É possível produzir “sem ameaçar o ambiente”

Jornalista
Os desafios da produção agroalimentar nacional apresentam-se em várias frentes, desde o processo logístico à procura por talento, mas também na mudança para métodos mais sustentáveis, no combate às alterações climáticas ou no investimento em inovação. A esta extensa lista soma-se a necessidade de controlar custos de produção, de comunicar ao consumidor o valor do produto português e de que a agricultura quer o melhor para o ambiente.
“Os produtores são bons a produzir e não a comunicar”, diz Sérgio Ferreira, vogal da direção da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), insistindo que é preciso passar a mensagem de que a agricultura pode ser produtiva “sem ameaçar o ambiente” e de que “não desperdiça água”, mas utiliza-a para produzir alimentos. “Isto tem de chegar aos consumidores. […] Temos de os levar ao campo para perceberem como produzimos e fazemos a logística”, acrescenta.
E afirma que os agricultores também querem seguir práticas ecológicas, mas que é preciso não os deixar “sem ferramentas” para trabalhar. “Temos um mercado muito dinâmico, mas obrigam-nos a cumprir regras e exigências que nem sempre são exigidas do mesmo modo a países terceiros, de onde importamos”, alerta, referindo-se sobretudo às normas da União Europeia (UE) sobre a utilização de fitofármacos. A preocupação dos agricultores prende-se com a falta de soluções, equivalentes aos químicos, que possam garantir a manutenção das produções de forma eficiente e saudável.
O Pacto Verde europeu, conhecido como Green Deal, propõe 50 medidas para que a Europa se torne neutra em carbono até 2050, numa ação conjunta de todos os países da UE. Entre elas está a Estratégia do Prado ao Prato, que pretende reduzir em 50% a utilização de pesticidas, em 20% o uso de fertilizantes e aumentar a agricultura biológica dos atuais 7% para 25% da terra agrícola na UE, apontando 2030 como data-limite para alcançar estes objetivos.
“A Europa está a ir rápido demais e sem criar soluções alternativas. A ciência precisa de mais tempo para dar ferramentas à produção”, diz Sérgio Ferreira, e deixa um aviso: “Com menor disponibilidade de alimento na Europa, vamos ter de ir procurar a outros mercados, e isso, a nível concorrencial, é desleal para os europeus.”
A produção portuguesa faz parte da Europa dos 27, onde é “muito competitiva”. Quem o diz é Gonçalo Pereira, country general manager da empresa de produção agrícola VGT Portugal, reconhecendo, porém, que são necessários mais meios. “Cada vez mais temos de produzir com novas ferramentas que nos permitam cultivar da mesma forma que lá fora. É impensável não haver já hoje legislação que nos permita fazer aplicação de pesticidas com drones”, lamenta.
Cultivar no lugar certo
A redefinição da política agrícola nacional é outra das medidas apontadas por Gonçalo Pereira como fundamental para o sector. “Há regiões que fazem melhor vinha, outras melhor floresta. As regiões não podem fazer de tudo um pouco.” Sérgio Ferreira diz também ser preciso avaliar onde estão reunidas as melhores condições para produzir cada produto. “Este tipo de situações tem de ser bem pensado para ajudarmos os agricultores de cada região a perceberem onde conseguem distinguir-se e valorizar o seu produto.”
Numa nota positiva, o responsável da CAP relembra que a produção nacional conseguiu, “com a sua resiliência”, nunca parar e adaptar-se, continuando a inovar e a investir, mesmo em tempo de pandemia.
O sector tem cooperado para superar as dificuldades e para manter como prioridade a valorização do produto nacional. “O sector primário tem uma relação muito próxima com a distribuição, e, se antigamente cada um fazia a sua gestão, hoje há uma frontalidade, tanto a nível de operações como na produção nacional. Todos precisamos uns dos outros. Queremos maximizar a produção nacional e fugir às importações”, diz Martinho Lopes, administrador da cadeia de supermercados Intermarché. Para este responsável, um dos grandes desafios de 2024 será reter e cativar talento, pois os novos tempos e a pandemia mudaram a forma como se quer trabalhar. “Antes era mais difícil recrutar para a caixa. Hoje é mais difícil encontrar quem saiba amanhar um peixe. Há pessoas que querem só um part-time, como os estudantes, e usamos isso para que outros colaboradores possam estar, por exemplo, ao fim de semana em casa. Apesar de os domingos serem pagos a dobrar, as pessoas valorizam o tempo. Temos de ter dinâmicas diferentes.”
Mel: Iberiensis Esta microempresa produz três tipos de mel no Norte de Portugal, nos concelhos de Bragança, Boticas, Montalegre e Vila Flor, em altitudes compreendidas entre os 300 e os 900 metros, onde a diversidade floral favorece a produção apícola. Também faz mel multifloral, mas está especializada em mel com as particularidades da monofloridade, nomeadamente no mel de castanheiro, produzido na zona do Parque Natural de Montesinho, no de rosmaninho, da região da Terra Quente Transmontana, e no de urze, da região do Barroso. A produção da Iberiensis aposta ainda na preservação de tradições antigas e no bem-estar das abelhas.
Zidra de romã: Zidra O produto é um fermentado de sumo de romã com frutos frescos, 100% de origem portuguesa, espremidos no momento e que dão origem a uma cidra deste fruto. A ideia surgiu porque a produção deste fruto na Quinta do Tojal tinha romãs “de segunda”, que não conseguia colocar no mercado como fruta “de primeira” por terem “a casca rasgada, alguma queimadura ou defeitos de pele”, explica Afonso Lebre, criador do produto. O resultado foi este projeto de desperdício zero, que cria uma bebida artesanal, sem corantes ou aromatizantes, e que valoriza a produção nacional de romã.
Dose Certa: Campicarn A iniciativa Dose Certa criou um pack semanal de carne, dividido por unidoses, para um consumo “de forma muito prática”, seguindo as recomendações da Direção-Geral da Saúde, que aconselha o consumo de até 500 gramas de carne vermelha por semana. Este é um projeto que promove o consumo de carne de forma consciente, visando contribuir para uma alimentação equilibrada e diversificada. Tenta seguir as bases de uma dieta mediterrânea, mas também flexitariana, que consiste em aumentar a ingestão de produtos de origem vegetal sem, porém, eliminar por completo o consumo de proteína animal.
Azeite e conserva de azeitonas: Quinta Nossa Senhora das Neves Além dos olivais, que já existiam na Quinta Nossa Senhora das Neves, na Vidigueira, construiu-se um lagar para fazer a produção de azeite exclusivamente desta exploração. Foi daqui que surgiu o pack azeite virgem extra e azeitona de conserva da variedade galega, cujo processo de produção remonta aos tempos antigos da cura tradicional da azeitona, em que não se utilizam qualquer tipo de conservantes além do sal. A dupla aptidão, para conserva e para azeite, que têm algumas das quatro variedades de azeitona ali produzidas deu origem a este produto, que preserva os modos tradicionais e as variedades portuguesas de azeite.
55%
é a percentagem mínima estabelecida pela União Europeia para reduzir as emissões líquidas de gases com efeito de estufa até 2030
€1,8
biliões. Um terço do plano de recuperação NextGenerationEU e orçamento da UE, a sete anos, financiará o Green Deal
Prémios produção nacional
Três vencedores e uma menção honrosa para projetos que promovem uma produção sustentável e inovadora, com respeito pelas origens e tradições nacionais. Conheça os distinguidos da 9.ª edição dos Prémios Intermarché Produção Nacional, a que o Expresso se associa como media partner.
Textos originalmente publicados no Expresso de 8 de dezembro de 2023
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