A “revolução energética” é o “desafio da nossa era”

Transição. A eletricidade e o hidrogénio são apontados como a melhor opção para substituir os combustíveis fósseis, mas há quem defenda os combustíveis sintéticos e a captura de carbono
Transição. A eletricidade e o hidrogénio são apontados como a melhor opção para substituir os combustíveis fósseis, mas há quem defenda os combustíveis sintéticos e a captura de carbono
Jornalista
Ilustrador
Esta semana, o Reino Unido encerrou a sua última central a carvão, sendo o primeiro país do grupo dos sete mais industrializados (o G7) a fazê-lo. Por cá, as duas centrais a carvão foram encerradas em 2021, uma em janeiro e outra em novembro, e uma delas — a da EDP em Sines — está a ser transformada numa unidade de produção de hidrogénio verde. Na China, os novos projetos eólicos e solares aprovados no primeiro semestre deste ano excederam pela primeira vez os de carvão, apesar de no ano passado terem entrado em funcionamento 14 novas centrais.
Assim se faz a transição energética no mundo. A velocidades diferentes, não só nos países mas também nos sectores. Por exemplo, a produção de eletricidade está mais descarbonizada, mas nos edifícios, na indústria e nos combustíveis líquidos o processo está a ser mais lento, diz o professor de Bioenergia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa Nuno Lapa. E não é tanto por falta de vontade. Nalguns casos pode haver falta de interesse político, mas acima de tudo o que há são grandes necessidades de investimento em tecnologias e métodos que substituam aquilo que demorou séculos a construir: o atual sistema energético, baseado em combustíveis fósseis, emissor de grandes quantidades de carbono, mas eficiente, diz Robert Spicer, responsável pela área de transportes e mobilidade da BP.
“O que se está a pedir é uma revolução energética”, diz Nuno Lapa. “É o desafio da nossa era”, acrescenta Robert Spicer, que é também o porta-voz do BP Energy Outlook deste ano, que foi apresentado esta quarta-feira numa conferência em Lisboa que reuniu os vários especialistas mencionados neste texto.
De acordo com o relatório da BP, o processo de transição energética que está em curso é complexo, demorado e rivaliza com outras prioridades dos governos e populações, como o acesso a melhores cuidados de saúde ou melhores salários. De tal forma que uma das conclusões é de que aquilo que o mundo tem estado a fazer para descarbonizar não é suficiente para cumprir o acordo de Paris e reduzir as emissões de CO2. E a outra conclusão é que, se não se fizer mais e mais depressa, a transição vai ser mais cara e menos justa para as populações.
Como acelerar então o processo? Uma das respostas já se sabe: reforçar o investimento em soluções para os transportes, ligeiros e pesados. O problema é como ter essas soluções e rapidamente. Nos ligeiros há mais otimismo, porque os carros elétricos já começam a ser mais baratos, diz Robert Spicer. Nos autocarros, os preços continuam altos. Segundo Rui Rei, presidente da Parques Tejo, um 100% elétrico custa uns €230 mil, enquanto a gasóleo custa “menos de metade”. Nos pesados, Gustavo Paulo Duarte, CEO da Transportes Paulo Duarte, garante que a eletrificação não funciona. “Não podemos parar para carregar os camiões nem em pontos ultrarrápidos. Há postos nas fronteiras que gastam 17 cisternas de combustível por dia. A eletricidade não substitui isso”, alerta. Para este gestor, “a captura e armazenamento de carbono é a solução. Não é preciso fazer camiões novos, basta colocar na traseira, e continuamos a usar a infraestrutura que já existe”.
Outra solução são os combustíveis sintéticos e/ou os biocombustíveis, mas aqui há questões regulatórias e políticas a resolver. Por um lado, a legislação portuguesa taxa estes combustíveis da mesma forma que a gasolina e o gasóleo. Por outro, a Comissão Europeia decidiu acabar com a venda de carros novos a combustão a partir de 2035, “o que não incentiva fazer unidades de produção”, diz Nuno Lapa. Há também o hidrogénio, principalmente para os navios, apesar de o sector notar um certo refrear político nesta solução. O problema é que, hoje, “é tremendamente caro”, remata Robert Spicer.
O BP Energy Outlook 2024 volta a fazer uma previsão do que poderá acontecer na energia em 2050, desta vez com base em dois cenários. Um deles segue a trajetória atual, mas que não cumpre os objetivos definidos em Paris em 2015. O outro obriga a mudanças políticas e tecnológicas, mas atinge os objetivos. Seja como for, a Europa é a região do mundo que descarboniza mais rapidamente.
TRÊS PERGUNTAS A
Porque é que a transição energética está a demorar tanto?
Não está a acontecer suficientemente rápido, em relação às trajetórias de Paris, mas está a acontecer. É uma tarefa enorme e está a competir com muitas outras prioridades governamentais e sociais. Os sistemas energéticos atuais são eficazes e o seu abandono exige mudanças significativas, incluindo investimentos. Além disso, a transição tem de acontecer num mundo que é agora muito mais populoso e interligado e cada vez mais próspero.
Quais as consequências de não acelerar o processo?
Poderá significar uma transição desordenada, o que seria menos eficiente e implicaria medidas políticas impopulares ou difíceis de aplicar. Consequentemente, a transição poderia ser mais dispendiosa, tanto em termos de investimento como de custos sociais.
Qual a importância dos comportamentos sociais?
Chegar a um mundo sem emissões de CO2 exige, entre muitas outras coisas, a adoção de novas tecnologias mais eficientes, evitar perdas de calor e desperdício de energia em muitos contextos, e até mesmo evitar algumas utilizações de energia. Para o fazer é muito provável que sejam necessárias algumas mudanças de comportamento.
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