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Seguros terão de mudar a forma como “se fazem os preços”

Rogério Campos Henriques, da Fidelidade, Pedro Carvalho, da Generali Tranquilidade, e Luís Menezes, da Ageas Portugal, foram os três CEO presentes no debate
Rogério Campos Henriques, da Fidelidade, Pedro Carvalho, da Generali Tranquilidade, e Luís Menezes, da Ageas Portugal, foram os três CEO presentes no debate

Análise. A esquizofrenia climática está a mudar tudo nos seguros: a avaliação dos riscos, o que é ou não segurado e o preço a pagar pela apólice. O que pode afastar mais as pessoas de um sector que já tem um baixo nível de adesão

Seguros terão de mudar a forma como “se fazem os preços”

Ana Baptista

Jornalista

Seguros terão de mudar a forma como “se fazem os preços”

Matilde Fieschi

Fotojornalista

A segunda metade de 2024 estava a ser calma em eventos climáticos, mas chegados a setembro tudo mudou. Primeiro, foram os 128 incêndios florestais que deflagraram entre o dia 15 e o dia 21 e resultaram na morte de nove pessoas e em vários hectares e casas destruídas. Cerca de duas semanas depois, as tempestades “Kirk”, “Leslie” e “Berenice” trouxeram vento e chuvas fortes, provocando inundações e elevados danos materiais. E agora Portugal está a viver uma espécie de bonança depois da tempestade, com temperaturas de 24 graus em quase todo o país.

Gerir esta esquizofrenia climática e os eventos cada vez mais frequentes, mais extremos e causadores de danos mais severos é um desafio para qualquer sector, e não é diferente para as seguradoras. Nos contratos já existentes, os bens que já estão seguros têm agora um maior risco e, por isso, um prémio que pode estar desatualizado. Nos contratos novos a cobertura terá de ser alargada e o valor terá de ser superior.

Aliás, para Luís Menezes, CEO da Ageas Portugal, “os eventos naturais aumentaram de uma forma que os modelos não diziam”, o que leva a que, “a prazo, haja regiões que deixam de ser seguráveis, porque o risco é maior”, nota Pedro Carvalho, CEO da Generali Tranquilidade, ou a que, inevitavelmente, tenha de se mudar a forma como “se fazem os preços”, acrescenta ainda Luís Menezes. Mesmo quando hoje já existe uma “enorme capacidade de tratamento de dados e, por isso, uma “maior capacidade de entendimento do risco e da definição do prémio [o valor que se paga ao final do mês ou ano]”, completa Rogério Campo Henriques, CEO da Fidelidade.

Estas alterações podem afastar ainda mais as pessoas e aumentar aquilo que na gíria do sector se chama de falha na proteção (protection gap) — o número de pessoas, bens e património que não tem um seguro.

De acordo com o presidente da Associação Portuguesa de Seguros (APS), José Galamba de Oliveira, os seguros multirriscos — os que se usam para proteger bens e património deste tipo de eventos — são o quarto principal ramo na carteira das seguradoras, depois dos seguros de trabalho (3º) — que são obrigatórios nas empresas —, dos de saúde (2º) e dos seguros automóvel (1º), que também são obrigatórios. “Temos cerca de seis milhões de casas em Portugal e 47% não têm proteção. 34% têm seguro contra incêndio, que é obrigatório, e só 19% têm seguro contra risco sísmico”, repara.

Mais: de acordo com dados da APS, o valor médio mensal de um seguro multirriscos era, em junho, de €19,68. Se falarmos apenas para habitação, esse valor desce para €15,56. E mesmo esse valor é considerado alto para grande parte das pessoas. Porque “somos um país de rendimentos baixos”, repara Luís Menezes, mas também porque, em muitos casos, esse é o valor “que vai para a Sport TV”, atira Pedro Carvalho.

Esta realidade não é exclusiva dos seguros multirriscos. Passa-se o mesmo em todos os tipos de seguros que não são obrigatórios e mais ainda nos produtos de poupança, como os Planos Poupança Reforma (PPR), mesmo havendo um crescimento de contratos. De acordo com Galamba de Oliveira, o volume de prémios nos PPR cresceu 60% no terceiro trimestre de 2024, face ao mesmo período de 2023, e nos seguros de saúde cresceu 18%. Mas “o rácio de prémios sobre o PIB é de 4,7% em Portugal e a média europeia é de 6,2%”.

Propostas de soluções

Para o presidente da APS, uma das soluções para corrigir a fraca penetração de seguros passa por “rever as coberturas obrigatórias”. Contudo, alerta Pedro Carvalho, “não é solução haver seguros mandató­rios para tudo”, porque “não é assim que se gere uma economia”. Outra resposta passa por constituir uma “base de dados com o tipo de seguro que se tem nas casas, tal como existe nos carros”. E outra ainda, já mais dependente do Governo, passa pela criação de incentivos fiscais à poupança, ou seja, dar um benefício fiscal a quem contratasse um PPR.

Contudo, as seguradoras também devem ter um papel no crescimento da penetração de seguros em geral, por exemplo disponibilizando “produtos de cobertura dos riscos associados a fenómenos climáticos”, diz a presidente da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), Margarida Corrêa de Aguiar, que foi outra das oradoras presentes no Fórum Seguros, organizado pela consultora PwC.

FRASES DO EVENTO

“Só metade das casas tem seguro. Têm apenas a cobertura de incêndio porque é obrigatório 
por lei em prédios em propriedade horizontal”

José Galamba de Oliveira
Presidente da Associação Portuguesa de Seguros


“Tumultos, catástrofes... acaba tudo nos seguros, mas gostávamos que as pessoas estivessem devidamente protegidas. Há um gap tremendo de proteção”

Rogério Campos Henriques
CEO da Fidelidade


“A poupança é uma questão de literacia financeira. Não somos educados a poupar nem a perceber o que acontece se não pouparmos”

Luís Menezes
CEO da Ageas Portugal

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