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Sintonia entre novos e velhos ganha peso na gestão

José Germano de Sousa é o novo presidente da Associação de Empresas Familiares
José Germano de Sousa é o novo presidente da Associação de Empresas Familiares
Estudo. Os legados intangíveis — como o nome e valores das famílias, as relações entre gerações ou a preocupação com as pessoas — estão a ter cada vez mais impacto que os legados materiais
Sintonia entre novos e velhos ganha peso na gestão

Ana Baptista

Jornalista

As empresas familiares portuguesas que integram múltiplas gerações da família e que estão mais comprometidas com o bem-estar dos seus trabalhadores e fornecedores tendem a ter um negócio mais forte e mais prolongado no tempo. Esta é uma das conclusões de mais um estudo da consultora KPMG sobre empresas familiares a nível mundial e que inclui dados mais aprofundados sobre a realidade portuguesa, já que foi o ano com mais respostas nacionais de sempre, num total de 2683 inquiridos.

De acordo com a análise feita, estas são as empresas que conseguem passar de geração para geração o nome e os valores da família e do negócio e que conseguem evitar o chamado “paradoxo do legado”, ou seja, a possibilidade de uma empresa ter um legado familiar tão forte que, mesmo com as gerações mais novas, corre “o risco de inação ou imobilismo”, explica Luís Magalhães, responsável da área de impostos na KPMG e porta-voz da consultora no âmbito deste estudo.

De facto, 78% das empresas inquiridas concordam que o legado é uma parte muito importante do negócio, mas as características mais representativas são as intangíveis, como o nome, os valores, e a relação com trabalhadores e fornecedores (46%). O legado material — e que inclui ativos como dinheiro, terrenos ou propriedades — apenas foi referido por 16% dos inquiridos. Aliás, nas conclusões globais que agregam todas as regiões em análise — Europa, América, Ásia e Pacífico e Médio Oriente e África — diz-se que “à medida que aumenta o número de gerações nas empresas, desce o peso do legado material e dá-se mais importância aos legados intangíveis”.

As 2683 empresas familiares portuguesas inquiridas têm uma média de idade de 67 anos. A média de idade mundial é 42 anos

“Gerimos com objetivos de longo prazo, a 10, 20 anos e nunca para o trimestre ou para objetivos premiados de curto prazo”, repara José Germano de Sousa, administrador do grupo Germano de Sousa e presidente da Associação de Empresas Familiares. Opinião partilhada por Isabel Furtado, CEO do grupo TMG Automotive e, tal como Germano de Sousa, uma das convidadas da primeira de duas conferências para apresentação do estudo da KPMG: “As empresas familiares têm uma perceção de continuidade e de gestão mais equilibrada entre o curto e o longo prazo do que aquelas que vivem de algum modo mais dependentes dos mandatos dos seus gestores e desígnios dos acionistas que procuram resultados imediatos.”

A falta do toque feminino

Olhando para as características comuns às empresas familiares que responderam há uma que continua a saltar à vista pela negativa: nas quase 3 mil empresas inquiridas, apenas 7% têm mulheres em cargos de presidente executivo (CEO). É verdade que há uma melhoria face a 2022, quando essa percentagem era de 5%, mas ainda é sinónimo de uma “evolução muito gradual, branda e com muitas barreiras”, diz Isabel Furtado. “Não é razoável que a progressão nas carreiras profissionais seja tão desigual, até porque as mulheres já o fizeram na sua vida académica”, acrescenta.

Aliás, segundo os dados globais da KPMG, há já evidências da capacidade das mulheres em cargos de gestão. Por exemplo, quando “indicam que o impacto positivo do legado na sustentabilidade é maior em empresas familiares lideradas por mulheres”. Ou quando mostram que o nome da empresa perde peso, porque o foco está mais nos trabalhadores, no ambiente ou na inovação.

Mesmo assim, a nível global, apenas 17% das empresas inquiridas têm mulheres CEO, menos que os 18% registados em 2022.


Ainda há poucas mulheres CEO. Como mudar?

É necessário compreender o porquê desta lenta evolução, de sentir o pulso à evolução da cultura e da mentalidade das sociedades, e da sociedade portuguesa, em particular, para potenciar esta mudança. Falta a muitas empresas entenderem que o papel das mulheres em gestão é uma grande mais-valia, pois se olharmos para o nosso legado cultural, concluímos que as mulheres sempre foram gestoras e sabem-no ser. Embora num contexto totalmente diferente, o papel central de gestão sempre lhes foi confiado — a gestão da família, do orçamento familiar, das decisões, das finanças — ou seja, um conjunto de dimensões fundamentais às pessoas e à vida em sociedade tal como a conhecemos. Algumas, até em circunstâncias mais complexas que muitas empresas. A solução parece-me ser simples — reconhecer as mulheres como pares, respeitar as nossas decisões e honrar as nossas capacidades. Isabel Furtado

TMG Automotive


O que concluir dos dados sobre a longevidade?

Pela idade média das empresas que responderam (67 anos), verificámos que na sua maioria são empresas familiares que se situam já na terceira geração e que ultrapassaram o estigma dessa mesma geração, precisamente, pelo facto de terem conseguido dar resposta com sucesso ao paradoxo do legado, aproveitando o melhor dessa “herança” e seguindo com ambição e abertura para a diversificação e para a inovação. Luís Magalhães

KPMG


Qual o peso do legado no desempenho?

O legado familiar é a transmissão do ativo. Este valor intrínseco, não mensurável diretamente, reflete-se na criação de valor nas empresas que, mais vincadamente nas que existem há mais do que uma geração, são modelos vencedores. Com mais de 350 associadas, temos hoje muitas empresas com mais de 50 anos, algumas com mais de um século e até uma com 253 anos. José Germano de Sousa

Associação das Empresas Familiares

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