
Mão de obra. Portugal é o terceiro país da União Europeia que mais engenheiros forma e de elevada qualidade. Mas não são da engenharia que é mais necessária agora: a civil. Uma área com muitos projetos em curso atualmente
Mão de obra. Portugal é o terceiro país da União Europeia que mais engenheiros forma e de elevada qualidade. Mas não são da engenharia que é mais necessária agora: a civil. Uma área com muitos projetos em curso atualmente
Jornalista
Fotojornalista
No geral, os engenheiros estão satisfeitos: “Temos trabalho, temos iniciativas do Governo, temos profissionais de qualidade e várias áreas novas, como a biomédica e a aeronáutica”, diz o bastonário da Ordem dos Engenheiros, Fernando Almeida Santos. Mas na engenharia civil, em particular, há alguns problemas a resolver.
Desde logo a falta de mão de obra para realizar todo o trabalho que está previsto no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que inclui, por exemplo, a construção de quase 60 mil casas a preços acessíveis, a requalificação de escolas e centros de saúde ou a expansão do metro do Porto e de Lisboa. E tudo até 2026. A isto junta-se ainda o PT2030, programa de fundos europeus, e os outros projetos anunciados, como a linha de alta velocidade ou o novo aeroporto.
No total, estima a Ordem dos Engenheiros, serão precisos dois mil engenheiros só para executar o PRR, e a maior parte são engenheiros civis. “Portugal tem falta de muitos profissionais para as grandes obras públicas. Tem grande dificuldade em retê-los”, repara o bastonário, alertando que “é preciso criar condições de vinculação de talento” que não passam apenas por melhores salários. Por exemplo, “na Função Pública, um engenheiro é um técnico diferenciado e, por isso, mais de mil engenheiros civis saíram das câmaras para o sector privado. A carreira pública devia ser revista”, sugere Fernando Almeida Santos.
Ou seja, é também preciso tornar a profissão de engenheiro civil mais atrativa, porque, segundo fonte da Ordem, atualmente os mais jovens são mais tecnológicos e escolhem as engenharias informáticas. E mesmo os que são mais ambientalmente responsáveis escolhem os cursos de Engenharia do Ambiente. Aliás, de acordo com António Costa Silva, ex-ministro da Economia e um dos engenheiros premiados a semana passada na gala da Ordem dos Engenheiros, Portugal é “o terceiro país da União Europeia que mais engenheiros está a formar, de excelente qualidade”. Só não são da engenharia que o país mais parece precisar neste momento.
Por isso mesmo, e como há urgência para concretizar as obras em curso, a solução para a falta de mão de obra tem sido tentar angariar engenheiros no estrangeiro. Por exemplo, recentemente a Ordem foi ao Brasil com 450 ofertas de emprego e em breve irá fazer o mesmo na Colômbia. “A nossa congénere colombiana viu-nos no Brasil e pediu-nos para fazermos o mesmo lá. O único lugar do mundo onde ainda se produzem mais engenheiros do que os que são precisos é na América Latina”, repara o bastonário. Outra solução tem sido evitar que haja ainda mais engenheiros portugueses a sair do país. “O Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) tinha um programa [da altura da troika] que vinha cá buscar engenheiros. Acabámos com isso”, acrescenta.
De acordo com o bastonário, outro dos problemas da engenharia civil é que “cerca de metade das grandes obras públicas adjudicadas desde 2020 foi para empresas estrangeiras”, referindo-se a obras do PRR e até algumas do PT2020, como a requalificação da linha do Alentejo (comboio) ou a extensão do metro do Porto. Manuel Reis Campos, presidente da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), diz não ter bases suficientes para fazer a afirmação dessa forma, até porque “muitas dessas obras ganhas por estrangeiros têm empresas portuguesas nos consórcios”.
De acordo com os dados disponíveis no Portal Base — onde estão registados todos os concursos públicos, o seu montante e a que empresa ou empresas foram adjudicados —, nos 25 concursos de €380 milhões a €29 milhões há quatro que foram entregues a estrangeiros (espanhóis e italianos). Mas há também quatro que são de consórcios espanhóis e portugueses e um — a extensão da linha de metro de Lisboa entre São Sebastião e Alcântara — que foi entregue a um agrupamento português.
Contudo, ambos concordam que, principalmente nas obras do PRR, o objetivo era que fossem para as empresas portuguesas. “Não precisamos de tanta capacidade estrangeira na construção quando temos qualidade e capacidade para a riqueza ficar cá e não ir lá para fora”, considera o bastonário.
A grande questão é como fazer para que haja mais empresas portuguesas a ganhar esses grandes projetos de milhões quando se trata de concursos públicos internacionais, onde há regras apertadas e livre concorrência. Por isso “não podemos impor critérios de proximidade nos concursos, mas em Espanha há alguns concursos em que sim”, repara Fernando Almeida Santos. E para que o valor não seja considerado um dos principais critérios, então teria de haver uma lei que o dissesse, repara Manuel Reis Campos. O Expresso contactou o Ministério das Infraestruturas, mas não obteve qualquer resposta até ao fecho da edição.
Já não é um problema só da engenharia civil, mas da engenharia no geral: a falta de mulheres. Isso é logo visível na Ordem, onde apenas 21% dos membros são mulheres e onde, em quase 88 anos de existência, apenas duas mulheres foram vice-presidentes. “O maior trabalho que podemos fazer é dizer às meninas que também podem ser engenheiras. Precisamos de ser mais. Se as mulheres confiarem nelas próprias, podemos ir mais adiante”, conclui Lídia Santiago, especialista em engenharia alimentar e atual vice-presidente da Ordem.
Números
2
é o número de mulheres que foram vice-presidentes da Ordem. A primeira foi a atual ministra da Energia, Maria da Graça Carvalho
450
foi o número de ofertas de emprego disponíveis em empresas portuguesas que a Ordem dos Engenheiros levou ao Brasil
59
mil é o número de casas financiadas pelo Estado que o novo Governo promete construir e para as quais é preciso mão de obra
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt