“Ir para o terreno.” A solução para o cadastro florestal
O que fazem Carlos Fiolhais, Miguel Esteves Cardoso, Mia Couto e José Eduardo Agualusa num artigo sobre florestas? Bem, a razão mais óbvia é que todos eles foram convidados do Fórum do Eucalipto, que decorreu esta semana em Lisboa e onde se debateram temas como a gestão, a inovação ou a educação. Além disso, sabemos que o papel vem das florestas e todos eles não só escrevem livros como dizem que “a memória funciona melhor com papel” ou que “não há nada mais revolucionário e democrático do que a resma de papel”
Portugal. A gestão de florestas é crucial para combater os incêndios e as alterações climáticas e para rentabilizar os solos, por exemplo, com bioprodutos. Mas antes é preciso descobrir quem são os seus proprietários. E há muitos e muito pequeninos
A empresa liderada por Susana Brígido, a 2BForest, faz a gestão de processos de certificação de florestas em Portugal e neste momento já é responsável por mais de mil propriedades, o que significa que também é responsável pela “gestão de egos”. Egos do proprietário “velhinho”, que tem medo que lhe tirem o seu meio hectare de floresta, do filho de um proprietário que faleceu e lhe deixou um pedaço de terra que ele nem sabe bem onde fica ou de uma grande indústria da fileira florestal com oito mil hectares de área. “Este é o grande desafio, porque a expectativa e o modo de gestão são muito diferentes”, conta Susana Brígido.
A solução para lidar com isto tem sido só uma: ir para o terreno e falar diretamente com as pessoas e com as comunidades. Porque há sempre um vizinho que sabe quem é o dono daquele terreno ali ao lado de casa e que lhe liga se se passar algo de errado, repara Luciano Lourenço.
Aliás, para o professor catedrático jubilado na Universidade de Coimbra “ir para o terreno” é uma das soluções que o Governo devia adotar para conseguir, de uma vez por todas, fazer um cadastro dos proprietários florestais. Porque a realidade com que a 2BForest lida todos os dias é também a realidade do país, onde existem muitos pequenos proprietários de áreas florestais e matos, ou seja, solos que não são usados nem para a agricultura, nem para florestas, nem sequer para construir edifícios, quando se trata de terrenos urbanos. E enquanto eles não forem enumerados e identificados não se vai conseguir gerir a floresta de forma “eficaz e eficiente”, acrescenta.
É que a gestão das florestas “é essencial”, e não é só para diminuir os riscos de incêndio, mas também para mitigar os efeitos das alterações climáticas e ainda para aproveitar recursos que não o estão a ser e que podem ser rentabilizados. Aliás, para Peter Holmgreen, especialista do Center for International Forestry Research, estes dois últimos objetivos andam de mãos dadas: “É quando tiramos a madeira da floresta que contribuímos verdadeiramente para mitigar as alterações climáticas”, diz.
Prova disso são os bioprodutos que se conseguem extrair da madeira. Por exemplo, a The Navigator Company criou uma gama de papel para embalagens de uso único, como uma caixa de pizza, e desenvolveu embalagens para alimentos e até pratos e talheres feitos de celulose moldada proveniente das fibras do eucalipto. Quer dizer, produtos que ajudam “a reduzir a dependência de recursos fósseis [como os plásticos] e a promover uma economia mais circular”, explica o CEO da empresa, António Redondo.
Já a Altri tem transformado fibras celulósicas em viscose ou liocel, matérias-primas usadas na confeção de todo o tipo de têxteis. Ou seja, materiais que substituem o algodão, que, além de consumir muita água, ocupa muitas áreas de produção agrícola, vinca Gabriel Sousa, diretor de inovação e desenvolvimento tecnológico da Altri.
Há ainda o aproveitamento da biomassa florestal para a produção de eletricidade ou mesmo usar a energia gerada no processo de extração da casca dos eucaliptos para injetar na rede elétrica, refere Christoph Weber, especialista em combustíveis ecológicos, que também se podem fazer a partir da biomassa do eucalipto.
Por isso é que Manuela Pintado, biotecnóloga na Universidade Católica Portuguesa, diz que “tudo o que sobra pode ser aproveitado, mas temos de pensar desde a molécula até à sua utilização de forma segura e economicamente viável”.
NÚMEROS
41%
é a percentagem de área de mato em Portugal, segundo um estudo da Boston Consulting Group apresentado esta semana no Fórum Eucalipto. A área arborizada é de 36%, enquanto a área agrícola é de 23%
33%
é a percentagem de proprietários florestais identificados em Portugal, diz Carlos Lobo, da Lobo, Carmona e Associados. No Burkina Faso o processo foi concluído em 2019, acrescenta