O diretor executivo da APIGCEE, Jorge Mendonça e Costa, aproveitou o encontro para alertar para os atrasos nos licenciamentos
Modernização. A transição energética, o clima extremo e o aumento do consumo estão a pesar cada vez mais nas linhas de distribuição de eletricidade, muitas das quais têm mais de 40 anos e precisam de ser melhoradas e digitalizadas
A frase seguinte corre o risco de parecer um slogan de um anúncio, mas não há melhor forma de o dizer: o futuro da energia já começou. “Em 2020 tínhamos cerca de 500 megawatts (MW) de produção distribuída [instalações que dão para autoconsumo ou para vender energia à rede]. Hoje são 2000 MW, ou seja, quatro vezes mais”, conta o diretor-geral da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), Jerónimo Cunha. No total, detalha, há já “197 mil instalações de autoconsumo” em Portugal. A isto junta-se a mobilidade elétrica. “Passámos de 500 pedidos [de ligação à rede] em 2021 para 1800 pedidos em 2023”, diz ao Expresso fonte oficial da E-Redes. Ou seja, é também quase quatro vezes mais em apenas dois anos. E juntam-se ainda os 5 gigawatts (GW) de renováveis, ou seja, parques eólicos e solares que não são para autoconsumo.
Como diz Jerónimo Cunha, um dos convidados da terceira conferência promovida pela E-Redes para debater o impacto da transição energética nas redes de distribuição, “é uma realidade diferente”, em que já não são só as centrais a produzir eletricidade mas também os próprios consumidores. E que vai mudar ainda mais nos próximos anos com o continuar da transição para uma economia eletrificada em vez de uma baseada em combustíveis fósseis. Por exemplo, nota o diretor-geral da DGEG, só nas instalações de produção distribuída espera-se um aumento de 10 vezes face a 2020.
Tudo isto implica, como foi dito nas conferências anteriores, uma gestão diferente da rede de distribuição — aquela que leva a eletricidade às casas e às empresas — mas também “implica milhares e milhares de [novas] ligações” a essa rede e, por isso, “investir é fundamental”, nota Jerónimo Cunha.
Isto acontece tanto na construção de novas redes como na modernização das existentes, das quais cerca de 30% estão envelhecidas e podem vir a comprometer os níveis de fiabilidade e a segurança de abastecimento, repara fonte oficial da E-Redes, que lembra que “o pico da eletrificação do país ocorreu nas décadas de 70 e 80, e por isso está agora a atingir os 40 anos”.
Além disso, para incorporar tudo o que foi referido em cima, as redes do futuro terão de ser cada vez mais digitais, para que possam ser geridas e ligadas e desligadas remotamente. E terão de recorrer mais a inteligência artificial e a programas de análise de dados, porque “mais dados permitem melhorar os modelos de previsão”, repara a secretária de Estado da Energia, Maria João Pereira, que encerrou o encontro.
Há já 197 mil instalações de autoconsumo (colocação de painéis solares) em Portugal
É por isso que João Gouveia de Carvalho, administrador da E-Redes, defende que “a questão deixou de ser se é preciso modernizar as redes, para ser como fazer essa modernização”. O problema é que o “como” é “muito mais complexo agora”, avisa Jose Luis González, sócio júnior da consultora McKinsey & Company, para quem, além da idade, há que juntar outros fatores que pesam sobre as redes: o já referido aumento do número de instalações renováveis, os eventos climáticos extremos — cada vez mais comuns — e o aumento do consumo de eletricidade, que se estima que seja duas vezes mais em 2030 e três vezes mais em 2040.
A estes juntam-se ainda outros, como a dificuldade de acesso aos materiais, que, segundo o administrador da E-Redes, João Brito Martins, pode ir de 18 a 24 meses, ou a falta de mão de obra, como lembra Gonçalo Sampaio, diretor executivo da Sotécnica. Até porque as obras em Portugal concorrem com obras no resto da Europa, onde existem as mesmas necessidades de modernização das redes.
Por fim, acresce que esta modernização e renovação requer “muito dinheiro”, que, por norma, é pago por todos os consumidores nas contas da luz: €600 mil milhões no mundo inteiro, segundo estimativas da Agência Internacional de Energia (AIE), conta Jerónimo Cunha. Por cá, só se saberá quanto é que será preciso investir no período 2026 a 2030 quando a E-Redes entregar o seu plano em outubro, e esse pode nem ser o valor definitivo, porque a decisão final depende do regulador.
Licenciamentos mais céleres
Na sua segunda interpelação aos oradores da conferência, Jorge Mendonça e Costa disse que não queria monopolizar o espaço dedicado a perguntas, mas os atrasos nos licenciamentos são um tema que é caro à Associação Portuguesa dos Industriais Grandes Consumidores de Energia Elétrica (APIGCEE), da qual é diretor executivo. É que para ligar uma fábrica nova ou renovada à rede elétrica é preciso, por vezes, fazer novas linhas de distribuição, que têm de ter uma licença favorável que, atualmente, pode demorar “meses ou anos”, como diz o diretor-geral da DGEG.
A DGEG vai ter mais 100 pessoas até ao fim do ano para responder ao aumento de pedidos de licenciamento
Apesar de ser a entidade que dirige que emite essa licença, só o pode fazer depois de muitas outras entidades darem o seu parecer, como a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), os municípios e, em alguns casos, a Direção-Geral do Património (DGP) e até os militares, explica Jerónimo Cunha. “O ónus fica sempre na última entidade, que, neste caso, é a DGEG. Temos de melhorar a comunicação e conciliar interesses, porque todos vamos beneficiar disto”, diz. Além disso, é preciso mais mão de obra, porque “a área de licenciamentos nunca teve tanto trabalho”.
De facto, na E-Redes, os pedidos de ligação passaram “de 92.800 em 2021 para 105.000 em 2023”, diz fonte oficial.
FRASES DO EVENTO
“O Governo considera essencial o investimento nas redes, mas está preocupado com o impacto nos consumidores”
Maria João Pereira
Secretária de Estado da Energia
“O investimento não depende só da capacidade que se tem de investir, mas também do que se quer desse investimento”
Edmea Adell
Presidente da gestora de ativos industriais Assetsman
“A transição energética não acontecerá sem a modernização das redes”