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Depressão grave custa mais de €1000 milhões por ano

O vídeo com o testemunho de Maria e da irmã Ana, diagnosticada com esquizofrenia, pode ser visto num artigo publicado no site da SIC Notícias, a 1 de julho de 2024
O vídeo com o testemunho de Maria e da irmã Ana, diagnosticada com esquizofrenia, pode ser visto num artigo publicado no site da SIC Notícias, a 1 de julho de 2024
Fotomontagem

Diagnóstico. Em Portugal estima-se que cerca de 100 mil pessoas sofram de doença mental muito grave e crónica

As doenças mentais graves, como a depressão resistente ao tratamento ou a esquizofrenia, são mais frequentes que a doença de Alzheimer e a esclerose múltipla mas muito menos faladas por questões de estigma. Em Portugal estima-se que cerca de 100 mil pessoas sofram de doença mental muito grave e crónica. Só a depressão moderada a grave custa €1,1 mil milhões, segundo os últimos números disponíveis.

Numa fase inicial, a família pode até nem perceber o que se passa e atribuir alguns comportamentos a fatores externos, como a personalidade ou feitio, mas esta é apenas a primeira barreira num caminho longo e doloroso da descoberta de uma doença que, tal como as outras, ninguém escolhe ter.

Quando se enervava, Ana batia com as portas com força e gritava muito. Estava sempre zangada, insultava, “odiava toda a gente”, sentia-se muito triste e foi-se isolando do mundo. Estes comportamentos, que a família não reconhecia como seus, fizeram com que os pais e a irmã Maria a levassem a uma psicóloga e a um médico psiquiatra que lhe prescreveu medicação. O tratamento com os fármacos tirou-lhe as forças, mas a tristeza e os “comportamentos estranhos” mantiveram-se.

Num testemunho dado a um documentário, Maria conta que, depois de deixar este tratamento, a irmã se recusava a ir novamente ao médico. A doença agravou-se, e num dos “surtos” chegou a dizer-lhe que só seria feliz no dia em que Maria morresse. Foi nesse dia que Maria começou a bater a todas as portas, mas acabou por ser preciso recorrer ao internamento para tratamento em regime involuntário. Ana tem 39 anos e só foi diagnosticada com esquizofrenia aos 37. Antes do internamento, nunca ninguém lhe tinha falado desta doença nem ela nunca achou que estivesse doente.

Em Portugal estima-se que cerca de 7 mil dos 48 mil doentes diagnosticados com esquizofrenia, não sejam acompanhados nem no Serviço Nacional de Saúde, nem no contexto privado e que 69% não recebam cuidados médicos adequados.

“A maior parte das famílias quer ver o seu familiar bem, com diagnóstico adequado e atempado, mas temos muitas vezes a resistência do próprio doente”, diz Joaquina Castelão, presidente da Familiarmente — Federação Portuguesa das Associações das Famílias de Pessoas com Experiência de Doença Mental, também ela familiar e cuidadora, há mais de 30 anos, da irmã, diagnosticada com doença mental grave. “Há estigma muitas vezes até nos próprios serviços de saúde. O principal desafio é chegar à ajuda especializada. A maior parte das pessoas desconhece como procurar ajuda. O primeiro contacto tem de ser com os cuidados primários”, informa.

A depressão é a principal causa de morte por suicídio e estima-se que até 15% das pessoas com depressão não tratada possam pôr termo à vida. Em mil suicídios registados, mais de 50% resultaram de depressão, patologia que aumenta 20 vezes este risco. Nos doentes com esquizofrenia, estima-se que entre 5% e 6% cometem suicídio, cerca de 20% tentam e uma quantidade muito maior tem pensamentos suicidas significativos. Esta é a principal causa de morte prematura em pessoas jovens com esquizofrenia.

€436

milhões é o custo e carga global estimados da esquizofrenia, por ano, em Portugal, dos quais 340 milhões são custos indiretos como o absenteísmo ou não participação no mercado de trabalho; estima-se que a doença seja responsável pela perda de mais de 28 mil anos de vida, por morte prematura ou incapacidade


O suicídio ainda é tema tabu mas os especialistas alertam que não há qualquer evidência científica que prove que não se deve falar desta condição. “As pessoas que têm pensamento suicidas não querem terminar com a vida mas com a experiência de sofrimento que naquele momento vivenciam. É um mito dizer que o melhor é não falar. Manter estas ideias em segredo aumenta o sofrimento. O esforço que tem de ser feito por quem ouve é entender que essa pessoa está a pedir ajuda. É uma janela de oportunidade para intervir”, explica Sofia Tavares, professora da Universidade de Évora.

João Bessa, psiquiatra e presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, alerta que também as perturbações bipolares têm uma relação importante com o suicídio. “É aqui que perdemos os nossos doentes. É preciso realçar que estes pensamentos são muito mais prevalentes do que pensamos nestas perturbações. A doença psiquiátrica mata”, avisa.

Ana Matos Pires, membro da Coordenação Nacional das Políticas de Saúde, acredita que também o aumento da literacia em saúde mental pode ser um caminho para a prevenção, tal como a Linha Nacional de Prevenção do Suicídio que entrará em funcionamento em janeiro de 2025, com mais de 100 psicólogos em atendimento permanente.

Portugal é o país com a mais elevada taxa de prevalência de doença de saúde mental na Europa e ocupa a quinta posição entre os países com mais casos. 3,66% do PIB nacional é atribuível a custos com a saúde mental e são gastos €6,58 mil milhões por ano em despesas (diretas e indiretas) com estas patologias. Este é um dos valores mais elevados da Europa, mas o investimento nesta área não tem ido além dos 5% do Orçamento do Estado.

Os serviços de saúde mental nacionais estão atualmente em reforma com o investimento a ser aplicado sobretudo em infraestruturas, na constituição de equipas comunitárias de saúde mental e na expansão da Rede de Cuidados Continuados de Saúde Mental, mas ainda falta muito para fazer.

Falta o acesso a medicamentos novos, a recursos humanos especializados, faltam residências para os doentes e falta a doença mental ser encarada como outra doença qualquer. “A sociedade é que está errada em discriminar estas pessoas. A doença mental atinge cerca de 25% da população mundial e Portugal não é exceção. É preciso dar uma mensagem de esperança. Existe tratamento para todas as doenças, em alguns casos não terão cura, mas o importante é a adesão ao tratamento para que as pessoas possam viver anos e anos com qualidade de vida”, afirma João Bessa.

Dados da depressão

Mais de 12% das pessoas em Portugal com 15 ou mais anos vivem com depressão, A média na população da União Europeia é de 7,2%.

Portugal tem apenas disponível 50% dos medicamentos aprovados pela Agência Europeia de Medicamentos e leva mais de 700 dias a aprovar nova medicação.

Mais de 22% da população pode ter sofrido de depressão entre as vagas pandémicas de outono de 2020 e da primavera de 2021.

A comparticipação de medicamentos em meio ambulatório pelo Estado é de 54%. Em Espanha é de 68% e na Irlanda de 82%.

A psicoterapia não está facilmente disponível no sistema nacional de saúde para pessoas com depressão ligeira a moderada. As consultas custam em média €60 no sector privado.

Despesas com medicamentos em meio ambulatório em Portugal é de 46%, enquanto em Espanha é de 32% e na Irlanda de 18%.

Estima-se que a depressão resistente ao tratamento atinja quase 80 mil pessoas em Portugal.

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