Os Açores têm de prestar serviços ao mundo

Jornalista
Fixar investigadores e acrescentar valor aos Açores é um dos caminhos para o desenvolvimento do arquipélago. Por isso o Governo Regional lançou em agosto um concurso público para o Tecnopolo Martec, a instalar na cidade da Horta, no Faial — estrutura que compreende uma incubadora azul, um centro de aquicultura e um laboratório para monitorizar o meio marinho. Haverá também espaço para a aposta num navio de investigação.
Os dois projetos, que deverão ser executados com fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), a que se junta o centro de lançamento de satélites, na ilha de Santa Maria, foram alguns dos exemplos apontados por Mário Fortuna, presidente da Câmara do Comércio e Indústria de Ponta Delgada, como estruturantes desta visão. “Os Açores têm de ter uma perspetiva de prestar serviços ao mundo”, defendeu na conferência dos 50 anos do Expresso dedicada aos desafios económicos deste arquipélago atlântico. A iniciativa decorreu no passado dia 13, em Ponta Delgada, na manhã em que a exposição do Expresso foi inaugurada na cidade.
O turismo, a aumentar em todas as ilhas, também esteve na mira dos intervenientes. Mário Fortuna admitiu que esta dinâmica fez aumentar os preços e inflacionou o imobiliário, mas “é importante, ou as pessoas não tinham emprego”. Além disso, susteve a tendência de perda de população que se verifica na Região Autónoma: “Os Açores perderam 10 mil residentes. Se não tivesse acontecido o surto do turismo, o nosso desastre demográfico teria sido maior.”
Divulgar para crescer
O dirigente apontou ainda críticas à promoção externa dos Açores. “É essencial adicionar valor ao que já se exporta, ao chá, ao turismo, ao leite. As empresas estão cá, evidenciaram uma resiliência fantástica, estão preparadas. Temos de ter objetivos de crescimento económico sustentável que não sejam baseados na dívida nem nos apoios externos, e competir nas nossas indústrias e no turismo” sustentou.
Para que a Gorreana fosse um nome a ter em conta, Madalena Mota aproveitou todas as feiras que pôde para mostrar o chá da plantação que está na sua família há cinco gerações. “Agora somos muito conhecidos fora da nossa terra e fora de Portugal”, disse a empresária, que abre todos os dias a sua fábrica aos turistas. A Gorreana exporta 60% da produção do chá que produz junto ao mar, na costa norte da ilha, para os mercados alemão, francês, norte-americano e canadiano. Tem em curso uma dupla aposta: obras para adaptar a fábrica centenária ao novo fluxo de visitas e de produção e uma parceria de investigação do chá com a Universidade dos Açores.
Oscar del Rey, CEO da Prolacto, trouxe uma outra faceta da economia da região ao debate, defendendo que “os Açores devem manter-se uma potência nos laticínios, pelas condições que têm e pela tradição”. O gestor admitiu, no entanto, que é preciso alterar o atual modelo de exploração de custos, criar explorações mais eficientes e ter as indústrias focadas no valor acrescentado. Além disso, a empresa açoriana, que exporta mais de 70% da produção, vai apostar na formação, levando à maior profissionalização dos produtores, com uma média de idades de 55 anos. Sem escapar ao tema da sustentabilidade e dos “lobbies veganos”, referiu que “o problema do planeta não são as vacas”, e que das emissões de gases com efeito de estufa na agricultura a menor parte é da atividade pecuária.
Jovens a sair
Outra das preocupações do painel foi a instabilidade política na Região Autónoma, que terá eleições em fevereiro de 2024. Mário Fortuna pediu estabilidade nas instituições que executam as políticas públicas, para que a incerteza governativa não arraste a economia. Oscar del Rey defendeu que “os problemas estratégicos têm de ser resolvidos pela sociedade civil, independentemente da política”. Madalena Mota juntou outra preocupação ao debate: não perder os jovens. “Queria que a mão de obra mais jovem ficasse na nossa terra”, disse, reconhecendo que é cada vez mais difícil cativar as camadas jovens a ficarem nos Açores.
Estudo A taxa de risco de pobreza nos Açores antes de qualquer transferência social é de 26,1%, a mais elevada a nível nacional. Os dados são de um estudo do Observatório das Desigualdades recentemente divulgado, baseado em informação de 2022. É nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira que se situam os valores mais elevados deste estudo, realizado pelo Instituto Nacional de Estatística.
€725
milhões é a verba do Plano de Recuperação e Resiliência canalizada para a Região Autónoma dos Açores. A uma fatia inicial de €580 milhões foi anunciado um reforço de €145 milhões para contemplar novos investimentos e fazer face à atual conjuntura económica. O Tecnopolo Martec está orçado em €26 milhões
São Jorge O acesso à Caldeira de Santo Cristo, na ilha de São Jorge, nos Açores, poderá vir a ser pago para assegurar a preservação deste local. A proposta é do Grupo de Cogestão Adaptativa da amêijoa que cresce na zona. Classificado em 1984 como Reserva Natural pelo Governo Regional dos Açores, este local é acessível a pé ou de moto 4 e procurado por turistas e praticantes de surf e de bodyboard.
3,4
milhões de dormidas em alojamentos turísticos entre janeiro e outubro de 2023 foram registadas nos Açores, o que representa um aumento de 15,9% em relação ao período homólogo do ano passado. Pico, São Jorge e Graciosa foram as que mais cresceram, tendo São Miguel concentrado mais de 70% do total
“Ou os Açores conseguem exportar mais com mais valor, ou estamos condenados a ser uma economia de dependências”
Mário Fortuna
Presidente da Câmara do Comércio e Indústria de Ponta Delgada
“Quero levantar o preço do meu chá, mas tenho de pensar nas pessoas da minha terra”
Madalena Mota
CEO Gorreana
“O trabalho da sustentabilidade tem de ser feito em conjunto com outros sectores. Não podes reduzir o metano das vacas e trazer mais barcos e aviões”
Oscar del Rey
CEO Prolacto
Conferências 50 anos
À boleia do roadshow que fizemos pelo país, inserido nas comemorações do 50º aniversário, o Expresso organizou várias conferências para perceber os desafios e as estratégias de desenvolvimento das diferentes regiões. Ponta Delgada foi a última paragem, com o apoio institucional da Tabaqueira.
Textos originalmente publicados no Expresso de 22 de dezembro de 2023
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