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A bomba que se desativa com tratamentos e muito afeto

A bomba que se desativa com tratamentos e muito afeto
Ilustração João Carlos Santos

Cancro ginecológico. A doença é silenciosa, por isso é normalmente diagnosticada já em fase avançada, e provoca forte impacto físico e emocional na mulher. Espírito positivo e apoio emocional são fundamentais na recuperação

A notícia cai, invariavelmente, como uma bomba. Com o diagnóstico de cancro ginecológico instala-se o medo, a angústia, a ansiedade e, sobretudo, a revolta. Surge então a pergunta “porquê eu?” e, pela frente, segue-se um processo que provoca na mulher não só grande impacto do ponto de vista físico como também emocional.

E foi sobre este tema que se falou na 4ª edição da conferência “Doenças Esquecidas, Pessoas Únicas — A Realidade dos Cancros Ginecológicos: Um Drama Físico e Psicológico”, evento da GSK que contou com o apoio do Expresso como media partner e que juntou no Palco Impresa vários especialistas na área.

Os sintomas mais comuns, como inchaço ou dor abdominal, alterações urinárias ou intestinais, cansaço, dor na relação sexual ou mesmo sangramento, são muito inespecíficos, e por isso nem sempre são ligados a este tipo de cancro, que tem, assim, caminho aberto para atacar de forma silenciosa. E isso explica que 90% dos casos de cancro do ovário, por exemplo, sejam diagnosticados já em fase avançada — e isso explica também que em 560 cancros do ovário diagnosticados morram 400 mulheres.

Surgem depois os inevitáveis e imprescindíveis tratamentos médicos (quimioterapia, radioterapia, cirurgia...), e aqui há um aspeto essencial na recuperação da doente. “Falamos de afetos”, explica Miriam Brice, presidente da Careca Power, associação sem fins lucrativos que se dedica à causa oncológica. “Somos conhecidos como a associação dos abraços, ou seja, tentamos colmatar as lacunas que possam existir na vida das ‘carecas’, pois é assim que tratamos carinhosamente as doentes, em todas as vertentes. E a vertente afetiva, principalmente nos cancros ginecológicos, é uma das áreas mais afetadas.”

Uma mensagem de esperança “é o mais” importante. “A pessoa tem de aprender a não baixar os braços e a viver o que existe hoje, sem preocupação de futuro, que não se adivinha. Mas é ter esperança e caminhar com atitude positiva, sentindo que não está só”, acrescenta.

E é pelo “copo meio cheio” que também alinha Cláudia Fraga, presidente do Movimento Cancro do Ovário e Outros Cancros Ginecológicos (MOG). “A forma como se encara a doença é muito relevante. Ver o copo sempre meio cheio é essencial. E ânimo alto sempre! É a minha frase para todas as mulheres com cancro ginecológico, e não só, porque é essencial acreditar nas equipas médicas e nelas próprias, que vão curar-se e viver com qualidade de vida. É meio caminho andado...”, assegura.

“O impacto psicológico é enorme. A pessoa é saudável, à partida, e quando recebe a informação de que tem um tumor... É um impacto muito grande, não só para a mulher mas para toda a família”, afirma. E realça: “É importantíssimo ter acesso a medicação inovadora em primeira linha, pois aumenta a qualidade de vida e prolonga a vida com qualidade.” Cláudia Fraga apela ainda às mulheres para visitarem o ginecologista.

A hereditariedade e o rastreio

Mariana Coutinho, psicóloga, assistente de direção na EVITA — Cancro Hereditário, associação igualmente sem fins lucrativos, realça a importância do rastreio para evitar o desenvolvimento de doenças oncológicas, sobretudo o cancro do ovário. “No caso do cancro do ovário, por exemplo, 15% a 20% dos casos são de origem hereditária. Ou seja, se estas mulheres tivessem sido identificadas atempadamente, seria de certa forma possível prevenir esta doença, recorrendo-se, por exemplo, a cirurgias preventivas, ou ooforectomia, que consiste na retirada dos ovários”, diz. “Tentamos alertar para esta situação, para o cancro do ovário ou outros tipos de cancro, e se a pessoa receber aconselhamento atempadamente, é possível evitar o desenvolvimento de uma situação oncológica.”

A psicóloga revela ainda uma novidade lançada pela asso­ciação que representa. “Lançámos recentemente uma plataforma digital, a EVITA Platform, que é destinada a qualquer cidadão interessado em conhecer o seu risco de cancro, homem ou mulher. Qualquer utilizador da plataforma pode registar-se e preencher um questionário, que, com base na história familiar da pessoa, vai avaliar qual o seu risco individual para o desenvolvimento de cancro ou predisposição genética. E assim podemos ajudar no aconselhamento e na prevenção”, explica.

NÚMERO

5

são os cancros ginecológicos mais comuns: colo do útero, ovário, vulva, vagina e endométrio. São diagnosticados cerca de 2000 por ano em Portugal

O que diz o estudo

Na conferência foram apresentados os resultados de um estudo sobre o impacto psicológico de viver com cancro do ovário, conduzido por Catarina Ramos (2Logical), que concluiu que “quase 90% das mulheres foram diagnosticadas no estádio III ou IV e mais de 35% já experienciaram uma recidiva”.

“A apreensão e o medo estão presentes” na reação ao diagnóstico, mas, apesar do impacto e do choque com a notícia, as mulheres revelam “determinação em vencer a doença” e querem aproveitar ao máximo “todos os momentos da sua vida”.

O sentimento da mulher no dia a dia “é variável”, com momentos “bastante negativos” e com “grande incerteza em relação ao futuro”. Os receios e a ansiedade são uma realidade, além das dificuldades a nível físico, “como alterações a nível da vida sexual, mas também algum cansaço, dores e dificuldades de memória”.

Apesar de tudo, diz o estudo que “algumas mulheres conseguem ter momentos de calma e paz e cerca de 74% assumem ter sempre prazer nas coisas que fazem”.

As mulheres referem ainda que, a nível profissional, “o seu estado físico ou tratamento interferiu/interferiram na sua vida”, dois terços confessaram sentir-se menos atraentes devido aos tratamentos e que as relações “são menos prazerosas”. Ainda assim, “a maioria sente-se satisfeita com a sua vida e imagem corporal”, pode ler-se.

O estudo diz ainda que “é numa situação de recidiva que as mulheres têm maior necessidade de receber apoio emocional”, e, aqui, família, amigos e profissionais de saúde têm um papel muito importante.

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