Habitação: Mercado está “parado” à espera da descida do IVA na construção
No debate, moderado por Rita Neves, jornalista da SIC Notícias, estiveram Paulo Caiado, Hugo Santos Ferreira e Manuel Reis Campos
O programa do Governo inclui a tão desejada descida do IVA na construção nova de 23% para 6%, considerada essencial para aumentar a oferta e, por conseguinte, baixar os preços das casas
Faz a 26 de abril precisamente um ano que alguns dos responsáveis do sector imobiliário se juntaram para debater as medidas do pacote Mais Habitação do Governo PS de António Costa. Na altura não suspeitavam que, uns meses mais tarde, esse mesmo Executivo cairia, haveria novas eleições legislativas que dariam a vitória ao PSD e que estariam, na semana passada, a debater um novo figurino do Mais Habitação. Não se trata de “rasgar” por completo esse pacote, como frisou o novo ministro das Infraestruturas e da Habitação, Miguel Pinto Luz, na abertura desse debate. Há, sim, medidas que caem, como o arrendamento forçado, tão contestado pelo sector, e outras que entram, como a isenção do Imposto do Selo e do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) para jovens que comprem a sua primeira habitação. Ou como a descida de 23% para 6% do IVA na construção nova, uma medida que o sector vinha a pedir há já muitos anos por a considerar essencial para o tão necessário aumento da oferta e descida dos preços. Porque, como diz Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa dos Investidores e Promotores Imobiliários (APPII), “esses 23% vão direitinhos para o consumidor”.
O problema é que agora “o anúncio está feito e sabendo nós, promotores imobiliários, que a breve trecho vai haver uma redução do IVA de 23% para 6%, o que está a acontecer? O mercado está parado à espera que a medida seja implementada rapidamente, porque, se não for, pode ter o efeito contrário daquilo que queremos, ou seja, haver ainda menos construção”, avisa Hugo Santos Ferreira. Ora, com ainda menos construção nova, intensificar-se-ia mais a atual crise na habitação, ou seja, aumentaria a escassez de oferta, que, diz o sector, é o que faz disparar os preços — tanto das casas novas como das usadas — e, por conseguinte, dificultaria a aquisição.
De facto, segundo um estudo da consultora JLL divulgado no início do ano passado, em 2022 foram vendidas 168 mil casas, número que compara com os 138 mil imóveis residenciais que o presidente da Associação Portuguesa dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária (APEMIP), Paulo Caiado, diz terem sido transacionados em 2023. Além disso, quase sempre 90% das casas vendidas são usadas.
É que, apesar de o ano passado ter havido uma ligeira recuperação no número de casas novas concluídas — 32 mil versus as 15 a 20 mil por ano construídas entre 2010 e 2020 —, é preciso construir 45 mil habitações novas por ano para o mercado deixar de estar em escassez, nota o presidente da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), Manuel Reis Campos.
As dúvidas e o que falta
Apesar de bem-vinda, a descida do IVA na construção de 23% para 6% foi anunciada no programa do novo Governo como sendo apenas para habitação própria e permanente. E para Hugo Santos Ferreira os promotores podem vender a casa para habitação própria e permanente mas não podem controlar o que o comprador faz depois com a casa e se fica ou não a viver lá.
Outra dúvida que o sector tem quanto às medidas inseridas no programa do Governo diz respeito à garantia bancária na compra de primeira habitação. “Em princípio, parece-me fantástico, mas não me parece credível que possa acontecer para qualquer valor de casa, nem me parece justo que isso possa acontecer para qualquer jovem, independentemente da condição financeira que tem”, repara Paulo Caiado.
Já para Manuel Reis Campos, se o objetivo é construir mais casas, então tem de se “exigir que o Estado faça mais”, e dá como o exemplo a lenta execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que dos €3,2 mil milhões que tem para o imobiliário só €436 milhões estão em desenvolvimento. Além disso, repara que neste pacote de apoios está incluída a construção de 26 mil casas em cerca de cinco anos, quando o que é preciso, reforça, “são 45 mil por ano”.
Arrendamento como resposta rápida
Para Hugo Santos Ferreira, Paulo Caiado e Manuel Reis Campos — os três responsáveis que estiveram no debate da semana passada e cujo tema era precisamente as políticas públicas de habitação — o que também se exige é que as medidas tomadas sejam de longo prazo e atravessem os vários Governos, independentemente da cor política. Porque, como já foi dito vezes sem conta, a confiança e a previsibilidade são essenciais para este sector.
Mas para Paulo Caiado o atual problema na habitação precisa de respostas mais imediatas. “É fundamental termos medidas que perdurem no tempo, mas um jovem que está a decidir se fica cá ou se vai viver para fora, ou uma pessoa que precise de se mudar porque a sua situação familiar se alterou, não pode esperar que uma casa seja construída”, diz. E mesmo quando já se fala em “novas soluções construtivas, mais rápidas e menos exigentes em mão de obra”, o arrendamento pode ser essa resposta imediata necessária, “porque anda muito mais rápido”, repara. Mais ainda quando, mesmo com uma população envelhecida e a diminuir, se registaram mais 106 mil famílias em Portugal entre 2010 e 2020, remata Manuel Reis Campos.
Números
€200
mil é o preço mínimo, sem impostos, de uma casa nova de 100 m2 em Portugal, tendo em conta um custo de construção de €1600/m2 mais os €500/m2 do terreno
7
é o número de impostos que existem na construção e imobiliário: Imposto do Selo, IMT, IVA, IRS, IRC, IMI e AIMI
120
mil era o número de casas que se construíam por ano em Portugal nos anos 90. De 2000 a 2010 caiu para 68 mil por ano e de 2010 a 2020 recuou para 20 mil por ano
20%
é a percentagem de casas no mercado de arrendamento em Portugal. Na maioria dos países da Europa ronda os 40%