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Turismo e tecnologia são armas para economia forte

Madeira: a economia da Região Autónoma da Madeira beneficiaria se tivesse um sistema fiscal próprio. O turismo é o motor da economia, a aposta nas empresas tecnológicas é crescente e tem potencial de crescimento na ligação ao mar. A conferência Expresso 50 anos debateu os desafios económicos da Madeira com o apoio da Tabaqueira

Turismo e tecnologia são armas para economia forte

Marina Almeida

Jornalista

O continente é industrializado, nos Açores predomina o sector primário, na Madeira predominam os serviços. Como podemos ter a mesma política fiscal para três realidades tão distintas?” A questão foi lançada por Miguel de Sousa, CEO da Empresa de Cervejas da Madeira e transversal às intervenções que perspetivaram os “Desafios Económicos para a Região Autónoma da Madeira”.

Realizada no âmbito dos 50 anos do Expresso, cuja exposição itinerante chegou na quarta-feira ao Funchal, a conferência juntou empresários e decisores políticos, com o futuro da Região Autónoma da Madeira no horizonte. Miguel de Sousa sublinhou a importância de atrair investimento estrangeiro para a região, bem como de cativar grandes grupos económicos e fixar mais pessoas na região. “Alguém disse um dia que podíamos ser a Singapura do Atlântico, mas temos 300 mil pessoas. Singapura tem cinco milhões. Precisamos de mais gente”, apontou.

O turismo, que está a bater todos os recordes na Madeira, tendo superado pela primeira vez a fasquia de um milhão de dormidas no mês de setembro, é o motor da economia insular, mas tem limites e está a chegar a “um nível de esgotamento”, reconheceu. É preciso encontrar caminhos paralelos para a Madeira não ficar dependente de um só sector.

Na mesma linha de pensamento, o Secretário Regional da Economia, Rui Barreto, acrescentou aos desafios para o território a importância de cativar empresas estrangeiras, mas também grupos económicos fortes para criar influência externa e dar peso à Madeira no panorama global. Em paralelo, realçou a aposta que está a ser feita pelo Governo Regional nas empresas que trabalhem em áreas tecnológicas, a que chamou “nova economia”, com a ligação entre a Universidade da Madeira e os centros de investigação e as incubadoras. Destacou também o cabo submarino que liga o arquipélago e um conjunto de infraestruturas, como as de comunicações, mas também o futuro hospital, atualmente em construção. Falou ainda do trabalho feito com as escolas, através de 26 “salas do futuro”, em que os jovens tomam contacto com a robótica, a inteligência artificial e outras temáticas.

Já Luís Sousa, CEO da ACIN, uma das empresas tecnológicas a laborar há 20 anos na região, criticou a falta de capacidade de a escola acompanhar as necessidades destas empresas, renovando a oferta formativa, e assim fixar jovens da região e desenvolver os negócios. Para este empresário, que diz ter a “felicidade de poder trabalhar a partir de qualquer parte do mundo graças à tecnologia”, a ilha tem tudo o que precisa para cativar trabalhadores, pagar bons salários e desenvolver projetos para qualquer latitude: “A Madeira tem uma excelente rede de fibra, comunicações 5G, ligações viárias e ligações a 50 cidades europeias por via aérea.” Cerca de 99% do trabalho que desenvolvem tem como destino a exportação, essencialmente para o “mercado continental”.

A vertente tecnológica é encarada como uma oportunidade para os territórios periféricos se afirmarem, e a Madeira não é exceção. O secretário regional da Economia apontou ainda a vantagem da ligação com o mar. Aludindo ao alargamento da plataforma continental, perspetivou para a Madeira um papel central na cria­ção de conhecimento: “A reserva das Selvagens, com 2700 quilómetros quadrados, é a maior do Atlântico Norte e tem um potencial enorme” como observatório das alterações climáticas, de investigação dos fundos marinhos, entre outras possibilidades. “Temos capacidade de incrementar empresas de área tecnológica para desenvolver este tipo de projetos”, referiu o responsável político, enfatizando a relevância do recurso: “O mar deve ser encarado como um ativo estratégico europeu.”

Turismo mais jovem

Menos exuberante, Gonçalo Mendonça, CFO da Alberto Oculista (loja de ótica fundada em 1984 no Funchal, hoje um grupo económico com 68 lojas em Portugal e Espanha), trouxe para o debate a atual situação económica com a elevada fiscalidade e a subida das taxas de juro e dos preços dos bens alimentares, que penalizam o poder de compra das famílias e travam o consumo. “É quase uma tempestade perfeita. Se calhar ainda não medimos bem as consequências sociais do aumento dos preços e dos rendimentos que não sobem. Sentimos muita dificuldade no mercado, no cumprimento das obrigações das pessoas”, referiu. Apesar de o turismo estar vigoroso na ilha, o empresário considerou que o seu ramo de atividade não está muito exposto a esta dinâmica.

Conferência foi dedicada ao desenvolvimento económico da Madeira
Duarte Sá

Enquanto a conferência decorria, no Design Center Nini Andrade Silva, três navios de cruzeiro estavam ancorados na Marina do Funchal, e os seus passageiros percorriam as ruas da cidade e as estradas da ilha. Uma realidade que não deixa ninguém indiferente e que se alterou nos últimos dois anos. “A pandemia foi o melhor que podia ter acontecido ao turismo da Madeira”, disse o secretário regional da Economia. Segundo referiu Rui Barreto, a organização do turismo na região, que estava muito dependente dos operadores turísticos, passou a ter novos canais, as plataformas online. Isso traduziu-se na chegada de novos públicos à região: “Um turismo mais jovem, com outras apetências, que permitiu maiores ganhos hoteleiros.” O rendimento por quarto (RevPar) passou os 100 euros (€100,81 em agosto). Para o governante, esta situação configura uma nova oportunidade da Madeira se posicionar como uma economia de futuro, mais sustentável.

Num debate sobre desafios económicos não ficou de fora a Zona Franca da Madeira e, também aqui, Miguel de Sousa apontou a importância de uma gestão autónoma: “Há um sistema de ajudas do Estado, que tem de ser autorizado pela União Europeia, que dificulta tudo.” Para o empresário, “os madeirenses não podem pagar mais impostos e a Madeira precisa de mais receitas”. A solução que preconiza é continuar a atrair investimento estrangeiro igualmente a partir desta porta de entrada na região: “Só se pode ir buscar [receitas] através de empresas e entidades externas que se queiram fixar na Madeira”, considerou.

Textos originalmente publicados no Expresso de 10 de novembro de 2023

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