo de eletricidade para quase o dobro face a 2023 — de 50,7 terawatt hora (TWh) para 90 TWh.

Mas e se o consumo não subir? Bem, “sem consumo não há projetos”, diz Hugo Costa, responsável da EDP Renováveis em Portugal. E sem projetos “pode parar a descarbonização”, acrescenta Cristina Torres Quevedo, diretora de regulação e finanças da União Espanhola Fotovoltaica. Ou, como diz Pedro Norton, CEO da Finerge, um dos maiores investidores em renováveis em Portugal, “pode pôr em causa o PNEC 2030”.

Para a ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, a questão nem se coloca: “[O consumo] tem que subir”, disse quando questionada pelo Expresso. E “vai crescer. Nós queremos que cresça o consumo de eletricidade e de hidrogénio e isso faz-se criando condições para atrair investimento externo e interno, atrair indústrias que se fixem em Portugal. Temos agora uma vantagem, um valor acrescentado que nunca tivemos [preços baixos]. Fomos sempre prejudicados no passado por ter energia cara, agora é ao contrário, temos energia limpa, relativamente acessível e temos espaço e segurança política e regulatória”.

Mas, a julgar pelas intervenções na conferência que a Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN) organizou esta semana, em Lisboa, os promotores não estão 100% convencidos. “Há todo este enquadramento de baixos preços que atrai mais consumo e que mais consumo atrai mais projetos, mas tem de haver rentabilidade. Se tivermos preços muito baixos, os projetos não saem”, avisa Hugo Costa. Aliás, segundo Pedro Norton, “há muitos projetos solares que já não têm viabilidade económica”.

Ministra da Energia acredita que preços baixos atraem os grandes consumidores elétricos para o país

É que, mesmo sendo mais barato fazer projetos renováveis em Portugal (ver entrevista ao lado), o preço a que depois se vende a eletricidade não pode ser muito baixo, e este ano, pela primeira vez desde que foi criado o mercado ibérico em 2007, já lá vão 200 horas em que a eletricidade esteve a preço zero ou negativo. “Durante estas horas, os produtores não estavam a ser pagos”, explica Ignacio Cobo, consultor principal da empresa sueca Afry.

Ora, se “aumentarmos a capacidade instalada sem haver procura vamos ver um declínio dos preços”, repara Pedro Norton, ou seja, mais horas a preço zero. Além disso, acrescenta Ignacio Cobo, há também o risco do ‘curtailment’, que é quando o operador da rede, neste caso a REN, trava a produção de eletricidade porque já há produção suficiente para o consumo existente. “Este problema ainda não afetou Portugal, mas pode acontecer. Quanto mais renováveis houver no sistema, maior é a probabilidade de isto acontecer”, avisa o consultor da Afry.

Mas Maria da Graça Carvalho está confiante e ressalva que o Governo até tem “feito pequenos ajustes para facilitar a vida dos promotores, tendo sempre em conta as questões ambientais”. É o caso do licenciamento, que está a ser simplificado de forma a que passe dos atuais três a cinco anos para dois anos. Ou da possibilidade de se vender a eletricidade renovável fora do mercado ibérico, por exemplo, através de contratos de venda de longo prazo que o produtor faz diretamente com a empresa que está a comprar a eletricidade e que pode ser um comercializador que depois vende a consumidores domésticos ou uma empresa ou indústria que queira ter energia limpa e reduzir a sua fatura.

QUATRO PERGUNTAS A

Pedro Amaral Jorge
Presidente da APREN

Portugal teve, pela primeira vez, eletricidade vendida a preço zero no mercado ibérico. Como vê isso?

Estou preocupado que tenhamos horas a preço zero, porque elas têm um preço zero mas não um custo zero, na medida em que foi feito um investimento que tem de ser pago. É o princípio do utilizador-pagador e o consumidor paga sempre o sistema elétrico. Quando abastecemos o carro, também estamos a pagar o sistema fóssil.

O PNEC prevê um aumento considerável do consumo, mas que é baseado na atração de investimento para o país…

Há muitos projetos pensados para Portugal, por exemplo de hidrogénio verde e amónia [que são grandes consumidores de eletricidade], porque o país produz a eletricidade renovável mais barata da Europa. Temos uma proporção de bombagem hídrica maior, menos risco regulatório que outros, mais recursos renováveis e custos financeiros mais baixos, porque quando se financia um projeto ele está influenciado pelo risco do país e agora estamos numa situação de um rácio mais baixo da dívida pública sobre o PIB.

A eletrificação é importante, mas não é a solução única. Nos transportes pesados não funciona…

No transporte de mercadorias e passageiros já há soluções de bate­rias, mas o modelo tem de ser diferente do dos ligeiros, porque esses estão parados a maior parte do tempo, logo têm tempo para carregar. Nos pesados tenho de usar o battery swap, ou seja, a troca de baterias. Ou as aluga e anda com elas ou então pára e vai a um centro logístico onde pode levantar uma bateria ou um pacote de baterias e fazer a troca. Por isso estou convencido de que vamos ter 90% desses transportes eletrificados.

Mas não nos aviões e navios…

Não há soluções diretas de eletrificação para o transporte marítimo ou para a aviação. O que defendemos é a incorporação de renováveis no combustível de aviação sustentável, ou seja, usar o vento e o sol para produzir hidrogénio verde e depois esse hidrogénio para produzir o querosene verde [que é o que se usa na aviação].

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate