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Eis a “minibola de cristal” para vislumbrar o futuro

Participantes na conferência retratados junto dos painéis solares que alimentam parte das necessidades energéticas do Edifício Impresa
Participantes na conferência retratados junto dos painéis solares que alimentam parte das necessidades energéticas do Edifício Impresa

Ferramentas. Já é possível às empresas do campo da energia e infraestruturas anteciparem cenários e definirem 
estratégias com recurso à inteligência artificial, com impactos evidentes na eficiência e nas funções dos trabalhadores

Eis a “minibola de cristal” para vislumbrar o futuro

Tiago Oliveira

Jornalista

Eis a “minibola de cristal” para vislumbrar o futuro

Matilde Fieschi

Fotojornalista

Transformar o imprevisível em previsível. É a viragem prometida pela inteligência artificial (IA) no campo da energia e infraestruturas, e as primeiras indicações são de que a mudança já está em curso.

Na opinião de Hélio Jesus, responsável por Tecnologia e Inovação na Siemens Portugal, parece claro que “a implementação destas tecnologias poderá levar a poupanças significativas” e “a uma melhor alocação de recursos”. O responsável destaca como “a IA analisa dados em tempo real e fornece informações relevantes sobre o mercado” ou o papel no equilíbrio entre “utilização de energia e disponibilidade”. Por outro lado, “melhora as previsões de geração” e de “integração” na rede de energias renováveis.

É o que já acontece com a Floene, com o COO, Miguel Faria, a explicar que a empresa “passará a ter a injeção de gás totalmente descentralizada”: “Em 2030 teremos 110 novos pontos de injeção de gases renováveis, com 330 quilómetros de nova rede e 15% da rede descarbonizada.” Parte da rede de gás já tem “monitorização inteligente”, o que permite “ganhos de eficiência na manutenção e maior assertividade na identificação de possíveis situações de intervenção”.

De acordo com dados apresentados pela EY Portugal (parceira do Expresso neste projeto), as ferramentas de IA representam 72% de melhorias na previsão do comportamento do consumidor​ e cerca de 80% de exatidão na previsão de danos na rede elétrica, com o partner da consultora, José Roque, a reafirmar “o poder da inteligência artificial” para “evitar situações de perdas energéticas por desastres naturais”. No fundo, é como “ter uma minibola de cristal”. Com a ressalva de que é “necessário desenvolver estratégias de mitigação dos riscos associados à implementação de sistemas alavancados por IA”.

“Planear e dotar as nossas infraestruturas de pensamento crítico será fundamental”

José Roque
Partner da EY Portugal


“Um dos riscos associado à implementação de soluções baseadas em IA”, lembra o administrador executivo da REN, João Conceição, “prende-se com o risco cibernético. Não pela implementação da tecnologia em si, mas pelo facto de os sistemas estarem cada vez mais digitalizados”. Por isso, “a regulamentação do sector é um aspeto crucial para ajudar a garantir a correta utilização da informação, da proteção de pessoas e dados e até das próprias empresas”.

Evitar perdas energéticas

Com um aumento de 70% na rapidez de acesso à informação e de 149%​ na capacidade computacional dos supercomputadores mais rápidos, a digitalização em curso da transição energética ganha novo ímpeto — e, num campo onde a competição global é intensa, qualquer vantagem competitiva pode fazer a diferença. “Vai ser uma corrida pela sobrevivência”, afirma o consultor e ex-presidente da EDP Inovação António Vidigal, para quem é essencial ter uma “inteligência artificial que vença a inteligência artificial dos outros”, até porque “a nova consciência do potencial da IA está a fazer explodir o número de aplicações, a atrair talento e a propiciar o aparecimento de startups que vão ter um efeito transformador”.

É possível “afirmar Portugal como um país de referência na produção de energia a baixo custo”, crê João Martins de Carvalho, membro do Conselho de Administração da E-Redes, com a “concretização da transição energética” a exigir “a capacidade de operar a rede elétrica de forma mais dinâmica e eficiente”. Claro que “para conseguir bons resultados”, lembra, “é necessário ter a matéria-prima para o fazer”. Por isso, a empresa investiu “na criação de uma arquitetura de dados” como um “alicerce fundamental”.

No caso da Galp, “mais do que utilizá-la nas áreas comerciais”, importa também perceber como é que a inteligência artificial “pode salvar vidas”, sobretudo em “atividades humanas que implicam risco físico”, como diz o responsável pelos Dados e Analítica (CDAO), Jorge Afonso. “A inteligência artificial só é inteligente se tiver bons dados”, sustenta, o que “obriga todas as organizações a ter uma estratégia”. “Isto não é casuístico, nem pode ser”, conclui.

“Como consultor, não vou ser substituído pela IA, mas sim por um consultor que a use melhor”

António Vidigal
Consultor


O impacto na força laboral será grande, com um estudo da Randstad a demonstrar que a IA pode eliminar perto de 481 mil empregos em Portugal, até 2030, mas ao mesmo tempo criar 401 mil. “Isto é uma revolução boa”, acredita Marta Sousa Uva, CTO do Grupo Brisa. “As funções dos trabalhadores mudarão, e a IA será uma nova ferramenta para os seres humanos”, mas não haverá “necessariamente uma substituição total”, porque “os modelos não decidem pelas pessoas, ajudam na decisão”. Em face das dificuldades no recrutamento, a IA até poderá tornar “os trabalhos mais interessantes”. É nesse campo que se enquadra o sistema LiDAR, adotado recentemente, e que permite “mapear todas as nossas autoestradas e saber de antemão quando precisamos de reparar uma fissura, cortar mato numa berma ou reforçar um talude”.

A IA “tem impacto do ponto de vista da segurança” e é “absolutamente essencial na deteção precoce de situações perigosas, prevenção de acidentes ou preparação para alterações meteorológicas”, garante o CEO da Infraestruturas de Portugal, Miguel Cruz. Seja na manutenção da ferrovia e rodovia ou na gestão de edifícios, já estamos perante uma realidade que anda sempre “um passo atrás da tecnologia”. Perante a velocidade da transformação, Miguel Cruz mostra-se “agradavelmente surpreendido e positivamente impressionado” com a “regulamentação” adotada pela Comissão Europeia, por “não tentar regular excessivamente o detalhe”, e admite mesmo: “Sinto-me corrigido no ceticismo.”

Como está a IA a alterar a energia e as infraestruturas

A inteligência artificial já faz sentir o seu impacto no sector ao permitir, por exemplo, definir uma estratégia de manutenção de redes ou de alocação de recursos energéticos com base em modelos preditivos de fenómenos naturais produzidos a partir de IA.

A utilização e implementação destas ferramentas vai implicar um aumento exponencial do uso de energia, o que já começa a obrigar empresas e fornecedores de energia a dar respostas ao nível da sustentabilidade e diversificação de fontes energéticas.

Na mobilidade, será possível utilizar mecanismos de IA para reservar faixas de rodagem para privilegiar a circulação de carros que não tenham só uma pessoa ou para aferir o nível de cansaço de um condutor e atuar caso seja necessário, por exemplo.

A monitorização inteligente com recurso a sensores e algoritmos cada vez mais complexos vai criar uma automatização crescente de funções, com impacto no perfil de emprego e nas tarefas a desempenhar pelos trabalhadores.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: toliveira@impresa.pt

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